quinta-feira, 23 de outubro de 2014

Mas de que lado você samba?

Já tive medo também....
já acreditei que a segurança pública podia separar o lado bom do ruim, manter em pé os muros que garantiriam minha paz de espírito e a
tranquilidade da minha família e dos que são próximos a mim..Mas foi quando me vi na mira de uma arma, percebi que quem a empunhava era eu mesma..Era meu
medo,classe média e ingênuo,que achava justa a política de contenção, vigilante e punitiva, que determinava as culpabilidades e o lado que cada um podia ocupar no cenário social...Era minha ideia de mudar o mundo através de uma revolução moderna que limitava a possibilidade transformadora , ao delegar ao Estado a tarefa de
reformar a vida das pessoas,enquanto o cidadão seguia bem, fascista e individual,obrigado.
Foi quando me dei conta, há exatos oito anos, de que a verdadeira transformação não estava em um discurso politico, devia residir dentro de mim.
De que adiantava “tomar o poder”, fazer a revolução, se o ser humano continuaria controlado pelas estruturas estruturantes, sem autonomia para decidir o que fazer da sua própria liberdade?
Era preciso ir além e construir caminhos a partir dos quais fosse possível compreender o social como composto de pessoas, todas elas responsáveis pelos direitos e garantias fundamentais uns dos outros.
A cidadania então tornou-se para mim bem inalienável....
Tudo ficou muito difícil a partir daí.Não era mais possível engolir soluções prontas ou pagar a conta de minha própria representação social com meus impostos e crer que o governo que eu mesma havia escolhido faria todo o serviço sujo por mim.Eu também era parte daquilo.
Em cada arma, em cada morte, em cada cela onde se acumulavam corpos,eu também estava ali..
A consciência de ser parte do sofrimento alheio eu já trazia de berço,mas a maturidade faz a dor do outro marcar na própria carne e nos faz perder o sono,quando podemos pensar tudo que podemos fazer para minorar a injustiça e a desigualdade social e não fazemos.
Pior do que isso:nos arvoramos em juízes da vida alheia,determinando quem pode ou não viver e achamos justa a pena impingida ao outro,sem termos ideia do que se passa em seu cotidiano..
Somos atrozes em levantar bandeiras políticas e religiosas para diminuir nossa culpa,pondo na boca de teóricos e doutrinas as ações que nós mesmos escolhemos como certas..
Esquecemos que somos todos feitos das mesmas partes, independente de nossas escolhas. Mas a mesma lógica que nos desumaniza, pode trazer-nos de volta, se tentarmos olhar para o outro como um espelho do que somos e procurarmos caminhos em que exista um só componente: respeito.
Assim fiz e tento fazer todos os dias, embora a vergonha de ver pessoas desejando a morte e a infelicidade de seus iguais por medo ou fundamentalismo religioso/politico ainda me faça tremer de raiva diariamente.
Como é possível não nos responsabilizarmos, como é possível fechar os olhos para o fato de que todos têm direito a cidadania e não somente os que têm mais sorte, “inteligência” ou mais dinheiro?
Como é possível compreender a economia como uma questão de poucos e não um componente fundamental da vida, porque baseada no elemento que nos torna humanos, a comunicação?
Como é possível ainda acreditar em uma visão política que vê somente no voto a saída para a crise mundial, como se a participação política não fosse dever diário de todos?
Como é possível ainda não compreender o radical “comum” como algo que visa o bem de todos, não porque se trata de uma doutrina política, mas de uma forma irremediável de sermos humanos, posto que deva se apoiar no respeito ao outro e assim a si mesmo?
Ainda não tenho respostas para nenhuma dessas perguntas... Não acredito mais que discursos mudem o mundo.
Aqui, de onde estou, mudo todos os dias o que é possível mudar com o que tenho em mãos:a mim mesma.
Se, por um lado, afasto-me de todo discurso do ódio, pela necessidade de preservar minha saúde mental, por outro, ainda acredito,ingenuamente talvez,que há meios de fazer com que a consciência de si como parte de um”nós” possa em alguma medida transformar as pessoas.
É preciso sensibilizá-las para este fato, fazê-las mergulhar no essencialmente humano, onde o mal não é o outro, está aqui dentro,do lado de todas as nossas boas intenções..
A verdadeira revolução ocorrerá somente quando todos conseguirmos sentir a dor do outro em toda sua intensidade e nos fizermos parte de sua causa e de sua solução..É um caminho deveras doloroso e angustiante,mas não há atalhos.
É preciso caminhar e exercer todos os dias a tarefa inglória,mas definitivamente libertadora de julgar e reformar a si mesmo.

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