quinta-feira, 23 de outubro de 2014

Mas de que lado você samba?

Já tive medo também....
já acreditei que a segurança pública podia separar o lado bom do ruim, manter em pé os muros que garantiriam minha paz de espírito e a
tranquilidade da minha família e dos que são próximos a mim..Mas foi quando me vi na mira de uma arma, percebi que quem a empunhava era eu mesma..Era meu
medo,classe média e ingênuo,que achava justa a política de contenção, vigilante e punitiva, que determinava as culpabilidades e o lado que cada um podia ocupar no cenário social...Era minha ideia de mudar o mundo através de uma revolução moderna que limitava a possibilidade transformadora , ao delegar ao Estado a tarefa de
reformar a vida das pessoas,enquanto o cidadão seguia bem, fascista e individual,obrigado.
Foi quando me dei conta, há exatos oito anos, de que a verdadeira transformação não estava em um discurso politico, devia residir dentro de mim.
De que adiantava “tomar o poder”, fazer a revolução, se o ser humano continuaria controlado pelas estruturas estruturantes, sem autonomia para decidir o que fazer da sua própria liberdade?
Era preciso ir além e construir caminhos a partir dos quais fosse possível compreender o social como composto de pessoas, todas elas responsáveis pelos direitos e garantias fundamentais uns dos outros.
A cidadania então tornou-se para mim bem inalienável....
Tudo ficou muito difícil a partir daí.Não era mais possível engolir soluções prontas ou pagar a conta de minha própria representação social com meus impostos e crer que o governo que eu mesma havia escolhido faria todo o serviço sujo por mim.Eu também era parte daquilo.
Em cada arma, em cada morte, em cada cela onde se acumulavam corpos,eu também estava ali..
A consciência de ser parte do sofrimento alheio eu já trazia de berço,mas a maturidade faz a dor do outro marcar na própria carne e nos faz perder o sono,quando podemos pensar tudo que podemos fazer para minorar a injustiça e a desigualdade social e não fazemos.
Pior do que isso:nos arvoramos em juízes da vida alheia,determinando quem pode ou não viver e achamos justa a pena impingida ao outro,sem termos ideia do que se passa em seu cotidiano..
Somos atrozes em levantar bandeiras políticas e religiosas para diminuir nossa culpa,pondo na boca de teóricos e doutrinas as ações que nós mesmos escolhemos como certas..
Esquecemos que somos todos feitos das mesmas partes, independente de nossas escolhas. Mas a mesma lógica que nos desumaniza, pode trazer-nos de volta, se tentarmos olhar para o outro como um espelho do que somos e procurarmos caminhos em que exista um só componente: respeito.
Assim fiz e tento fazer todos os dias, embora a vergonha de ver pessoas desejando a morte e a infelicidade de seus iguais por medo ou fundamentalismo religioso/politico ainda me faça tremer de raiva diariamente.
Como é possível não nos responsabilizarmos, como é possível fechar os olhos para o fato de que todos têm direito a cidadania e não somente os que têm mais sorte, “inteligência” ou mais dinheiro?
Como é possível compreender a economia como uma questão de poucos e não um componente fundamental da vida, porque baseada no elemento que nos torna humanos, a comunicação?
Como é possível ainda acreditar em uma visão política que vê somente no voto a saída para a crise mundial, como se a participação política não fosse dever diário de todos?
Como é possível ainda não compreender o radical “comum” como algo que visa o bem de todos, não porque se trata de uma doutrina política, mas de uma forma irremediável de sermos humanos, posto que deva se apoiar no respeito ao outro e assim a si mesmo?
Ainda não tenho respostas para nenhuma dessas perguntas... Não acredito mais que discursos mudem o mundo.
Aqui, de onde estou, mudo todos os dias o que é possível mudar com o que tenho em mãos:a mim mesma.
Se, por um lado, afasto-me de todo discurso do ódio, pela necessidade de preservar minha saúde mental, por outro, ainda acredito,ingenuamente talvez,que há meios de fazer com que a consciência de si como parte de um”nós” possa em alguma medida transformar as pessoas.
É preciso sensibilizá-las para este fato, fazê-las mergulhar no essencialmente humano, onde o mal não é o outro, está aqui dentro,do lado de todas as nossas boas intenções..
A verdadeira revolução ocorrerá somente quando todos conseguirmos sentir a dor do outro em toda sua intensidade e nos fizermos parte de sua causa e de sua solução..É um caminho deveras doloroso e angustiante,mas não há atalhos.
É preciso caminhar e exercer todos os dias a tarefa inglória,mas definitivamente libertadora de julgar e reformar a si mesmo.

sábado, 18 de outubro de 2014

Laços...

Laços?
Não tenho laços, nem de sangue nem de compromisso.
Não me amarro a regras, não amo por obrigatoriedade, ou mesmo pro procuração,
bicho desgarrado esse que teima em continuamente questionar o que lhe é dado.
Não cumpro papeis,não obedeço a costumes, sou fruto de minha liberdade.
Não me apego ao que me é próximo, familiar, institucional.
Me apego ao que me cativa,ao que me penetra a alma e me faz querer ser infinitamente melhor.
Me apego ao que me faz sorrir em silêncio ao lembrar de gestos,palavras, momentos.
Meus laços não são de sangue,são de afeto.Por eles mato e morro, me torno definitivamente maior....
Quem me mostra meus companheiros de jornada não são as estruturas sociais,o habitus, ou o cotidiano,o costume das horas ou a genética.
Não amo porque devo amar.
Amo porque reconheço quem consegue atravessar meus muros e se tornar infinitamente eterno.
Amo as redes que se tramam entre as sombras do imponderável,em gente que me faz querer ser a cada dia mais e mais humana.
E eles sabem,sabem que são.
Sabem quem sou.
Reconhecem minhas luzes e sombras e me amam apesar ou por isso...
Não me jogam pedras.
Aceitam o ser que sou.
Me fazem pequenas surpresas e me provocam uma felicidade profunda apenas quando dizem que em algum momento se lembraram de mim ou quando sorriem e me dizem algo que acham definitivamente a minha cara..
É que eles sabem,sempre souberam,que estão cá dentro e fazem parte desse indefinível e confuso universo que sente e pensa,ou seja : eu.

terça-feira, 16 de setembro de 2014

Uma decisão pragmática

Sempre é tempo de dizer, para os que ainda não sabem, que sim, voto em Dilma para presidente, sem crer em grandes transformações, como é de minha obrigação... Milagres ficam a cargo da religião, convém não misturar.Não creio ser necessário dicotomizar o discurso para compreender que Marina não representa o novo, nem mesmo Dilma. Confesso que fiquei bastante em dúvida sobre as duas, seus planos de governo, prós e contras...Votei 13 ou tive a intenção desde os 11 anos de idade e só quem viveu a eleição de 1989 pode compreender de forma correta o que foi o projeto de país de Lula derrotado pelo neoliberalismo de Collor na primeira eleição democrática do país depois de duas décadas...Não estávamos prontos. Em 2002, depois de eleger a governabilidade como programa de governo, veio a primeira vitória. E começou o projeto de país, como um reflexo fraco do que acreditáramos ser possível em 89.Foram necessários acordos espúrios e negociatas por vezes indignas, para que se votassem medidas necessárias para que direitos e garantias fundamentais saíssem da teoria e fossem para a prática e a mesa de 28 milhões de pessoas.Vou repetir:28 milhões de pessoas. E então veio o mensalão. Não sejamos inocentes, ele sempre existiu em todos os partidos. Mas para alguns, inclusive eu, conosco seria diferente. Não foi.Somente quem consegue compreender o que é o PMDB nesse país pode ter alguma ideia de como funcionam as votações em um congresso.Não se trata de ética, é interesse mesmo. Poucos são os que votam de acordo com o caráter que têm, alias são poucos que podem ser considerados como éticos. O sistema é brutal e envolve crimes prescritos em constituição. Não é jogo para amadores. E onde compreender a participação política num cenário onde a única coisa que se pode fazer é votar?Aí é que esta a questão. Não se trata somente de votar. Primeiro, é necessário entender que cidadania não é somente para quem paga imposto. E vem a grande revelação: todos minimamente pagamos,em qualquer compra que fazemos,seja o dinheiro proveniente de esmola ou de um salário. Portanto todos temos direito à saúde,educação e segurança,conforme os itens mais repetidos nos programas de todos os presidenciáveis.Compreendo que o governo petista não fez nem a metade do que pretendia e asssociou-se a agendas consideradas impensáveis em 1989.Faltou coragem?Talvez. Mas antes de pensar em como seria um governo sem alianças, pensemos em uma reunião de condomínio em que o síndico quer substituir o portão da garagem. Assim, somente isso. Imaginem a quantidade de reuniões, questionamentos, apartes e bate-bocas até que todos compreendam que sim, é necessário trocar o portão para o bem comum, não somente de quem está em dia com o condomínio. O exemplo,tosco,reflete um pouco do que é legislar em um país com sistema republicano, federativo como o nosso. São necessárias inúmeras fases até que um projeto venha à pauta, seja votado e sancionado e aí sim, entre em vigor, ou “pegue”, como dizemos aqui. Acordos são, infelizmente, necessários. Para isso, a velha política continua valendo e assim temos governado até então. Entretanto, há agendas de um projeto de país que se refletem em números, como a posição do país de 2002 para 2014, de 13 ͦ para 7 ͦ lugar. Ou através de um programa como o “Minha casa, minha vida”, ou o “ Luz para todos”. Não, eles não foram obra de só um governo. Foram obra de 12 anos de governo e agendas que compreendem a cidadania como direito de TODOS. Há números e políticas vergonhosos no governo petista, principalmente se pensarmos que muito da ideologia do partido vem, ou deveria vir de conceitos profundamente comunistas, não no sentido que ainda se crê (sim, ainda tem gente que tem medo da cor vermelha, ou acha que eles comem criancinhas), mas no sentido do “ser em comum”, do Estado para todos da mesma forma, com igualdade de direitos, de forma que AINDA não foi implementado em nenhum contexto histórico. Muito ainda há a ser feito ou revisto. Mas há ganhos que não podem ser ignorados. E há um modus operandi do governo petista, não somente do federal, mas dos Estados e prefeitura que AINDA prima pela democratização, mesmo que com falhas e desvios. E é nessa perspectiva que eu ainda aposto, apesar de tudo. Gostaria de acreditar que temos maturidade suficiente para eleger um governo do PSOL e compreender que somos parte de um todo social, participativo, para a qual nossa contribuição política efetiva será solicitada não de quatro em quatro anos, mas diariamente. Mas ainda somos o país onde a religião ou a sexualidade do sujeito determina suas escolhas para a coletividade, onde determinamos o candidato em que vamos votar com base na aparência ou na lógica burra de que todos são igualmente ruins. Ainda não estamos prontos para o voto facultativo, uma vez que achamos que nossas pequenas corrupções, nossas carteiras compradas, nossos pequenos subornos, a morte ,a tortura e a humilhação do outro , o favoritismo em concursos, em provas, em filas, os produtos roubados comprados à porta de casa,o uso indevido de direitos e espaços que não são nossos, não tem nada a ver com a ideia das grandes corrupções. Ainda acreditamos que presos tem que ser encarcerados em contêineres e postos ao sol (ver artigo Vigiando e Punindo,até quando?), ou que as rebeliões são bons sistemas para diminuir a superlotação dos presídios, afinal, todos que estão ali merecem morrer. Ainda não somos bons o suficiente para entender que o direito à vida e à dignidade são inalienáveis. Ainda somos muito provincianos em relação ao coletivo e assim o é nosso sistema político. Mudá-lo cabe a cada um de nós, acompanhando, cobrando,participando, propondo medidas em que o Estado,em seu tamanho atual e representativo,seja cada vez menos necessário e a política seja cotidiana e plural.Por enquanto, precisamos de um Estado forte,infelizmente e compor quadros no governo em que AINDA exista minimamente um projeto democrático de governo.E por isso,meu voto no dia 05/10 será 13,para presidente e 50 para todos os demais cargos.Primeiro porque acredito que é preciso fortalecer as células políticas de base e isso precisa ser feito por partidos com a ética do PSOL.Segundo,porque,na minha modesta opinião,isso corresponde à construção do que enxergo,com grandes esperanças,que será o caminho evolutivo natural,quando amadurecermos um pouco mais e deixarmos de traçar embates políticos, partindo para o debate sobre propostas.Nesse mundo utópico,poderemos pensar então em um governo sem a tal da governabilidade.Por enquanto,estamos há anos luz dessa lógica e é preciso não retroceder,criticando sempre, manifestando-se em todos os momentos,mas sem desconhecer que se as manifestações ocorrem de forma ininterrupta agora, é porque tem espaço para acontecer.Lembrando Agamben,é preciso ser contemporâneo sempre,vivendo nosso próprio tempo,mas com olhar distanciado para perceber onde estamos e que caminho devemos trilhar.Por isso,declaro meu voto aqui,não somo forma de influenciar qualquer um,mas porque preciso estar coerente com o que sou e acredito.. PS: Não tenho intenção de ofender ninguém ou criar inimigos pela manifestação de minha intenção de voto, sejamos maduros e vamos debater conceitos políticos e perspectivas de Estado, não é mais tempo de fla-flu, ou de discursos ou de achar que a política não nos cabe, ela é dever de cada um... Qualquer comentário no sentido de debater ideias será aceito e bem vindo.Ofensas pessoais serão sumariamente deletadas,em benefício de minha saúde mental.

sexta-feira, 22 de agosto de 2014

Comunicar

Comunicar exige coragem ante esse universo angustiante e fluido que se chama outro.
Nunca se sabe o que ele vai dizer.
Que dores internas,que marcas profundas pode deixar uma palavra,um gesto impensado, um simples fechar de olhos..
Mas que magia profunda e impalpável quando esse ser se digna dizer,inadvertidamente,sim.
E o encontro pode ser tão forte que chega a a entorpecer...
São afinal dois universos de medos e nãos que a um dado momento
súbita e inexplicavelmente olham-se nos olhos e dizem por gestos ou palavras:sim
Na sutileza desse momento cabe um mundo inteiro, uma infinidade de significados e serão tantos quantos pudermos decifrar,
na delicada rede que se trama entre duas pessoas,a cada instante de aproximação.
A cada passo as mãos parecem estender-se em convite e os olhos sorriem antes mesmo da felicidade chegar aos lábios..
É ali,na incerteza de um recuo,que reside a dolorosa e infinitamente bela tarefa de se comunicar..
Se eu pudesse, no instante exato desse encontro,dizer alguma coisa,somente diria:Não afastem-se,não afastem-se agora,não desviem o olhos, não interrompam a conexão...
O mínimo descuido ,somente um segundo poderá pôr tudo a perder.
Por isso,enquanto o silêncio não precisar ser preenchido por palavras,não afastem-se,deem-se as mãos,aproveitem o precioso momento de contemplar o outro,que se abre a você nesse único e raro instante...
Amanhã poderá ser tarde demais..Quem sabe quando a comunicação será reestabelecida?
Quem sabe um dia,quem sabe nunca mais...
O importante é perceber,mesmo que muito tempo depois,que alguns laços,uma vez firmados não se romperão jamais.. Então cabe-nos apenas,a cada intervalo,perceber e reencontrar sutilmente ,o caminho de volta..

quinta-feira, 14 de agosto de 2014

Iconografias

Sobre todas as coisas
Ainda resta muito de mim
Fotos de um tempo em que o sorriso habitava meu rosto
Mãos espalmadas enquanto meu corpo girava, em passos imaginários...
E um sol permanente que habitava meu peito...
Tempo em que era toda certeza...
E o silencio me preenchia de poesia e música...
Na nevoa do tempo caminhei a esmo
E me perdi dentro de mim mesma, buscando algo indefinido.
Uma palavra, um gesto, um sopro de vida...
E o peito pesado de tantas dores.
Navegando lentamente por entre as ruas de duas cidades.
Em que esquina deixei a esperança de ser feliz?
Em que momento parei de acreditar?
Hoje, tantas dores depois.
Só a arte, somente ela ainda me colore a vida...
E quando tudo se torna demasiado,
A luz do sol me chega através das fotos que insisto em tirar, procurando incessantemente a comoção alheia...
Em frases desconexas, a eterna busca da poesia com que reencontrar um tempo que não volta mais...
Não há perdão, não há caminho de volta, para que se reconheceu completa por alguns instantes s e depois se perdeu no meio de tudo...
Nas imagens, registros de um tempo feliz, o azul sempre é mais azul e o verde mais verde...
È que ali,no centro da vida, a alma transparecia inteira....







Fotos:2006

domingo, 10 de agosto de 2014

Crônica de dia dos pais ou porque eu amo os homens

Não é por ser uma feminista ferrenha,segundo muitos dos meus amigos, que não deixo de admitir minha admiração profunda pelos homens. Ao contrário. Sem entrar no mérito da questão, acho que ser feminista é bem isso mesmo,saber respeitar e ver a beleza do outro lado...
Mas o fato é que há certa poesia no masculino que me encanta desde sempre. Para começar, indo ao lugar comum, são verdadeiramente mais práticos do que nós costumamos ser, mais concisos, mais diretos e por vezes mais fraternais.Entretanto, o que realmente me apaixona é a forma de demonstrar afeto. Deve ser mesmo complexo deixar aflorar a afetividade quando infelizmente ainda(!!!) somos tão medievais quanto a gêneros em pleno século XXI.
E como os homens sabem ser maravilhosos quando se permitem se apaixonar, como podem ter paciência com relação a esse quase sempre hermético e extraterrestre universo que costuma ser o feminino.É por isso que poucas coisas me sensibilizam tanto quanto acompanhar as transformações que acontecem com os meninos, quando escolhem alguém para gostar e, sobretudo, quando se tornam pais. Parece então que se tornam seres insuportavelmente e permanentemente encantados com o dito objeto da paixão, mesmo que o cotidiano e o cansaço por vezes o afastem das crias. Se são meninas então, aí parece que o caso torna-se sério.
Nada mais belo do que acompanhá-los na ansiedade dos 9 meses de gestação,esperando por algo alheio a seu corpo,tentando compreender essa nova e eletrizante fase da grávida que antes então era uma mulher como outra qualquer. Convém então que aguardem o momento de serem finalmente pais e terem o supremo direito de carregar bolsas cor-de-rosa pelo shopping e participar de rituais que envolvem, em muitos casos, bonecas, esmaltes e maquiagem. (Sem que lhe tenha sido previamente explicada a função prática de nenhuma dessas coisas, diga-se de passagem.)
Talvez porque eu tenha sido criada por um sujeito tão especial quanto o meu pai, aprendi desde cedo a reconhecer a diferença entre o que hoje chamo moleques e meninos, na falta de termo melhor. Meninos são de qualquer idade, mas carregam dentro de si a sensibilidade e a coragem de encarar relacionamentos, laços,dores e até mesmo filhos....Se apaixonam,sofrem,perdem o sono,encantam-se e desencantam-se e quando tem filhos,desmancham-se em amor profundo pela produção realizada,ou seja,a cria.....
Vão à reuniões de escola, sabem dos programas preferidos,contam infinitamente as últimas tiradas, registram expressões e fases do crescimento em inúmeras fotos, babam-se de orgulho intimamente pela resposta malcriada da menina,aprendem a fazer tranças e pentear bonecas...Sabem que há fases em que algumas meninas são bailarinas e atrizes em potencial e se esforçam ao máximo para dar asas à fantasia de suas adoráveis princesas...Contam histórias e inventam desenhos para tentar ensinar seus bebês a se tornarem pessoas legais..Comovem-se quando veem outros bebês... Com ou sem filhos, arriscam-se.Amam. São caras muito especiais.
E os moleques?Ah, eles também podem namorar, casar e ter filhos, mas nunca irão crescer. Não se arriscam, porque criar laços é definitivamente um ato de coragem... Não ultrapassam a barreira criada por sua eterna zona de conforto. Seja qual for a idade, sempre parecerão deslocados, visto que não criam raízes.
Tive a sorte de ser criada por um cara especial. Não somente especial,o mais especial de todos,o meu pai.Que me contava histórias e me explicava de onde vinha a febre. Que, junto com minha mãe, formou inabaláveis ideias sobre respeito e ética.
Que me dava e me deu colo sempre,mesmo quando o tombo era iminente e o desastre era certo.Ele continuava ali, mesmo que fosse só para me dar coragem e às vezes, para recolher meus caquinhos na volta, depois que eu quebrava a cara..Mesmo que fosse para, preocupado com o fato de que eu me tornaria mãe aos 17,se esquecer de que ele se tornaria avô aos 45.É por isso que tenho pouca tolerância com moleques.Porque sei desde sempre,que meninos podem crescer e se tornar homens e serem caras legais,sendo pais e maridos ou não...E vibro ao ouvir histórias de meninos, às vezes ainda bem jovens, que se arriscam, se relacionam,sofrem e se apaixonam infinitamente,seja por meninas ou por meninos.. Aqui de onde estou, me comovo com os encontros, com os laços,com o amor,seja ele em qualquer forma ..Sei que, se tiverem filhos, entenderão que ser pai não é um ato meramente contratual. Exige entrega.É tarefa para fortes.É para esses meninos,sejam filhos ou pais,que desejo hoje,Feliz dia dos pais...

sexta-feira, 8 de agosto de 2014

O que mais em nome do amor?A legitimação da violência a partir da cobertura midiática dos conflitos de Gaza

Em 1948, ano da criação dos direitos universais do homem e do Estado de Israel, Mahatma Gandhi, líder indiano defensor da política da não violência, foi assassinado com três tiros por um fanático hindu. Vinte anos depois, Martin Luther king, pastor protestante e ativista norte-americano, defensor dos direitos dos negros e da não violência morria, vítima de um único tiro, que atingiu seu pescoço e o arremessou contra uma parede.A imprensa,como de praxe,deu ampla cobertura aos eventos, que causaram imensa comoção mundial.O que há de comum nos dois fatos,de triste memória e o conglomerado de notícias que tem como tema os mais recentes ataques à faixa de Gaza, também de ampla cobertura? Afora a escalada de terror que permeia o imaginário acerca dos anos 60 com a repressão aos movimentos sociais, ou a lembrança recente do terror da Segunda Guerra Mundial, nos anos 40, o que une não só esses como dezenas de outros assassinatos, são a convicção por parcelas consideráveis da sociedade, de que tais atos são, em alguma medida, justificáveis e o posicionamento isento de grande parte da mídia interacional, de que as atitudes dos Estados e de indivíduos são legitimas porque defendem uma crença ou uma ideologia. Nesse viés, não é difícil encontrar na análise de articulistas sobre o conflito palestino-israelense, a crença de que, por acompanharem o desenrolar dos fatos desde há muito, lhes cabe o direito de legitimar a violência sistemática contra um ou outro lado. Além disso, talvez sobre alguma inocência(ou decerto uma certa irresponsabilidade), em crer que exista de fato uma “Faixa de Gaza” dividindo ambos os lados do conflito,sem que exista nenhum tipo de relação entre o Estado de Israel e o Hamas. São aliás as relações e a proximidade as responsáveis por agravar cada conflito, como o último,quando três jovens israelenses foram sequestrados e mortos sem que o Hamas assumisse ou negasse a autoria dos assassinatos. Começava a escalada de uma violência sem precedentes e, quase simultaneamente, as análises midiáticas favoráveis a “árabes ou judeus”, dividindo-se em um "fla-flu" sinistro, onde de um lado há o grupo pró-palestina e do outro, os sionistas. No meio disso tudo, direitos humanos são expurgados, sob a defesa de que Gaza é um território há muito conflagrado, ou que cabe, por direito à defesa, a emissão de mísseis Shell em casas, hospitais e escolas da região. Bem se sabe, mas por vezes é bom lembrar que mísseis não têm alma. São enviados sem amor a qualquer causa . Apenas explodem e é tudo. Do lado emissor, estão sempre homens, cuja justificativa apaixonada os leva a legitimar suas ações sob a certeza de que combatem o inimigo ou defendem a própria vida. Assim também parece pensar a grande imprensa internacional.Como se assistisse a uma sinistra partida de futebol, veículos de comunicação voltam seus rostos a cada lado beligerante como se aguardando o próximo ato, sem questionar em profundidade o simples fato de que as ações,per se, são criminosas e não se justificam, seja qual for o motivo, mesmo que sua defesa seja apaixonada e impulsionada pela fé mais renitente. Por amor a um credo ou a uma ideia,a violência não pode ser justificada ou combatida a golpes na mesma intensidade.Pelo amor a um modelo de governo, ou um Estado(que deveria em tese ser formado da vontade geral de todos seus cidadãos),não pode se justificar o terrorismo e o assassinato, seja de militares,seja de civis.A epopeia da guerra, tão covardemente alardeada como meio de defesa não pode mais servir de mascaramento para crimes de lesa humanidade com o beneplácito da imprensa, que parece encarar com costumeira naturalidade de abutre, a mutilação,o desmembramento , a queima e a explosão de corpos(palavras que por si já deveriam ser impregnadas do terror que representam),aguardando,como se assistisse a um espetáculo, quem será o vencedor da rodada.Cabe-nos como jornalistas,divulgar os acontecimentos em Gaza, com as exatas cores que tem.Sob a justificativa do ataque, o Estado de Israel e o Hamas assassinam pessoas,mulheres e crianças em maioria, condenados pelo simples fato de morarem em território “santo”.Impossível não lembrar, nesse caso, da maravilhosa obra de Arjun Appadurai,antropólogo italiano, “O medo ao pequeno número”, onde o autor busca analisar a incerteza social e as manifestações da violência étnica na globalização, provocadas pela acentuação das diferenças entre grupos socais e do medo relativo à desordem e ao fim da pureza na unidade nacional. Consubstanciando essa afirmação, Appadurai conceitua que a ansiedade da incompletude, ou seja, a angústia em relação ao pequeno número que falta para a maioria absoluta pode ser a causa de grande parte dos conflitos étnicos na atualidade, quando a certeza de um ethos nacional foi atravessada pelos fluxos globais do capital e a acentuação das diferenças entre ricos e pobres, além de borrar as fronteiras entre inimigos internos e externos. Nesse viés, a distensão dos horizontes sobre a multiculturalidade acentuou a preocupação sobre a identidade nacional e favoreceu o aparecimento de identidades majoritárias, predatórias, cuja mobilização e construção social requerem a extinção de outras categorias sociais tidas como ameaças (APPADURAI, 2009:46). Nesse cenário de incertezas a violência torna-se exorcismo do outro tomando como alvos ideias, costumes e grupos, na pratica do ideocídio ou civicídio pelas mãos da maioria ameaçada com a aproximação da minoria e o temor de que possa ocorrer uma inversão de papeis na estrutura social. A única certeza torna-se então, para o autor, a da violência, de forma cotidiana, nas guerras internas entre grupos étnicos, afirmando uma nova geografia política, a geografia da raiva. Appadurai (2009) afirma que a raiva é estimulada pela diferença (p.19), estopim da violência e causa do terror.O terrorismo, para o intelectual, não é um ato irracional, mas a transmutação das minorias atemorizadas para aterrorizantes, capazes de se erguer contra a ameaça através do medo ao outro o desejo de limpeza étnica. Por consequência da violência crescente, o terror é o fantasma que assombra os Estados, borrando os limites entre espaços e tempos de guerra e paz (APPADURAI, 2009:33). É uma espécie de metástase da guerra que a separa da ideia de nação pelo extermínio da ordem e a disseminação da ideia de que qualquer um pode ser um terrorista em potencial. Por conseguinte, é na mídia que Appadurai vai reconhecer a difusão asséptica do terror, pelo apoio de uma ideia, uma paixão, uma ideologia e a consequente divulgação dos atos realizados em beneficio deste ou daquele modo de vida,em detrimento do que consideram diferente,ou menos legítimo.Esquecem-se de que o terror quase sempre vem como consequência de um ato passional,cuja intensidade costuma justificar as mais deslavadas arbitrariedades. Cumpre-nos como comunicadores, ampliar nosso senso crítico em nome da defesa da vida,seja ela qual for, dando os nomes exatos a todos os atos cuja consequência for a ameaça a outro ser humano. a mídia, em sua infinita extensão e complexidade,não tem o direito de ser somente espectadora enquanto desenrola-se a tragédia da vez.Cabe-lhe escolher seu lado:o lado que proteja a vida,em qualquer medida,sob qualquer circunstância, repudiando com veemência qualquer tipo de violência.

domingo, 6 de julho de 2014

na barca








Mover-se.
Buscar além.
Mergulhar no imenso.
Esses são os caminhos de quem se arrisca na duração do nada,do impalpável,infinito e fugidio instante,que é a continuação de meu próprio respirar.
Vida.
meus pés avançam por sobre o inesperado e a cada segundo já prossigo por entre o incerto e o encantamento.
A imagem que permanece na retina nunca é igual,pois já não sou mais a mesma a cada passo.
Frente,lados,direita ou esquerda, já não me importa.
Sigo o fluxo,não de pessooas mas de meus próprios pensamentos...
Nesse universo,a busca é sempre maior para quem não sabe para onde vai...
O importante é partir,sempre para frente...
Se acerto o caminho,já não me cabe julgar.
Sei que ando,passo a passo,por sobre as construções de meu próprio imaginário.
E quantas sou ou quantas deixo de ser,a cada minuto mais, não é necessário perceber.
Os rostos,as cores de cada imagem são a duração infinita de meu movimento incerto e incessante,vento no rosto,o sol,entrando pela janela,enquanto a barca,lentamente,avança...


obs:Texto escrito no primeiro dia da ida a Niteroi para a primeira aula de mestrado..Antes de saber tudo que eu enfrentaria,todas as dores e decepções,a doloorosa percepção da pequenez humana, o desespero e ,finalmente,a calmaria..Não mudaria nenhuma palavra,nenhuma experiência foi inválida,tudo que foi faz parte do lugar onde me encontro hoje...

quarta-feira, 11 de junho de 2014

Da Iara


Trilha sonora:Iara,de Maria Bethânia

Lancei minha alma no rio, onde meus sonhos se tornaram um ser, feito de palavras ,sons e silêncio . Enquanto sentia o frio das águas tocar minha pele, ouvia ao longe as vozes dos que condenavam minha decisão:
“-não há de ser nada, diziam eles. não há de ser nada. é apenas ilusão, feita de sombras e vento e logo passará. segue teu caminho.”
Mas eu,que não sabia,estava distraída enquanto voltei minha cabeça e ouvi o som doloroso, definitivo, que numa só palavra determinou meu destino e a voz que inexplicavelmente dizia meu nome.
E foi o que bastou. De repente toda minha existência terminara e se refazia e em um sopro de vida me tornava cega e surda à qualquer som que não fosse aquele. Ao redor, todo universo conspirava , em espera.
E todos aqueles que não podiam ver, insistiam em dizer que não era nada, que eu seguisse meu caminho,que eu me perderia e morreria ao mergulhar ali, mas a voz que insistia, avançava peito adentro, e seu encantamento era tal que meus passos só encontravam direção no seu caminho e minhas mãos já não conseguiam abarcar a imensidão do que sentia.
Era como se, pela primeira vez, encontrasse um som que entrasse em súbita sintonia com meu interior,que falava em silêncio e me dizia coisas sobre mim e sobre o mundo que eu jamais ouvira antes.
Quis fechar meus ouvidos e meu corpo quando me dei conta do tamanho da descoberta, mas meus véus caíram todos aos meus pés.
Estava nua,frágil,exposta.E diante de mim,o infinito daquele encontro.
De que adiantava fugir, se o encanto me acompanhava a cada momento e toda minha existência parecia se resumir àquele momento único,de uma delicadeza absoluta,não havendo outra alternativa senão a entrega?Respirei fundo.
Ao canto do rio deixei minhas defesas e mergulhei no rio. Era uma tarde de maio.
Fez-se um silêncio profundo, enquanto eu respirava cada segundo daquele encontro e minha pele se desfazia em nuvem e sonhos.
Sobre todas as coisas uma certeza, de que aquele tempo,durasse o quanto durasse,seria eterno para mim.
Súbito estendi as mãos para tocar a face que se afigurava diante de meu rosto e tudo sumiu,desapareceu por completo e na escuridão me vi,instantaneamente só.
Uma dor absurda me consumia inteira e as águas do rio fizeram-se geladas e inertes. Eu não podia mais respirar.
Nadei até a margem do rio,emergi e foi como se deixasse parte de mim sob o leito das águas.
Respirei,sequei-me,prossegui meu caminho,dolorosamente,sem saber que essa dor me acompanharia todos os meus dias.
Na curva da estrada, anos depois,voltei meus olhos ao rio e então compreendi:tinha deixado sob as águas minha alma, a parte mais profunda do meu ser e o que emergira dali era apenas a carne e os ossos,que prosseguiam a marcha de todos os dias.
Mas dentro de mim, a voz do encantamento,ah,essa me acompanharia vida afora em cada segundo em que fechasse os olhos e me deixasse levar pelo intangível e inexplicável silêncio.

domingo, 25 de maio de 2014

Outono no Rio

De todas as estações, o outono me parece a que mais sintetiza a poesia do Rio de Janeiro, em seu estado mais latente.
Venham me falar de verão e cores, corpos expostos ao sol, samba e suor, Rio dos 45 graus, entre trânsito, barulho e, mais
recentemente, tiro, porrada e bomba. Esse é o Rio que os turistas aprendem, muitos com algum esforço, a aceitar, quando chegam ao Galeão , hoje transformado em inacreditável canteiro de intermináveis obras...
Não deve ser fácil mesmo amar uma cidade que lhes recebe de braços abertos na medida em que tenta surrupiar câmeras e carteiras. Verdade seja dita: amar a cidade sendo daqui é ainda mais difícil, acreditem.
Cruzar as ruas estrategicamente desorganizadas para a Copa, aguardar horas pelo transporte público para ir ao trabalho, ser removido de seu lugar de origem em prol de uma urbanidade olímpica que estamos longe de compartilhar não aumenta a paixão de ser carioca. Ao contrário.
Difícil se apaixonar assim, levando um tapa na cara diário da (falta de) segurança pública, cidadania, transportes, assistindo à população carioca, em sua maioria, ser varrida do mapa em prol de uma foto que venda uma cidade perfeita à olhares estrangeiros.(pausa para um profundo suspiro de desânimo).
O fato é que ainda estamos aqui e no caso particular desta carioca, estamos no outono, estação que reflete, na minha modesta opinião, toda a poesia escondida em cada esquina do Rio. Em que outra estação, a luz do sol pode dar tons dourados ao verde dos parques, onde o pão de açúcar se esconde por vezes por entre nuvens, para instantes depois ser iluminado por um raio intenso de sol que vai banhar a enseada de Botafogo, onde as arvores remanescentes das ruas se pintam de amarelo e vermelho e o chão se cobre de folhas que crepitam quando se pisa nelas?
Onde as ruas do centro convidam ao passeio em seus inúmeros centros culturais e há sempre um samba ou choro convidando em cada esquina, sem que o senegalesco calor que nos toma o resto do ano, desencoraje qualquer interação? A verdade é que o outono no Rio tem bossa...
Há uma coleção de dias mais frescos, uma certa chuva ocasional que esfria os ânimos e uma hipótese de inverno que se anuncia, inverno carioca, diga-se de passagem. E enquanto caminhamos por entre a improvável garoa, um aroma caramelado de pipoca ou amendoim pode tomar as ruas da Praça quinze e as livrarias próximas parecem abrir as portas estimulando uma visita...
É preciso estar suficientemente distraído para compreender a atmosfera poética, quase dramática, das construções históricas das ruas do nosso centro, entrecortadas por bares centenários e emolduradas pela Baía de Guanabara que se avizinha...
Nas mesas, quase sempre, o indefectível Chopp e petiscos variados, talvez um café e livros para alguns e o hábito do compartilhar a cidade que só o carioca tem...
. Se olhar em redor, há muitos celulares em punho e nem todos são de visitantes ocasionais.
É que nós, que somos daqui, não perdemos o insistente hábito de mostrar ao mundo o quanto (ainda ) é linda a cidade em que moramos...E a chuva, quando não exagera a dose, parece dar ao centro um ar meio londrino, bucólico, ainda que na esquina a barraquinha de churros e o vendedor ambulante de água de procedência suspeita nos lembre continuamente do lugar onde estamos...
A atmosfera de outono, seja no Centro, nas ruas de Santa Teresa ou nas proximidades do Aterro, nos jardins do MAM e no Pão de Açúcar, parece dar ao carioca, ao menos os que, como eu,tem um pé na melancolia, um bom motivo para se reapaixonar por sua cidade, ao menos nos fins de semana.
E por entre doses de café e as páginas de um livro, ainda persistem resquícios de poesia em que se acreditar para enfrentar o intenso e tenso cotidiano.

quinta-feira, 22 de maio de 2014

Dançar

Dançar.
Elevar teu corpo a um estágio superior de consciência;
Liberdade.
Pisar o chão das tuas emoções e misturá-las a esmo,enquanto experimentas o apogeu da euforia e da sensibilidade.
Sentidos.
Girar as saias ao infinito,por entre luz e sombra, enquanto as mãos tocam a superfície intangível do céu.
Vento.
Abrir os braços e abarcar todo o universo, no movimento leve e cadenciado dos pulsos e mãos que giram continuamente.
Reunir todas as células do organismo para alcançar poucos segundos de êxtase.
Vida.
Fragmentar o tempo no compartilhar dos instantes de tua respiração.
Alma.
Erguer-se em meio ao caos cotidiano e mergulhar no tecer de experiências nunca antes imaginadas.
Sonho
Alcançar a nota perfeita,enquanto cada parte de si atinge o esforço máximo até conseguir tocar o impalpável,
o efêmero instante de silêncio ,no intervalo da música, em que o ritmo,entretanto, prossegue.Ele não está nas notas.
Esconde-se, imprevisível,nos limites do imponderável, enquanto te lanças ao salto no espaço entre um passo e outro.
Ser.
E enquanto a mente permanece alheia à razão, a alma se multiplica em nuances difusas e o corpo se desloca em movimentos sinuosos,vertiginosamente, que vão propor um balé por entre as luzes da sala de dança,ao passo que permaneças continuamente em busca do movimento exato.
Perfeição.
Na combinação justa de si ao outro, não há espaço para a falha.
Todo o movimento,todo gesto cabe dentro do exercício abstrato, eterno, de ampliar o sentir, por entre giros e braços que não param de mover-se ,
traçando linhas invisíveis,por onde a teia da arte emaranha a todos nós.
Ali,no entremeio entre o início e o fim das aulas, depositamos uma a uma nossos melhores bocados de magia, dispostos no colorido das saias, nas rosas que se prendem nos cabelos soltos, nos véus e leques que se abrem continuamente.
São nossas almas que se abrem ao sonhar coletivo,que faz da dança um compartilhar de vivências e torna o estar ali uma necessidade física,quase como respirar.
Enquanto dançamos, somos movimento e cores.
Vamos além da morte,tornamo-nos luz.
É preciso ter coragem para dar o primeiro passo,em direção ao escuro e vazio de nossas incertezas.
Mas ao jogar a alma no mover-se contínuo,não há mais espaço para dúvidas.
Estamos ali, inteiras,infinitamente.

domingo, 27 de abril de 2014

sobre nós

EU

Que a forca do encontro inesperado não me impeça de caminhar em direção ao sol
que o medo da dor não paralise minhas pernas na angústia de acelerar o tempo
no compasso das horas intermináveis.
Após anos de escuridão e frio, súbito a janela se abre por sobre todas as coisas
Ainda não é possível atravessar a portas, mas restam violetas sob o peitoral da casa
para onde corro,celeremente,na ânsia de vivenciar o que antes me escapava do controle
Mãos vazias,vento no rosto,cada passo em si encerra uma infinidade de significados,
tão incertos quanto irresistíveis.
Negar é contrariar o sentido pleno da existência, é tornar à escuridão da caverna,
onde jaz ao chão meu relicário de lembranças, esquecido quando da decisão de ficar novamente de pé
Sair da inércia é enfrentar a luz demasiada e o medo do desconhecido.
mas também sentir o ar de outono no rosto e o toque das mãos, magicamente entrelaçadas como se sempre o fossem..
E ao fundo, o latejar constante do tempo,a conferir urgência ao caminhar....
Só ha uma direção por onde seguir,nenhuma outra escolha a fazer,
A luz só reside em um lado da caverna....
É preciso confrontar-se com o frio, na espera do contato do outro,
ainda que seus passos caminhem em ritmo lento...
É preciso compreender o diálogo como o exercício do conflito,
onde o sentido da linguagem desconhece a voz,
abrigando-se ao contato da pele,conjugado ao infinito...





Tu


Anda....
teus conflitos internos,tuas pequenas certezas,tua máscara de força
Dizem tão menos do que tua alma, que grita no vazio,enquanto tuas pernas caminham para longe
Não é preciso estar pronto para abrir as janelas..ousa.
Enfrenta o exercício doloroso da luz e sente o vento em teu rosto.
Arrisca caminhar para frente, pois o medo que te pesa será teu companheiro independente de estrada que escolha.
Segue apenas para frente,tuas mãos vazias,onde não cabem armaduras.
que a tua fragilidade seja a tua força, mas tua vontade de voar se encarregará de mostrar o caminho.ousa.
Não é preciso ter certeza para seguir a direção do sol...
Respostas são desnecessárias ,visto que as perguntas sempre irão mudar...
Caminha...
Esqueça teus nãos onde não os possa encontrar....
Para a frente é a direção do sentir...Anda..
Perpetua tua existência na fragilidade do ser...
Que tua beleza seja simplesmente não ter certeza..
Arrisca o mergulho,fecha teus olhos,não é preciso enxergar..
A alma sabe o caminho,sempre...



NÓS

Na fluidez do imponderável encontro tua mão estendida, à revelia de tua vontade
Sonho...
Caminhamos em passos distintos mas somos levados à mesma estrada onde nos aguarda o sol
Onde o destino tece em linhas invisíveis a imagem de nossa respiração
E onde a certeza já não reside,nos limites da fé,o sopro da palavra que não foi dita aguarda ...
É ali,no intervalo do não ,onde te espero, ainda
enquanto desenhas tua existência com teus melhores pinceis....
Mas são infinitamente mais belas as cores que escondes,na incerteza dos teus passos...
Não vês que caminhas a esmo,que a direção não importa?
Real,somente o vento que insiste em soprar e o laço invisível , na penumbra do Se,
percorrendo distâncias longínquas...
É ali,na curva do tempo em que estamos os dois,frente a frente,mãos dadas...

domingo, 9 de fevereiro de 2014

Conviver

Conviver talvez seja a mais difícil das artes.
Pois relacionar-se significa admitir o outro, descer do pedestal construído por nós mesmos
e deixar que entrem no nosso espaço.Significa submeter-se a análise alheia e , quem sabe ,à critica.Significa arriscar. Correm-se riscos todos os dias.Arriscamos palpites , novos projetos , dinheiro...
Difícil mesmo é arriscar falar a verdade.É arriscar-se perante o outro.
Porque na verdade nos fragilizamos, estamos inteiros, nus.Porque a verdade nos coloca como simples mortais, suscetíveis ao fracasso ou ao sucesso.
E que inquietante é a dúvida, o “se”.Há quem use a dúvida como instrumento de aprisionamento e na duvida não permitimos que o outro nos conheça plenamente.Sem conhecer a verdade , tudo é possível, de melhor e pior e o não ainda é só uma hipótese.Difícil é ouvir a verdade, mais ainda falar.
Mas a verdade liberta.Porque retira nossas máscaras.Porque mostra os fatos como eles são.
Arriscar uma paixão, uma palavra, um gesto ,é arriscar rejeição.Por isso tantos amores platônicos.
Muito mais fácil permanecer na contemplação , e então deixar que o outro pense o que quiser de nós.Por meio de omissões ou meias verdades, podemos dar a entender uma infinidade de coisas , por isso é tão importante a comunicação não verbal.
Através dela, com um pouco de sensibilidade , pode-se tentar decifrar um pouco do outro , esse desconhecido, e buscar um entendimento.
Há quem jamais ouse atravessar a fronteira entre a duvida e a verdade e prefira o nada , a arriscar o fracasso.
Mas somente a verdade é capaz de transformar o “se” em algo concreto.E somente dessa forma é possível ser livre.
Somente quando conseguimos romper essa barreira do medo, nos tornamos humanos e permitimos ao outro nos conhecer e ,quem sabe, nos amar.Não só o amor romântico, mas o amor como um todo, sendo este tão abrangente e por assim mesmo, livre.
Fala-se muito de paixão , mas o amor é o único que não aprisiona o objeto amado.Porque o amor ama o outro, não a imagem construída dele.Porque o amor permite, aceita ,compreende o outro na sua totalidade.Porque o amor não precisa de fatos, pois é feito de certezas.A paixão aprisiona e fragiliza.O amor liberta.A paixão não espera , o amor sim.
A paixão acaba, o amor se transforma, sem deixar de ser ele mesmo.A paixão mitifica.O amor desconstrói.A paixão é estúpida,o amor é racional.
Somente quando nos for possível entender nossas relações importantes como relações de amor, será possível buscar soluções racionais para o eterno problema do conviver.
Somente quando aceitarmos o amor , não como um contrato indissolúvel , mas como uma característica humana, involuntário e , principalmente, plural, será possível que finalmente nos façamos entender pelo outro e vice-versa.
Entender a química da atração , do sexo e da complexidade humana e não achar que o amor é capaz de transformar o outro em escravo, fazendo –o cativo de seus desejos.Entender a infinitude das relações, sem que aja necessidade de compromissos formais, de estabelecer regras, para a legitimação do amor.
E , principalmente entender o quão necessário é arriscar-se, porque só na desconstrução de si mesmo para o outro é possível entender-se e evoluir, dentro da condição humana.
texto publicado originalmente no blog Vida Carioca-2006.

quarta-feira, 1 de janeiro de 2014

2014

por um 2014... com menos"eu sei" e mais "me ensina" com menos "eu vou" e mais "vamos juntos"? com menos"eu nao quero" e mais "vamos ver no que dá?" com menos "é complicado" e mais " é diferente" com menos certezas e mais dúvidas com menos "codinome beija-flor" e mais "todo amor que houver nessa vida" com mais encontros e menos desencontros com menos "voce nao serve" e mais " queremos voce aqui" com menos "nao consigo" e mais "vou tentar" com menos "ele/ela nao combina comigo" e mais "adoro nossas diferenças" com menos " antipatias" e mais " amores à primeira vista" com menos perfeccionismo e mais encantamento com menos razao e mais afeto com menos "observar " e mais "tomar parte" com menos "nunca mais" e mais "todos os dias" com menos portas fechadas e mais janelas abertas com menos "tenho medo,nao vou " e mais " vou assim mesmo" com menos "nao gosto disso " e mais " quero conhecer isso" com menos palavras inuteis e mais acoes necessarias com menos lagrimas e e mais sorrisos com menos intolerância e mais compreensão com menos resmungos e mais suspiros com menos silencios e mais musicas com menos filas e mais cirandas com menos discursos e mais poesia com menos odio e mais perdão com menos punhos fechados e mais maos dadas com menos mascaras e mentiras e mais pessoas que sao de verdade

segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

Nós

vai meu amor,que já é hora.
e o trem aponta na estação.
Nos trilhos escorrem os minutos na tarefa de te levar pra longe
dia após dia no exercício diário de existir.
Bem sabemos que as horas são sempre mais rápidas aqui dentro do que lá fora
nem bem começamos a abrir a janela e já o alarme soa,inclemente
nos obrigando a caminhar
Aqui dentro,nosso sofá,nossas paisagens,as mãos dadas e a certeza de ser dois.
Aqui dentro,nossos pequenos momentos,nossas eternidades divididas em infinitos abraços,corpos e mentes que compartilham,
somam-se,dividem tempo e espaço.Não nos importa como nem onde:somos.
Que importa o que reside lá fora?Com você,já reservo meu quinhão de felicidade,felicidade que não é de fogos de
artifício,mas de existir,cotidianamente,lado a lado no travesseiro.
Lembra que o sonho se constroi de tijolos,que pomos um a um,há treze anos,desde que enlaçamos uma vida na outra.
Do lado de fora fica o mundo. Aqui dentro sempre estaremos nós.

sábado, 1 de junho de 2013

Sobre o trem na estação


Trilha sonora: Diga lá meu coração-Gonzaguinha

Lá fora soa o apito do trem na estação.
Como de súbito, corta todas as pequenas certezas da manhã
e invade o peito dos que conseguem ouvi-lo.
Em algum lugar, a mulher realiza seu rude trabalho, mãos ocupadas, olhos inquietos.
O peito pesa, mas os braços não param.
É preciso, afinal de contas, produzir.
Sentado em sua sala, no prédio mais alto, o banqueiro conta notas, absorto.
Ele também não ouve o apito e prossegue na estúpida faina de acumular a existência.
É preciso afinal de contas, garantir.
Em outro ponto da cidade, a assistente social, fechada em seu escritório, conta estatísticas.
De há muito ela não ouve, ou finge não ouvir, o apito do trem.
Havia o impulso, desde sempre, de construir alicerces cada vez mais fortes
e no tempo de cada tijolo ficaram para trás seus sonhos de juventude.
É preciso afinal de contas, proteger-se.
Mais afastados, os dois namorados ouvem juntos o apito do trem.
Mãos dadas, olhos em lágrimas, eles sabem que só é possível ir um de cada vez.
Malas nas mãos, ele olha uma última vez para trás,
beija-a de leve e caminha devagar para a estação.
Ela sabe que, mais cedo ou mais tarde, também embarcará nesse vagão.
É preciso, afinal de contas, esperar o tempo certo de saltar.
Na estação de trem, a velha senhora, ex-faxineira do lugar, desce calmamente do vagão.
Ela já ouvira em tempos anteriores, o mesmo apito que hoje soa na cidade.
Corajosamente, tomara da bolsa, beijara os queridos e partira dali.
Hoje, ocasionalmente, embarca no mesmo trem para, vez ou outra,
trazer uma fatia de bolo e comentar os últimos acontecimentos.
Chama-se Graça e entre os passantes, não há quem não a conheça.
Silenciosamente, o velho solteirão, continua seu lento trabalho.
Ele ouve o apito e, calmamente, abre sua agenda, risca mais um dia
que o separa para sua aposentadoria toma um gole de leite frio
e prossegue na produção.
É preciso, afinal de contas, repetir.
Na cabine do maquinista, as mãos sujas de carvão, o funcionário da ferrovia,
soa pela última vez o apito.
Dá uma olhada em volta, confere se ainda há mais alguém e se prepara para partir.
Nesse momento, no fim da estrada, vem correndo uma moça, sobraçando pacotes.
Os cabelos soltos, despenteada, roupas amassadas,
ela se aproxima correndo do vagão do trem.
Em um último suspiro, antes de subir, olha para trás.
A assistente social, o banqueiro, o velho e muito outros, acenam para ela.
Ela sorri e registra, carinhosamente, cada rosto, um a um.
Sopra um beijo, respira fundo e sobe corajosamente no vagão.
Para trás ficaram as horas, no cansaço da espera do trem.
No coração, vão seguir com ela, todos aqueles que permaneceram ali.
Ela sempre soube no fundo, que esse dia iria chegar.
O apito soa, o vagão sacode, o maquinista coloca o chapéu.
O bilheteiro, indiferente, recolhe o dinheiro e entrega as passagens a cada um.
A moça paga, se aproxima da janela, sente o vento frio bater no rosto.
O trem se move, vai aos poucos saindo da estação.
Logo à frente, há uma curva na estrada, não é possível saber onde vai dar.
A moça sorri, aguarda em silêncio e respira fundo.
Ela sabe que afinal de contas, é preciso,mais do que nunca,prosseguir

quinta-feira, 18 de abril de 2013

ainda o imponderável


Hoje o coração ficou pequeno
De súbito, todos os anos, palavras e sentimentos
voltaram à tona, por sobre a tampa de dor.
Vieram assim, risos e silêncios, numa proximidade única.
Os momentos de sol, as tardes cinzentas.
no compartilhar do sentido, na certeza de ser dois.
Sem querer, o pensamento vaga até o momento da separação.
E indaga, por mais que não queria, por quê?
Se havia tudo, se éramos tanto, por que o “não”?
Por que a mágoa e a raiva, onde antes a comunicação se fazia eterna?
Implacáveis, a dor e o silêncio pairando por sobre a poeira nas fotos,
que antes abrigava os contornos de ser cúmplice, de ser irmão?
Seguimos caminhos distintos e de onde posso ver, até somos felizes.
Mas quando volto minha cabeça, ainda enxergo
palavras que me consolam,
palavras que me preenchem,
Compreensão de pertencer a dois mundos
e saber o espaço exato do outro,
no exercício de dialogar
Acima de toda a magia, ficou o medo.
Acima de todo o amor, ficou a dúvida.
Acima de todo diálogo, ficou a raiva por não poder ser mais.
E éramos tanto.
Ficou a certeza de que muito antes de todo o silêncio,
Houve um primeiro momento em que a raiva falou mais alto, onde as palavras se fizeram ásperas
e o que era comum, virou estranhamento e desconfiança.
medo.
A partir dai, acabou-se o encanto de um afeto único,
a certeza do espelho ao alcance das mãos.
Onde estávamos quando quebramos nosso reflexo,
na raiva de sabermo-nos únicas, sozinhas,
perdidas em nossos pecados e nossas limitações?
Éramos tão fortes,
por que cedemos aos mesquinhos apelos da dúvida,
por que nos vimos como desapartadas do eu,
por que ignoramos o essencial, para além das palavras?
Queimamos nossas cartas,
preenchemos de "novos" nossas existências individuais.
E, na maior parte do tempo, nos sentimos demasiadamente mais leves.
Não poderia mesmo ser tarefa fácil,levar parte de si no outro,assim,ao descontrole.
Mas resta, por mais não queiramos, uma laço invisível no âmago do senão,
que não convida ao retorno, mas aponta para uma coexistência na distância.
Se não permanece com o mesmo estar próximo,
ao menos entende a infinitude do existir,
na curva do tempo,
onde reside o imponderável.

quinta-feira, 14 de março de 2013

Pais e filhos



Filhos são espelhos em que algum momento
não temos coragem de olhar.
são caminhos em direção ao mais visceral de nós mesmos,
nossa imensa capacidade de amar,
aliada a infinita estupidez de nos pensarmos eternos.
Somos frágeis em nossa certeza
de que haverá mais um dia
para que possamos dizer
todas as palavras que saíram mal ajambradas,
amarrotadas pela pressa do cotidiano.
Não há mais tempo.
Tudo sempre está sendo
e a cada momento ficamos mais longe
de todos os planos que fazemos
quando a ideia de ser pai de alguém começa a ser formulada em nossa cabeça.
já no primeiro minuto de existência, há muito mais amor do que sabedoria
e nossas mãos são sempre grandes demais,
nosso peito demasiadamente pesado
para tocar um ser tão delicado.
Ainda quando são hipóteses,o simples mover de um músculo,
protegido pela barriga
Já nos toma de um tal encantamento que paralisa qualquer capacidade de raciocínio.
Não há como fugir,eles estão ali,conectados a nós,
informando-nos que cessou de imediato nossa egocêntrica existência.
A partir de agora,somos duas partes,
uma com o compromisso de cuidar
e a outra,de crescer e ser alguém diferente,assim dizemos.
Mas é ao passo que nascem e lhes olhamos o rosto,
Que magia profunda é essa
que os constitui assim tão próximos,
como um reflexo onde se projetam nossos melhores ângulos.
Já é a curva da sobrancelha, ou a ponta do nariz,
sombreando detalhes que risonhamente encontramos.
São enfim, a melhor parte de nós mesmos
e é com orgulho que lhes apresentamos aos demais.
É a cara do pai, dirão alguns.
Parece mais com a mãe, concordarão outros.
O fato é que aquele ser de pele macia e mãos pequenas
ainda nesse tempo o ama incondicionalmente
porque faz parte de você.
O tempo e os pequenos passos iniciarão a necessária caminhada
em busca de si mesmo
e a cada momento pensaremos no instante em que nos dirão adeus.
Mas há tanto afeto e tanta confiança que parece tolo ater-se a isso.
Os dias passam como uma constante montanha russa
onde se passa da emoção mais profunda ao cansaço mais absoluto
e um sentimento de urgência nas necessidades a atender.
Começamos enfim a mostrar-lhes o mundo e um pouco de nós mesmos
e é comovente como acreditam em nossas palavras,
por mais loucas possam ser.
E quanto a nós, não há nada que nos faça mais feliz
do que o cheiro calmo de seus pijamas
de malha e a sensação plena de pô-los finalmente na cama
após um dia de brincadeiras
e observa-los dormir.
A vida parece aos poucos encaixar-se no relógio
e guardamos para nós as inseguranças que tínhamos antes.
Fazemo-nos fortes para que confiem em nós
e tudo parece caminhar bem.
Mas é ali,bem próximo, que o tempo principia a acelerar
e nos surpreende
com pés e pernas que se espicham e as primeiras espinhas
e um estado permanente de inadequação.
Ainda tentamos parecer confiantes
mas não temos ideia de onde tal metamorfose vai levar.
A única coisa que sabemos é que sim,doi um bocado
e demora a passar.
Tentamos todas as estratégias de antes:histórias ao pé da cama,
leite morno antes de dormir,brigadeiro de panela,
cosquinhas na barriga
e até a mais completa e hipócrita indiferença.
Afinal,somos adultos e é preciso trabalhar.
Nossos projetos,tantas vezes adiados,
precisam ser postos em prática
e não é possível que esse menino
não possa deixar-me em paz
ao menos um dia.
E assim,ao exato momento de pronunciar essas palavras,
são ouvidas de forma definitiva,
como tudo nessa fase da vida.
Principiam a desconfiar.
Fazem-se calados,muito quietos,
procuram outros colos e outras diversões.
E de súbito,quando voltamos nossos rostos por um momento para longe do trabalho,
em um segundo o silêncio é pesado e total
Fecharam a porta para seu mundo interior
e ficamos de fora de suas vidas.
Ás vezes,aparecem de longe,nos dão breve boletim
e retornam para seus afazeres.
Permanecemos parados,ainda esperando
que possam tornar a ser o que eram.
A distância nos faz enxergar-lhes como um espelho
onde nossos defeitos se refletem incessantemente.
Onde plantamos ausências,colhemos silêncio.
Onde deixamos raiva,colhemos mágoa
E onde nossas mãos não chegaram,
feias cicatrizes podem de súbito aparecer.
É preciso sempre estar atento a tudo o que fazem,
vendo-os a cada dia crescer com um aperto no peito
e com uma igualmente enorme felicidade,de senti-los experimentar as asas
e cair nas primeiras tentativas.
Proibí-los até onde pudermos
de se jogarem pela primeira janela,
mesmo sabendo que existirão aquelas
de onde se precipitarão sem nosso consentimento.
Haverá um dia,em que, no caminho diário
que traçaram para si mesmos,
Voltarão seus olhos pra trás e nos sorrirão brevemente.
De onde estamos,os olhos molhados como convém serem
os olhos de todos os pais,
acenaremos,dando-lhes a certeza de que estaremos sempre ali.
Arnaldo Antunes e Brás Moreau Antunes - "OLHA PRA MIM"

domingo, 10 de março de 2013

canção para menina ao longe

...por hora ficaremos assim... tu e eu no mais completo silêncio.
Enquanto tu abres a janela, eu espero em vigília que volte seu rosto só um pouco mais pra cá.
Sobre a mesa, recortes de vida, recordações de um tempo que passou.
Quando andávamos juntas, mãos dadas, sorriso no rosto.
Era o tempo dos porquês e teus braços se erguiam continuamente em direção aos meus
e o mundo era pequeno para todas as cores que eu queria te mostrar.
Era como se a ti reservasse a melhor parte de mim, todos os meus sonhos e fantasias
E aos poucos os erguesse um a um diante dos seus olhos.
Juntas construímos castelos e caminhos os mais belos.
Trememos ao mesmo tempo ante bruxos e dragões
De mãos dadas acompanhamos a trajetória de dezenas de heróis.
E quando tudo parecia não ter remédio, era sempre hora da pausa para a pipoca,
entre travesseiros e edredons.
Quisera poder ainda hoje curar todas as dores com um toque de chocolate e duas gotas de brigadeiro.
Quisera que ainda buscasse meu colo como um porto seguro,
mas são outras tuas urgências e eu tenho apenas duas mãos.
Vejo com alegria cada dia do teu crescimento e me orgulho tanto de seres o que és,
Mas percebo que a vida te afasta a cada dia mais de perto de mim.
Não há o que lamentar .
É do tempo e das engrenagens do mundo que te faças cada vez mais sua e menos minha,
enquanto passam as horas e os dias de tua existência.
E enquanto buscas a ti mesma, como é o fato de cada um de nós,
me deixo estar por aqui, aguardando que em dado momento da estrada,
voltes teu rosto somente um pouco para trás.
E então, desprovidos já de toda a raiva que a juventude te deu,
teus olhos possam enxergar novamente
um pouco de mim em cada ato seu
e enfim possa esboçar um breve sorriso,
enquanto caminhas em direção ao sol.

sábado, 9 de março de 2013

Into the pub


Na calçada vazia o porteiro ergue as correntes do chão, dividindo espaços público e privado, afinal de contas é preciso proteger o capital. As garçonetes, sonolentas, vão chegando uma a uma e passando pela entrada, sem notar a reluzente placa que identifica o lugar. Vão chegando os primeiros clientes e se deparam com paredes envelhecidas, madeira que se estende pelo teto, dividindo espaço com artefatos antigos que hoje têm o pomposo nome de “retrô”. No canto, algumas capas de discos registram que Elvis, o Rei, ainda não morreu e nas colunas que sustentam o estabelecimento, há moças e rapazes sambando em tinta, erguidos em quadros coloridos que dividem espaço com bandeiras e brasões. Não há dúvida de que se esta num pub, dos que guardam a atmosfera caótica das sextas-feiras e cuja cartela de etílicos sustenta nomes dos mais diversos países. No fundo, absoluta, está ela, a Juke Box, rolando um dance 90´s despretensioso. Nas mesas altas e redondas as bolsas se acumulam e os cotovelos dividem espaço com os primeiros copos. O salão ainda está vazio, mas as garçonetes já se movimentam, serelepes, cada qual com sua blusa colorida e um jeito descolado de estar em casa. É hora do brinde e os drinks coloridos chegam inúmeros e enormes, esculturas de gelo, álcool e frutas, erguidos em saudação ao início do fim de semana. Lá fora, a fila começa e é com alegria que cada grupo chega. Em poucos minutos as mesas começam a ser ocupadas por grupos diversos, casais, amigos de faculdade, trabalhadores e meninas, muitas meninas, soltos os cabelos e o riso sob os sapatos dos mais variados tipos.Vê-se gente de todas as formas se espalhando no salão e abraçando os amigos, como uma festa combinada, sem motivo aparente, como se o simples fato de ser sexta-feira e estarem juntos fosse motivo para uma sensação irresponsável e deliciosa de estar vivo e dançar . Em algum momento, o salão vai estar lotado e as câmeras e celulares vão espocar em flashes de cada detalhe: o balcão de madeira, as luminárias de baldes de cerveja, o presente que se ganhou. E cada um que chega se espreme entre as mesas para encontrar seu grupo e fazer parte da festa, mesmo que seja em pé. Os copos já se acumulam nas mesas, junto com as cestas de batatas-fritas e as garçonetes correm, frenéticas, levando e trazendo cardápios, se esgueirando pelas mesas e passando por debaixo dos balcões, suas blusas como manchas coloridas que se deslocam com velocidade pelo pub mal iluminado. Em cada rosto há um ar de festa e as fotos agora são uma constante, ritmadas pela batida da musica que toca constantemente da juke Box, até o momento da chegada do DJ. Ele adentra o espaço discretamente e se coloca ao lado do som, aguardando pacientemente o final da música para começar seu set. A seu comando, as conversas se tornam mais esparsas e vozes e braços se erguem no ritmo da música. Nada combinado. É somente o fato de estarem ali, compartilhando a experiência que faz a todos felizes, cantando músicas novas e antigas, sob a luz esparsa do lugar. Os minutos correm e já não há pressa, afinal o fim de semana se instalou sorrateiramente por entre as mesas e a única preocupação é encontrar as coloridas garçonetes e pedir mais um drink. A sexta-feira, inevitavelmente, merece ser comemorada,em prosa,verso e álcool.