quarta-feira, 11 de junho de 2014

Da Iara


Trilha sonora:Iara,de Maria Bethânia

Lancei minha alma no rio, onde meus sonhos se tornaram um ser, feito de palavras ,sons e silêncio . Enquanto sentia o frio das águas tocar minha pele, ouvia ao longe as vozes dos que condenavam minha decisão:
“-não há de ser nada, diziam eles. não há de ser nada. é apenas ilusão, feita de sombras e vento e logo passará. segue teu caminho.”
Mas eu,que não sabia,estava distraída enquanto voltei minha cabeça e ouvi o som doloroso, definitivo, que numa só palavra determinou meu destino e a voz que inexplicavelmente dizia meu nome.
E foi o que bastou. De repente toda minha existência terminara e se refazia e em um sopro de vida me tornava cega e surda à qualquer som que não fosse aquele. Ao redor, todo universo conspirava , em espera.
E todos aqueles que não podiam ver, insistiam em dizer que não era nada, que eu seguisse meu caminho,que eu me perderia e morreria ao mergulhar ali, mas a voz que insistia, avançava peito adentro, e seu encantamento era tal que meus passos só encontravam direção no seu caminho e minhas mãos já não conseguiam abarcar a imensidão do que sentia.
Era como se, pela primeira vez, encontrasse um som que entrasse em súbita sintonia com meu interior,que falava em silêncio e me dizia coisas sobre mim e sobre o mundo que eu jamais ouvira antes.
Quis fechar meus ouvidos e meu corpo quando me dei conta do tamanho da descoberta, mas meus véus caíram todos aos meus pés.
Estava nua,frágil,exposta.E diante de mim,o infinito daquele encontro.
De que adiantava fugir, se o encanto me acompanhava a cada momento e toda minha existência parecia se resumir àquele momento único,de uma delicadeza absoluta,não havendo outra alternativa senão a entrega?Respirei fundo.
Ao canto do rio deixei minhas defesas e mergulhei no rio. Era uma tarde de maio.
Fez-se um silêncio profundo, enquanto eu respirava cada segundo daquele encontro e minha pele se desfazia em nuvem e sonhos.
Sobre todas as coisas uma certeza, de que aquele tempo,durasse o quanto durasse,seria eterno para mim.
Súbito estendi as mãos para tocar a face que se afigurava diante de meu rosto e tudo sumiu,desapareceu por completo e na escuridão me vi,instantaneamente só.
Uma dor absurda me consumia inteira e as águas do rio fizeram-se geladas e inertes. Eu não podia mais respirar.
Nadei até a margem do rio,emergi e foi como se deixasse parte de mim sob o leito das águas.
Respirei,sequei-me,prossegui meu caminho,dolorosamente,sem saber que essa dor me acompanharia todos os meus dias.
Na curva da estrada, anos depois,voltei meus olhos ao rio e então compreendi:tinha deixado sob as águas minha alma, a parte mais profunda do meu ser e o que emergira dali era apenas a carne e os ossos,que prosseguiam a marcha de todos os dias.
Mas dentro de mim, a voz do encantamento,ah,essa me acompanharia vida afora em cada segundo em que fechasse os olhos e me deixasse levar pelo intangível e inexplicável silêncio.

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