quinta-feira, 14 de março de 2013

Pais e filhos



Filhos são espelhos em que algum momento
não temos coragem de olhar.
são caminhos em direção ao mais visceral de nós mesmos,
nossa imensa capacidade de amar,
aliada a infinita estupidez de nos pensarmos eternos.
Somos frágeis em nossa certeza
de que haverá mais um dia
para que possamos dizer
todas as palavras que saíram mal ajambradas,
amarrotadas pela pressa do cotidiano.
Não há mais tempo.
Tudo sempre está sendo
e a cada momento ficamos mais longe
de todos os planos que fazemos
quando a ideia de ser pai de alguém começa a ser formulada em nossa cabeça.
já no primeiro minuto de existência, há muito mais amor do que sabedoria
e nossas mãos são sempre grandes demais,
nosso peito demasiadamente pesado
para tocar um ser tão delicado.
Ainda quando são hipóteses,o simples mover de um músculo,
protegido pela barriga
Já nos toma de um tal encantamento que paralisa qualquer capacidade de raciocínio.
Não há como fugir,eles estão ali,conectados a nós,
informando-nos que cessou de imediato nossa egocêntrica existência.
A partir de agora,somos duas partes,
uma com o compromisso de cuidar
e a outra,de crescer e ser alguém diferente,assim dizemos.
Mas é ao passo que nascem e lhes olhamos o rosto,
Que magia profunda é essa
que os constitui assim tão próximos,
como um reflexo onde se projetam nossos melhores ângulos.
Já é a curva da sobrancelha, ou a ponta do nariz,
sombreando detalhes que risonhamente encontramos.
São enfim, a melhor parte de nós mesmos
e é com orgulho que lhes apresentamos aos demais.
É a cara do pai, dirão alguns.
Parece mais com a mãe, concordarão outros.
O fato é que aquele ser de pele macia e mãos pequenas
ainda nesse tempo o ama incondicionalmente
porque faz parte de você.
O tempo e os pequenos passos iniciarão a necessária caminhada
em busca de si mesmo
e a cada momento pensaremos no instante em que nos dirão adeus.
Mas há tanto afeto e tanta confiança que parece tolo ater-se a isso.
Os dias passam como uma constante montanha russa
onde se passa da emoção mais profunda ao cansaço mais absoluto
e um sentimento de urgência nas necessidades a atender.
Começamos enfim a mostrar-lhes o mundo e um pouco de nós mesmos
e é comovente como acreditam em nossas palavras,
por mais loucas possam ser.
E quanto a nós, não há nada que nos faça mais feliz
do que o cheiro calmo de seus pijamas
de malha e a sensação plena de pô-los finalmente na cama
após um dia de brincadeiras
e observa-los dormir.
A vida parece aos poucos encaixar-se no relógio
e guardamos para nós as inseguranças que tínhamos antes.
Fazemo-nos fortes para que confiem em nós
e tudo parece caminhar bem.
Mas é ali,bem próximo, que o tempo principia a acelerar
e nos surpreende
com pés e pernas que se espicham e as primeiras espinhas
e um estado permanente de inadequação.
Ainda tentamos parecer confiantes
mas não temos ideia de onde tal metamorfose vai levar.
A única coisa que sabemos é que sim,doi um bocado
e demora a passar.
Tentamos todas as estratégias de antes:histórias ao pé da cama,
leite morno antes de dormir,brigadeiro de panela,
cosquinhas na barriga
e até a mais completa e hipócrita indiferença.
Afinal,somos adultos e é preciso trabalhar.
Nossos projetos,tantas vezes adiados,
precisam ser postos em prática
e não é possível que esse menino
não possa deixar-me em paz
ao menos um dia.
E assim,ao exato momento de pronunciar essas palavras,
são ouvidas de forma definitiva,
como tudo nessa fase da vida.
Principiam a desconfiar.
Fazem-se calados,muito quietos,
procuram outros colos e outras diversões.
E de súbito,quando voltamos nossos rostos por um momento para longe do trabalho,
em um segundo o silêncio é pesado e total
Fecharam a porta para seu mundo interior
e ficamos de fora de suas vidas.
Ás vezes,aparecem de longe,nos dão breve boletim
e retornam para seus afazeres.
Permanecemos parados,ainda esperando
que possam tornar a ser o que eram.
A distância nos faz enxergar-lhes como um espelho
onde nossos defeitos se refletem incessantemente.
Onde plantamos ausências,colhemos silêncio.
Onde deixamos raiva,colhemos mágoa
E onde nossas mãos não chegaram,
feias cicatrizes podem de súbito aparecer.
É preciso sempre estar atento a tudo o que fazem,
vendo-os a cada dia crescer com um aperto no peito
e com uma igualmente enorme felicidade,de senti-los experimentar as asas
e cair nas primeiras tentativas.
Proibí-los até onde pudermos
de se jogarem pela primeira janela,
mesmo sabendo que existirão aquelas
de onde se precipitarão sem nosso consentimento.
Haverá um dia,em que, no caminho diário
que traçaram para si mesmos,
Voltarão seus olhos pra trás e nos sorrirão brevemente.
De onde estamos,os olhos molhados como convém serem
os olhos de todos os pais,
acenaremos,dando-lhes a certeza de que estaremos sempre ali.
Arnaldo Antunes e Brás Moreau Antunes - "OLHA PRA MIM"

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