sábado, 1 de junho de 2013

Sobre o trem na estação


Trilha sonora: Diga lá meu coração-Gonzaguinha

Lá fora soa o apito do trem na estação.
Como de súbito, corta todas as pequenas certezas da manhã
e invade o peito dos que conseguem ouvi-lo.
Em algum lugar, a mulher realiza seu rude trabalho, mãos ocupadas, olhos inquietos.
O peito pesa, mas os braços não param.
É preciso, afinal de contas, produzir.
Sentado em sua sala, no prédio mais alto, o banqueiro conta notas, absorto.
Ele também não ouve o apito e prossegue na estúpida faina de acumular a existência.
É preciso afinal de contas, garantir.
Em outro ponto da cidade, a assistente social, fechada em seu escritório, conta estatísticas.
De há muito ela não ouve, ou finge não ouvir, o apito do trem.
Havia o impulso, desde sempre, de construir alicerces cada vez mais fortes
e no tempo de cada tijolo ficaram para trás seus sonhos de juventude.
É preciso afinal de contas, proteger-se.
Mais afastados, os dois namorados ouvem juntos o apito do trem.
Mãos dadas, olhos em lágrimas, eles sabem que só é possível ir um de cada vez.
Malas nas mãos, ele olha uma última vez para trás,
beija-a de leve e caminha devagar para a estação.
Ela sabe que, mais cedo ou mais tarde, também embarcará nesse vagão.
É preciso, afinal de contas, esperar o tempo certo de saltar.
Na estação de trem, a velha senhora, ex-faxineira do lugar, desce calmamente do vagão.
Ela já ouvira em tempos anteriores, o mesmo apito que hoje soa na cidade.
Corajosamente, tomara da bolsa, beijara os queridos e partira dali.
Hoje, ocasionalmente, embarca no mesmo trem para, vez ou outra,
trazer uma fatia de bolo e comentar os últimos acontecimentos.
Chama-se Graça e entre os passantes, não há quem não a conheça.
Silenciosamente, o velho solteirão, continua seu lento trabalho.
Ele ouve o apito e, calmamente, abre sua agenda, risca mais um dia
que o separa para sua aposentadoria toma um gole de leite frio
e prossegue na produção.
É preciso, afinal de contas, repetir.
Na cabine do maquinista, as mãos sujas de carvão, o funcionário da ferrovia,
soa pela última vez o apito.
Dá uma olhada em volta, confere se ainda há mais alguém e se prepara para partir.
Nesse momento, no fim da estrada, vem correndo uma moça, sobraçando pacotes.
Os cabelos soltos, despenteada, roupas amassadas,
ela se aproxima correndo do vagão do trem.
Em um último suspiro, antes de subir, olha para trás.
A assistente social, o banqueiro, o velho e muito outros, acenam para ela.
Ela sorri e registra, carinhosamente, cada rosto, um a um.
Sopra um beijo, respira fundo e sobe corajosamente no vagão.
Para trás ficaram as horas, no cansaço da espera do trem.
No coração, vão seguir com ela, todos aqueles que permaneceram ali.
Ela sempre soube no fundo, que esse dia iria chegar.
O apito soa, o vagão sacode, o maquinista coloca o chapéu.
O bilheteiro, indiferente, recolhe o dinheiro e entrega as passagens a cada um.
A moça paga, se aproxima da janela, sente o vento frio bater no rosto.
O trem se move, vai aos poucos saindo da estação.
Logo à frente, há uma curva na estrada, não é possível saber onde vai dar.
A moça sorri, aguarda em silêncio e respira fundo.
Ela sabe que afinal de contas, é preciso,mais do que nunca,prosseguir

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