quinta-feira, 19 de março de 2015

Inesquecível

Inesquecível Na ruptura do tempo as horas escolhem a vida Os caminhos levam ao não E o medo constroi os muros Para onde direcionamos nossos olhares na ânsia de voar. Há tanto a dizer, mas a música toma o espaço E constroi os diálogos Na cadencia da leveza que o momento exige A única saída é se deixar levar. Elas não buscam fugir ao encontro Caminham até o meio do salão São mulheres ou são meninas Na busca incessante de si? E no segundo em que os corpos dançam E as mentes voam O súbito dialogar do sentido Constroi uma ponte entre cada uma delas Mãos dadas, cabelos que voam, Olhos fechados para enxergar o real. Elas vivenciam mais do que apenas um momento entre o Sim e o não Compartilham o tempo na dolorosa tarefa de existir Sentem a dor do vivido Mas não se curvam ao silêncio Caminham por entre dúvidas, Mas já enxergam além do que se pode tocar São mães, meninas, mulheres, irmãs Sua trajetória ainda não se pode precisar E quem poderia dizer que não tem razão? Caminham juntas, na estrada do tempo, imponderável, indefinível, inesquecível. novembro,2011

Utopia

Sobre todas as notas permanece o silêncio que nenhuma significação seria capaz de preencher.não há sentido ou explicação possível.Explicar como, se não há forças capazes de fazer o vento deixar de bater na janela e o escaldante verão tornar-se subitamente uma tarde leve de domingo? Ao mínimo contato os olhos se fecham e o corpo é tomado por um contentamento quase sem querer. Já são os braços que se abrem, enquanto no rosto, imperceptivelmente, surge um breve sorriso.
O que se há de fazer se, inesperadamente todos os fatos e horas do dia são automaticamente jogados ao chão e todas as certezas riem de si mesmas enquanto vão uma a uma negando-se continuamente?
Na mesa da sala restam os livros abertos e no computador o cursor pisca teimosamente,buscando a complementação da frase que ficou na tela...Mas é só olhar lá fora e ela esta ali, no meio do jardim de suas próprias esperanças,esticando os braços em direção ao sol,girando insanamente enquanto a musica ecoa em seus ouvidos.
Que importam títulos, aprovações, conquistas? Ela trocaria tudo por apenas mais um momento de silêncio em que a utopia batesse à porta e a arrancasse de toda racionalidade.
Quando todos os “porquês” se calam e a poesia toma conta do ambiente surgem metáforas que remetem ao vazio,ao nada... Não é necessário significar, não importa que todos os sintagmas sejam desperdiçados ou que não haja explicação plausível para uma felicidade tão grande que chega a doer, pois que não é feita de fatos,mas de um sentir alheio a tudo.Ela existe e é tudo...Em vão baterão à sua porta, não abrirás.Por hora, restará aqui sozinha, dançando ao som do silêncio que se faz maior porque é só seu...tua boca,tua pele,teus olhos já não te pertencem mais.é toda promessa e sonhos e só sabes dizer “sim”.Enquanto isso as mãos continuam estendidas,tentando alcançar o infinito...
“.. tinha suspirado, tinha beijado o papel devotamente! Era a primeira vez que lhe escreviam aquelas sentimentalidades, e o seu orgulho dilatava-se ao calor amoroso que saía delas, como um corpo ressequido que se estira num banho tépido; sentia um acréscimo de estima por si mesma, e parecia-lhe que entrava enfim numa existência superiormente interessante, onde cada hora tinha o seu encanto diferente, cada passo condizia a um êxtase, e a alma se cobria de um luxo radioso de sensações! “ Eça de Queiroz

domingo, 8 de março de 2015

Sobre a filosofia beijinho no ombro

No dia das mulheres... Sobre a filosofia beijinho no ombro Tenho a sorte de conviver com mulheres maravilhosas. Seja através do que leio ou do que vejo, daqui de onde olho mulheres fazem coisas fantásticas: entram e aos poucos crescem em carreiras antes consideradas masculinas, saem de casamentos em que não eram totalmente felizes e seguem solteiras, desafiam padrões morais e buscam sua felicidade em modelos de relacionamentos de todos os tipos, optam por não ter filhos mesmo com a GRANDE pressão da sociedade, usam seu corpo como bem entendem e sua sexualidade como têm vontade. De alguma forma caminhamos aos poucos para o século XXI. Mas e nós mulheres, entre nós? Segundo estudos das ciências sociais e humanas e apoiado ao longo do tempo pelo senso comum a configuração do mundo pela lógica feminina (ainda no tempo dos Sumérios e até que o Cristianismo fosse definitivamente instaurado no mundo) fazia crer no equilíbrio entre todas as forças (humanas e da natureza) pela ótica uterina, do Sagrado Feminino. Ser mulher, nessa época, era ser uma sacerdotisa em potencial, em contato com os sutis movimentos do mundo, posto que fosse do útero que vinha toda a vida... E de nossas mãos vinham por vezes o remédio que cura, os pensamentos que ensinam e a ideia de que éramos todas irmãs.. O tempo passou e sob as engrenagens históricas muita água rolou por debaixo da ponte. Fizeram-nos pecado e ignorância. Nos recolhemos às casas e às nossas famílias por tanto tempo que só há algumas dezenas de anos voltamos a sair, ainda confusas sobre nosso papel na sociedade, se de mães ou trabalhadoras. Lá fora, tudo estava diferente. Dissseram-nos que devíamos crescer por nós mesmas e guardar respeito por sobre o nosso corpo,pois qualquer coisa que nos sucedesse seria nossa culpa.E nossa sabedoria, fato incontestável provado pela ideia de que ainda éramos nós que gerávamos a vida? Pra muitos, éramos uma parte, não o todo da criação, justamente a parte torta, suja, que deveria pagar a pena de der tido a curiosidade de experimentar o novo, no caso, a “maçã”. Fôramos desacreditadas e nossas mãos femininas, antes próximas, foram separadas, posto que, se éramos responsáveis pelo grande pecado da humanidade, devíamos nos envergonhar daquilo que antes nos enobrecia. Viramos inimigas. Tornou-se costume dizer que não se podia confiar em mulheres, que tínhamos inveja, raiva,mágoa umas das outras, e que uma vez juntas podíamos roubar vidas,maridos,dinheiro. Acreditamos. Passamos a olhar nossos corpos e nossas vidas com desconfiança e a tecer julgamentos pelo comportamento da outra, como se fôssemos todas condenadas a não reproduzir o pecado original que nos fizera cair em desgraça. Vieram os apelidos: piranha, puta, galinha, destruidora de lares, sem vergonha. Sob o peso dessas palavras muitas de nós foram criadas, levando nos corpos o medo de darmos vazão a nossas vontades e pormos em risco a honra de nossas famílias e comunidades. Fiscalizávamos nossos corpos, nossas roupas,nossos rostos....A cada exagero ou exposição éramos publicamente execradas pelas outras, como se cada gesto pudesse reproduzir nas outras uma ideia de desrespeito, que não poderíamos de modo algum permitir Curiosamente continuamos sendo as mesmas: parindo nossos filhos, acumulando sabedoria, formando nossas famílias. A duras penas, penetramos nos centros de saber, ocupamos postos de trabalho, tornamo-nos respeitáveis. Continuamos sofrendo o fardo de nossos corpos e toda a violência de sermos o que queríamos ser: mães ou mulheres que abortam trabalhadoras ou donas de casa, putas ou santas, lésbicas, virgens, infiéis, ateias, gordas ou magras, feias ou bonitas. Era incrível a quantidade de etiquetas que penduramos em nossa pele. Continuamos a vigiar nossos hábitos entre nós, principalmente os sexuais. Afinal, tínhamos que nos dar ao respeito. Mas o tempo passou mais uma vez e sob o manto sagrado da moral contemporânea, nossas mãos começam aos poucos a se entrelaçarem novamente. Convocamos movimentos nas ruas, lutamos pelo aborto, decidimos criar nossos filhos ou não ter filhos, já expomos aos poucos nossos corpos e ousamos retirar, ainda que timidamente às vezes, algumas etiquetas antes pregadas na pele. Ainda há algumas que criam seus filhos para respeitar somente as virgens, ou as que não despem e usam seus corpos como querem. Que julgam os amores alheios pela idade e pelo dinheiro. Que condenam a infidelidade da outra como se fosse a sua própria. Entretanto, um novo cenário aos poucos se configura. Sim, buscamos prazer e conhecimento, respeito e equiparidade. Porém ainda nos dizem que somos inimigas e que devemos vigiar uma à outra e ter cuidado com a inveja alheia. Ainda nos fazem crer que nosso envelhecimento deve ser escondido sob camadas de tinta e que precisamos ser criadas para gerir nossa casa e família, mais do que nossa vida. Ainda acreditamos muitas vezes nisso. Contudo, bem lá no fundo persiste o componente de irmandade, a conexão uterina que não nos faz inimigas, recalcadas, invejosas, mas nos faz irmãs. Somos mães, filhas, amigas que enfrentam os mesmos riscos todos os dias. Percorremos as mesmas ruas com índices de estupro na casa dos 22% a cada 100 mil habitantes, somente dos casos denunciados. Somos 16% dos casos de violência contra LGBT. Conhecemos os mesmos companheiros que nos expõem em vídeos e fotos, ou que se gabam de terem nos levado para cama, isso quando todos sabemos que em sexo consensual ambos vão por suas próprias pernas à cama, ou a qualquer lugar. Nossos corpos, expostos, guardados, apedrejados,mutilados,feridos em abortos clandestinos são os mesmos,temos a mesma essência ainda que sob nuances particulares a cada uma. Enfrentamos as mesmas barreiras profissionais e pessoais, choramos pelas mesmas dores. Não somos inimigas, somos e deveremos ser sempre irmãs, seja no dia das mulheres ou em qualquer outro dia.Estamos, como sempre estivemos, expostas da mesma maneira, independente da cultura ou da condição social. Somos diariamente violentadas pelas mesmas forças.Não nos cabe nos protegermos do recalque uma das outras, mas umas às outras, com nossas mãos fortemente entrelaçadas, pela condição fundamental que nos une:somos mulheres. Bom dia pra nós.. http://magiaerazao.blogspot.com.br/2015/03/sobre-filosofia-beijinho-no-ombro.html

terça-feira, 24 de fevereiro de 2015

A menina e a estrela


A menina chegou à janela...
Queria alcançar a estrela....
Pegou a cadeira,subiu no armário,
espichou o braço.
A distância não era suficiente..
Pegou a vassoura, pendurou-se no lustre
deu três pulinhos,
ainda não conseguiu...
Suspirou, desanimada...Olhou em redor
Desanimou.
Jogou-se na cama,fechou os olhos.Sonhou..
Acordou subitamente,
na hora do sol se pôr....
Lembrou-se do sonho,em cores e sons e então se deu conta:
A estrela estava dentro dela...

domingo, 1 de fevereiro de 2015

as melhores coisas do mundo

Tem quem sinta falta da infância..
Eu sinto falta da adolescência, quando o bullying não pegava mais.
e os amigos estavam ali o tempo todo..
De quando nada era mais importante do que estar junto, de quando as palavras precisavam ser ditas porque eram sentidas...
De ter as mãos vazias e o coração cheio de momentos e palavras
de buscar estrelas,
de esperar chover,
de passar a tarde decorando uma letra de musica, só pra saber...
De passar um dia inteiro sem falar com um amigo e ser muito...
de guardar fotos como quem guarda um tesouro
de não ter medo de amar ninguém...
de se encantar em conhecer gente nova, que fala diferente, vive diferente e gosta da gente ainda assim..
.. E hoje?
Hoje há momentos, há fotos e há palavras..
só não há gente.
Estamos todos atrás de nós mesmos, de nosso cotidiano, de nossas horas, de nosso momento de gloria, de nosso status pessoal, de nossas telas luminosas
Ficamos silenciosos e desconfiados.
Os encontros, que eram espontâneos, agora precisam ser marcados com antecedência de meses.
Viajamos pra longe, moramos longe, estamos longe de tudo e de nossa própria vontade de estar mais perto.
Os amigos estão ali, no primeiro clique. Não damos um passo.
Ficamos no raso, no igual,no mesmo.
Precisamos de afinidades, coincidências, marcações, compromissos.
De vez em quando, uma saudade maior ou o acaso promove o encontro.
Que felicidade, que coisa boa, quantos abraços.
Falamos da vida, lembramos os mortos, trocamos brindes.
Súbito, queremos mais... E então vem os "nãos".Hoje não,amanhã não,talvez em seis meses.
Nas folhas da agenda, esquecemos-nos do encontro, ficamos no "se".
Nossos afetos estão ali, virtualmente presentes, esperando que as engrenagens se encarreguem de promover novamente o encontro....
Enquanto isso o tempo, invariavelmente, passa...
E nossos momentos se tornaram um intenso emaranhado de reticências pontuadas por discursos exitosos..
.Não temos dúvidas, não temos medo, perdemos a capacidade de rir de nós mesmos..
Fizemo-nos desconfiados. Somos sujeitos sérios,afinal.
e infinitamente sós.

terça-feira, 13 de janeiro de 2015

Você

Sinto e a intensidade deste fato me toma como um vendaval. Já bate à porta o tempo e a pequeneza das horas cotidianas e sua infinidade de tarefas... Mas é cá dentro onde o corpo permanece, na instabilidade do ser, por entre gestos comuns e palavras absolutamente normais, mas que se multiplicam em infinitos significados... E é a consciência do outro, esse universo enigmático e instigante, que se deseja tocar, estendendo as mãos como se pudessem alcançar tal infinitude. A materialidade de fato reside longe da presença, mas faz-se inexorável no silêncio onde tento compreender o encontro que jamais houve. não é necessário.não ainda.. Por entre silêncios entrecortados de palavras banais reside o sentido oculto que sobrepassa toda razão e se deixa entrever por entre as máscaras da normalidade... É quando os olhos se cruzam e à revelia de toda regra, se constroi um laço, inexplicável e pleno, onde boca, pele e nervos mergulham no sonho, esse sim concreto, posto que escapasse à vontade e às regras mais claras de sociabilidade... E é nesse sonho, lentamente, que me sinto aproximar cada dia mais de você... Em 01/07/2014

sexta-feira, 5 de dezembro de 2014

A dança e a reza

Nesse palco feito de sonhos,os pés cobrem todos os espaços....
Enquanto as mãos seguram os xales,os leques e corações se abrem ao desconhecido.
As cortinas ainda não se abriram e já ouvem-se vozes nas coxias.
Mas quem esta lá fora não adivinha o caos que acontece entre aquelas paredes, permeadas de espelhos e luzes.
Aos poucos, uma por uma,elas vão chegando,espalhando suas roupas e maquiagens, deixando entrever flores e rendas.
Em algum lugar ouve-se uma risada mais alta, um rosto mais tenso,um olhar que se confronta no espelho, examinando-se reflexivamente.
Sobre o pano de boca do teatro, metros e metros de tecido fino,diáfano, salpicado de estrelas sendo pouco a pouco pregadas a muitas mãos, enquanto uma saia solitária gira em reconhecimento ao espaço que logo mais ocupará.
Em outro canto, há frutas, bolos, tortas, todo um sortimento de coisas
como se a festa acontecesse ali mesmo, sob a proteção das paredes.
E é quase um ritual de mulheres que chegam,vestem suas saias e prendem flores aos cabelos..
Nos rostos,um a um,vão sendo montadas as máscaras de sonho,cintilantes, douradas, de modo a não deixar transparecer medo ou dúvida durante o espetáculo.
Já não são mais apenas mulheres, são ciganas, são bailaoras,senhoras da roda e das cores,unidas em comunhão,compartilhando espaço e ansiedade,
vestindo-se de luz e de sombra, cobrindo seus corpos e os das companheiras como se fossem um só..
E enquanto a mulher de longos cabelos prende-os com uma bela rosa azul, outra veste-lhe a comprida saia florida e mais duas cobrem-lhe o corpo com um xale da mesma cor..
No canto da sala, as moças de vermelho ensaiam seus passos,comem suas uvas, agitam suas lindas saias e aquecem todo o espaço que há.
Aqui e ali ,em todo lugar, ocupando todos os espaços,sem parar um só momento, a moça de cabelos vermelhos prende os cabelos,solta-os, troca as saias,muda as flores, come uvas,ajeita o xale e guarda suas castanholas,tudo ao mesmo tempo, sem parar nunca de sorrir.
Há uma atmosfera densa,quase palpável de tensão e de espera,fazendo, com o passar do tempo, com que os rostos por vezes se contraiam e os silêncios se façam mais longos.
E então, imediatamente, há braços e mãos que se juntam, como a compartilhar uma força comum, para vencer o medo e fazer a magia acontecer.
Num instante o primeiro e o segundo sinal tocam,pondo a todos em pânico:faltam apenas alguns minutos para o espetáculo começar.
Os rostos se olham,conferem as saias,ajeitam as flores e sapatos e sobem as escadas que levam ao sonho.
Lá fora,não há espaço para o medo,há brilho e cores por sobre o breu do chão..
É preciso,entretanto atravessar a barreira do não,respirar fundo e mergulhar...
E então,ouve-se o lamento cigano,como uma oração que toma a todos,conferindo gravidade ao momento..
Por um segundo, o silêncio se faz..
.As mãos se unem,as moças se abraçam,ouvem em silêncio,quase religiosamente...
Subitamente, o aviso:o espetáculo precisa continuar...
Xales e leques em punho,segurando cuidadosamente as saias,os pés descalços, é hora de entrar..
No palco, a intensa luz refletindo rostos enquanto as saias giram, furiosamente e as mãos giram,ao compasso da música..
Mãos dadas,as mulheres giram no meio da luz, unidas pelo breve espaço, como se fossem um borrão de cor...
Somente ali, no ápice de suas cores e gestos, no encantamento do bailar encontram a plenitude de suas vidas..
Ali no palco,transformado em espaço de religação, encontram seus Deuses,fazem suas preces por meio da dança, giram suas saias em comunhão com o infinito,
tocam a mais ampla e insuspeitada liberdade de ser.....
Sob os holofotes do teatro a dança torna-se invariavelmente reza,refletida nos corpos e nos corações dos que se movem...
Naquele breve momento tornam-se definitivamente eternas ...

terça-feira, 18 de novembro de 2014

a uma menina de 18 anos..

“-Mãe,quando você chegar tem uma surpresa!Escondi o seu coelhinho e você vai ter que procurar! -mas,Carol,sou eu que tem que fazer isso com você! - mas eu resolvi fazer,ué!” Não faz muito tempo e você já me tomava pela mão e me levava, em vez de eu levar você... Foram tantas vezes que se confundiram os abraços e as mãos que acalentavam, que já não sei mais medir quem dava colo a quem...E eu,que me acostumei, por hábito da vida ou por senso comum, a entender a mãe como a fortaleza, tive que me reconhecer num papel onde os meus 18 anos não se encaixavam ainda...E quando me dei conta éramos só nós duas..É que a força e a certeza não vieram com a maternidade.Ao contrário,demoraram tempo para construir espaço nessa relação tão próxima,quase simbiótica, de duas pessoas que crescem juntas,mas somente a uma delas é dada a tarefa formal de educar...Fico olhando pro silêncio que o tempo sempre instala em datas como essas e algumas cenas parecem dançar diante dos meus olhos.. Nós duas, em uma roda de festa junina, onde por definição você deveria dançar, mas se recusou terminantemente, então me vi obrigada a te levar no colo pro meio da roda,pra que você pudesse participar também..Outra cena:nós duas em festas infantis, você no pula pula e eu na mesa, volta e meia você corria de volta e me trazia um doce...Mais um tempo e já podíamos adentrar os centros culturais,suprema liberdade e eu pude te apresentar a exposicoes de arte,filmes infantis, tinta e papel..Sempre me surpreendeu essa capacidade fantástica que você tinha de inventar tons,misturar cores e criar um arco-íris só seu.. E esse olhar já tão maduro,que me falava com absurda franqueza de impressões e sentimentos que “crianças não costumam perceber”..Será? Enquanto isso os cabelos cacheados cresciam, as pernas e braços se espichavam no balé e na natação,a língua travava com tantas ideias geradas no mesmo segundo, o corpo emagrecia,engordava,emagrecia de novo e um dia vieram os óculos, terrível prova pra você, enquanto eu continuava achando lindo aquele rostinho se transformando na “nerdzinha” que você se tornou... Em um espelho eu via os mesmos livros espalhados pela casa em todos os cômodos, te acompanhando da praia ao shopping, criando caminhos entre você e os personagens e me vi obrigada a conhecê-los também,para poder viajar com você...E juntas,mãos dadas,visitamos Nárnia,Hogwarts, o Sitio do Pica-pau Amarelo,sofremos pelos mesmos dramas, rimos dos mesmos finais...Na sua cama,todos os bichos de pelúcia tinham nome,hierarquia afetiva e eram igualmente mimados por você,até a chegada de um peludo urso,encontrado no fundo de uma prateleira de loja,que virou até hoje seu porto seguro....E os anos foram entrando pela janela,enquanto promovíamos dias de descanso,sem trabalho ou escola, jogadas no chão do quarto assistindo filmes sem parar em meio a pipoca e chocolate..E vieram os temíveis anos da bendita adolescência te fazendo frágil e incomodada.É que talvez tenha se dado conta de que o tempo estava passando e não era mais possível agarrá-lo com as mãos e fazê-lo parar virando as páginas do livro ou fechando os olhos no intervalo dos sonhos...E vieram os 15,16,17 anos ,com todas as responsabilidades que costuma-se jogar por sobre os ombros dos adolescentes e toda a angústia que resta a nós ,pais,quando nos damos conta de que em breve o bebê vai estar um pouco mais longe do que os passos necessários para vê-lo dormindo abraçado ao ursinho, ou rabiscando desenhos no chão..Daqui a pouco é a vida, em seus irrecusáveis convites, te levando pela mão, as escolhas cotidianas,os amores,as experiências e uma infinidade de lacunas que não me caberão preencher..Enquanto enxugo meus olhos,volto meu rosto e de repente vejo uma moça,maior do que eu, o olhar cansado das noites sem dormir, milhares de apostilas e livros no chão,tentando decidir a vida,como se qualquer prova ou carreira pudesse definir sua existência..Aqui do meu lado não vejo nenhuma dúvida,no caráter do ser humano que cresceu junto comigo,na inteligência irônica,tantas vezes mais aguçada do que a minha,na sensibilidade e na compaixão que eu ajudei a regar todos os dias...Sua matéria prima será o ser humano,seja na arte,seja na ciência...Seja qual for o caminho, você se encarregará de preenchê-lo de cores e afeto, permeados a um senso de justiça e percepção social que me faz sentir prazerosamente culpada..Minha filha,que orgulho,é uma “subversiva”..hehehe..Mais do que isso, é alguém que voltará sempre seus olhos ao outro,tentando minorar suas dores e a si mesma,tentando expressar no exterior a infinidade de cores que estão dentro de você..De onde estou,cedo à tentação de te colocar infinitamente no colo e me atenho a inspirar mais uma vez esse cheiro misturado de chocolate quente,pijama de malha e sabonete,que toda cria conserva ao longo da vida...Resta a certeza de que esse laço, que se trama desde sempre entre nós duas,vai além da maternidade,é um reconhecer-se no outro como um espelho que mostra sempre a melhor parte de mim..É um afeto profundo,intangível,irremediável,que nos faz correr para perto uma da outra, pouco tempo depois da ultima briga...É um caminhar de mãos dadas, cabelos ao vento, em todos os lugares do mundo que ainda vamos conhecer...É conjugar o verbo amar no infinito,como diria Vinicius e todos os poetas que amamos com a mesma intensidade e tornarmo-nos então irremediavelmente eternas... Amo você

quinta-feira, 23 de outubro de 2014

Mas de que lado você samba?

Já tive medo também....
já acreditei que a segurança pública podia separar o lado bom do ruim, manter em pé os muros que garantiriam minha paz de espírito e a
tranquilidade da minha família e dos que são próximos a mim..Mas foi quando me vi na mira de uma arma, percebi que quem a empunhava era eu mesma..Era meu
medo,classe média e ingênuo,que achava justa a política de contenção, vigilante e punitiva, que determinava as culpabilidades e o lado que cada um podia ocupar no cenário social...Era minha ideia de mudar o mundo através de uma revolução moderna que limitava a possibilidade transformadora , ao delegar ao Estado a tarefa de
reformar a vida das pessoas,enquanto o cidadão seguia bem, fascista e individual,obrigado.
Foi quando me dei conta, há exatos oito anos, de que a verdadeira transformação não estava em um discurso politico, devia residir dentro de mim.
De que adiantava “tomar o poder”, fazer a revolução, se o ser humano continuaria controlado pelas estruturas estruturantes, sem autonomia para decidir o que fazer da sua própria liberdade?
Era preciso ir além e construir caminhos a partir dos quais fosse possível compreender o social como composto de pessoas, todas elas responsáveis pelos direitos e garantias fundamentais uns dos outros.
A cidadania então tornou-se para mim bem inalienável....
Tudo ficou muito difícil a partir daí.Não era mais possível engolir soluções prontas ou pagar a conta de minha própria representação social com meus impostos e crer que o governo que eu mesma havia escolhido faria todo o serviço sujo por mim.Eu também era parte daquilo.
Em cada arma, em cada morte, em cada cela onde se acumulavam corpos,eu também estava ali..
A consciência de ser parte do sofrimento alheio eu já trazia de berço,mas a maturidade faz a dor do outro marcar na própria carne e nos faz perder o sono,quando podemos pensar tudo que podemos fazer para minorar a injustiça e a desigualdade social e não fazemos.
Pior do que isso:nos arvoramos em juízes da vida alheia,determinando quem pode ou não viver e achamos justa a pena impingida ao outro,sem termos ideia do que se passa em seu cotidiano..
Somos atrozes em levantar bandeiras políticas e religiosas para diminuir nossa culpa,pondo na boca de teóricos e doutrinas as ações que nós mesmos escolhemos como certas..
Esquecemos que somos todos feitos das mesmas partes, independente de nossas escolhas. Mas a mesma lógica que nos desumaniza, pode trazer-nos de volta, se tentarmos olhar para o outro como um espelho do que somos e procurarmos caminhos em que exista um só componente: respeito.
Assim fiz e tento fazer todos os dias, embora a vergonha de ver pessoas desejando a morte e a infelicidade de seus iguais por medo ou fundamentalismo religioso/politico ainda me faça tremer de raiva diariamente.
Como é possível não nos responsabilizarmos, como é possível fechar os olhos para o fato de que todos têm direito a cidadania e não somente os que têm mais sorte, “inteligência” ou mais dinheiro?
Como é possível compreender a economia como uma questão de poucos e não um componente fundamental da vida, porque baseada no elemento que nos torna humanos, a comunicação?
Como é possível ainda acreditar em uma visão política que vê somente no voto a saída para a crise mundial, como se a participação política não fosse dever diário de todos?
Como é possível ainda não compreender o radical “comum” como algo que visa o bem de todos, não porque se trata de uma doutrina política, mas de uma forma irremediável de sermos humanos, posto que deva se apoiar no respeito ao outro e assim a si mesmo?
Ainda não tenho respostas para nenhuma dessas perguntas... Não acredito mais que discursos mudem o mundo.
Aqui, de onde estou, mudo todos os dias o que é possível mudar com o que tenho em mãos:a mim mesma.
Se, por um lado, afasto-me de todo discurso do ódio, pela necessidade de preservar minha saúde mental, por outro, ainda acredito,ingenuamente talvez,que há meios de fazer com que a consciência de si como parte de um”nós” possa em alguma medida transformar as pessoas.
É preciso sensibilizá-las para este fato, fazê-las mergulhar no essencialmente humano, onde o mal não é o outro, está aqui dentro,do lado de todas as nossas boas intenções..
A verdadeira revolução ocorrerá somente quando todos conseguirmos sentir a dor do outro em toda sua intensidade e nos fizermos parte de sua causa e de sua solução..É um caminho deveras doloroso e angustiante,mas não há atalhos.
É preciso caminhar e exercer todos os dias a tarefa inglória,mas definitivamente libertadora de julgar e reformar a si mesmo.

sábado, 18 de outubro de 2014

Laços...

Laços?
Não tenho laços, nem de sangue nem de compromisso.
Não me amarro a regras, não amo por obrigatoriedade, ou mesmo pro procuração,
bicho desgarrado esse que teima em continuamente questionar o que lhe é dado.
Não cumpro papeis,não obedeço a costumes, sou fruto de minha liberdade.
Não me apego ao que me é próximo, familiar, institucional.
Me apego ao que me cativa,ao que me penetra a alma e me faz querer ser infinitamente melhor.
Me apego ao que me faz sorrir em silêncio ao lembrar de gestos,palavras, momentos.
Meus laços não são de sangue,são de afeto.Por eles mato e morro, me torno definitivamente maior....
Quem me mostra meus companheiros de jornada não são as estruturas sociais,o habitus, ou o cotidiano,o costume das horas ou a genética.
Não amo porque devo amar.
Amo porque reconheço quem consegue atravessar meus muros e se tornar infinitamente eterno.
Amo as redes que se tramam entre as sombras do imponderável,em gente que me faz querer ser a cada dia mais e mais humana.
E eles sabem,sabem que são.
Sabem quem sou.
Reconhecem minhas luzes e sombras e me amam apesar ou por isso...
Não me jogam pedras.
Aceitam o ser que sou.
Me fazem pequenas surpresas e me provocam uma felicidade profunda apenas quando dizem que em algum momento se lembraram de mim ou quando sorriem e me dizem algo que acham definitivamente a minha cara..
É que eles sabem,sempre souberam,que estão cá dentro e fazem parte desse indefinível e confuso universo que sente e pensa,ou seja : eu.

terça-feira, 16 de setembro de 2014

Uma decisão pragmática

Sempre é tempo de dizer, para os que ainda não sabem, que sim, voto em Dilma para presidente, sem crer em grandes transformações, como é de minha obrigação... Milagres ficam a cargo da religião, convém não misturar.Não creio ser necessário dicotomizar o discurso para compreender que Marina não representa o novo, nem mesmo Dilma. Confesso que fiquei bastante em dúvida sobre as duas, seus planos de governo, prós e contras...Votei 13 ou tive a intenção desde os 11 anos de idade e só quem viveu a eleição de 1989 pode compreender de forma correta o que foi o projeto de país de Lula derrotado pelo neoliberalismo de Collor na primeira eleição democrática do país depois de duas décadas...Não estávamos prontos. Em 2002, depois de eleger a governabilidade como programa de governo, veio a primeira vitória. E começou o projeto de país, como um reflexo fraco do que acreditáramos ser possível em 89.Foram necessários acordos espúrios e negociatas por vezes indignas, para que se votassem medidas necessárias para que direitos e garantias fundamentais saíssem da teoria e fossem para a prática e a mesa de 28 milhões de pessoas.Vou repetir:28 milhões de pessoas. E então veio o mensalão. Não sejamos inocentes, ele sempre existiu em todos os partidos. Mas para alguns, inclusive eu, conosco seria diferente. Não foi.Somente quem consegue compreender o que é o PMDB nesse país pode ter alguma ideia de como funcionam as votações em um congresso.Não se trata de ética, é interesse mesmo. Poucos são os que votam de acordo com o caráter que têm, alias são poucos que podem ser considerados como éticos. O sistema é brutal e envolve crimes prescritos em constituição. Não é jogo para amadores. E onde compreender a participação política num cenário onde a única coisa que se pode fazer é votar?Aí é que esta a questão. Não se trata somente de votar. Primeiro, é necessário entender que cidadania não é somente para quem paga imposto. E vem a grande revelação: todos minimamente pagamos,em qualquer compra que fazemos,seja o dinheiro proveniente de esmola ou de um salário. Portanto todos temos direito à saúde,educação e segurança,conforme os itens mais repetidos nos programas de todos os presidenciáveis.Compreendo que o governo petista não fez nem a metade do que pretendia e asssociou-se a agendas consideradas impensáveis em 1989.Faltou coragem?Talvez. Mas antes de pensar em como seria um governo sem alianças, pensemos em uma reunião de condomínio em que o síndico quer substituir o portão da garagem. Assim, somente isso. Imaginem a quantidade de reuniões, questionamentos, apartes e bate-bocas até que todos compreendam que sim, é necessário trocar o portão para o bem comum, não somente de quem está em dia com o condomínio. O exemplo,tosco,reflete um pouco do que é legislar em um país com sistema republicano, federativo como o nosso. São necessárias inúmeras fases até que um projeto venha à pauta, seja votado e sancionado e aí sim, entre em vigor, ou “pegue”, como dizemos aqui. Acordos são, infelizmente, necessários. Para isso, a velha política continua valendo e assim temos governado até então. Entretanto, há agendas de um projeto de país que se refletem em números, como a posição do país de 2002 para 2014, de 13 ͦ para 7 ͦ lugar. Ou através de um programa como o “Minha casa, minha vida”, ou o “ Luz para todos”. Não, eles não foram obra de só um governo. Foram obra de 12 anos de governo e agendas que compreendem a cidadania como direito de TODOS. Há números e políticas vergonhosos no governo petista, principalmente se pensarmos que muito da ideologia do partido vem, ou deveria vir de conceitos profundamente comunistas, não no sentido que ainda se crê (sim, ainda tem gente que tem medo da cor vermelha, ou acha que eles comem criancinhas), mas no sentido do “ser em comum”, do Estado para todos da mesma forma, com igualdade de direitos, de forma que AINDA não foi implementado em nenhum contexto histórico. Muito ainda há a ser feito ou revisto. Mas há ganhos que não podem ser ignorados. E há um modus operandi do governo petista, não somente do federal, mas dos Estados e prefeitura que AINDA prima pela democratização, mesmo que com falhas e desvios. E é nessa perspectiva que eu ainda aposto, apesar de tudo. Gostaria de acreditar que temos maturidade suficiente para eleger um governo do PSOL e compreender que somos parte de um todo social, participativo, para a qual nossa contribuição política efetiva será solicitada não de quatro em quatro anos, mas diariamente. Mas ainda somos o país onde a religião ou a sexualidade do sujeito determina suas escolhas para a coletividade, onde determinamos o candidato em que vamos votar com base na aparência ou na lógica burra de que todos são igualmente ruins. Ainda não estamos prontos para o voto facultativo, uma vez que achamos que nossas pequenas corrupções, nossas carteiras compradas, nossos pequenos subornos, a morte ,a tortura e a humilhação do outro , o favoritismo em concursos, em provas, em filas, os produtos roubados comprados à porta de casa,o uso indevido de direitos e espaços que não são nossos, não tem nada a ver com a ideia das grandes corrupções. Ainda acreditamos que presos tem que ser encarcerados em contêineres e postos ao sol (ver artigo Vigiando e Punindo,até quando?), ou que as rebeliões são bons sistemas para diminuir a superlotação dos presídios, afinal, todos que estão ali merecem morrer. Ainda não somos bons o suficiente para entender que o direito à vida e à dignidade são inalienáveis. Ainda somos muito provincianos em relação ao coletivo e assim o é nosso sistema político. Mudá-lo cabe a cada um de nós, acompanhando, cobrando,participando, propondo medidas em que o Estado,em seu tamanho atual e representativo,seja cada vez menos necessário e a política seja cotidiana e plural.Por enquanto, precisamos de um Estado forte,infelizmente e compor quadros no governo em que AINDA exista minimamente um projeto democrático de governo.E por isso,meu voto no dia 05/10 será 13,para presidente e 50 para todos os demais cargos.Primeiro porque acredito que é preciso fortalecer as células políticas de base e isso precisa ser feito por partidos com a ética do PSOL.Segundo,porque,na minha modesta opinião,isso corresponde à construção do que enxergo,com grandes esperanças,que será o caminho evolutivo natural,quando amadurecermos um pouco mais e deixarmos de traçar embates políticos, partindo para o debate sobre propostas.Nesse mundo utópico,poderemos pensar então em um governo sem a tal da governabilidade.Por enquanto,estamos há anos luz dessa lógica e é preciso não retroceder,criticando sempre, manifestando-se em todos os momentos,mas sem desconhecer que se as manifestações ocorrem de forma ininterrupta agora, é porque tem espaço para acontecer.Lembrando Agamben,é preciso ser contemporâneo sempre,vivendo nosso próprio tempo,mas com olhar distanciado para perceber onde estamos e que caminho devemos trilhar.Por isso,declaro meu voto aqui,não somo forma de influenciar qualquer um,mas porque preciso estar coerente com o que sou e acredito.. PS: Não tenho intenção de ofender ninguém ou criar inimigos pela manifestação de minha intenção de voto, sejamos maduros e vamos debater conceitos políticos e perspectivas de Estado, não é mais tempo de fla-flu, ou de discursos ou de achar que a política não nos cabe, ela é dever de cada um... Qualquer comentário no sentido de debater ideias será aceito e bem vindo.Ofensas pessoais serão sumariamente deletadas,em benefício de minha saúde mental.

sexta-feira, 22 de agosto de 2014

Comunicar

Comunicar exige coragem ante esse universo angustiante e fluido que se chama outro.
Nunca se sabe o que ele vai dizer.
Que dores internas,que marcas profundas pode deixar uma palavra,um gesto impensado, um simples fechar de olhos..
Mas que magia profunda e impalpável quando esse ser se digna dizer,inadvertidamente,sim.
E o encontro pode ser tão forte que chega a a entorpecer...
São afinal dois universos de medos e nãos que a um dado momento
súbita e inexplicavelmente olham-se nos olhos e dizem por gestos ou palavras:sim
Na sutileza desse momento cabe um mundo inteiro, uma infinidade de significados e serão tantos quantos pudermos decifrar,
na delicada rede que se trama entre duas pessoas,a cada instante de aproximação.
A cada passo as mãos parecem estender-se em convite e os olhos sorriem antes mesmo da felicidade chegar aos lábios..
É ali,na incerteza de um recuo,que reside a dolorosa e infinitamente bela tarefa de se comunicar..
Se eu pudesse, no instante exato desse encontro,dizer alguma coisa,somente diria:Não afastem-se,não afastem-se agora,não desviem o olhos, não interrompam a conexão...
O mínimo descuido ,somente um segundo poderá pôr tudo a perder.
Por isso,enquanto o silêncio não precisar ser preenchido por palavras,não afastem-se,deem-se as mãos,aproveitem o precioso momento de contemplar o outro,que se abre a você nesse único e raro instante...
Amanhã poderá ser tarde demais..Quem sabe quando a comunicação será reestabelecida?
Quem sabe um dia,quem sabe nunca mais...
O importante é perceber,mesmo que muito tempo depois,que alguns laços,uma vez firmados não se romperão jamais.. Então cabe-nos apenas,a cada intervalo,perceber e reencontrar sutilmente ,o caminho de volta..

quinta-feira, 14 de agosto de 2014

Iconografias

Sobre todas as coisas
Ainda resta muito de mim
Fotos de um tempo em que o sorriso habitava meu rosto
Mãos espalmadas enquanto meu corpo girava, em passos imaginários...
E um sol permanente que habitava meu peito...
Tempo em que era toda certeza...
E o silencio me preenchia de poesia e música...
Na nevoa do tempo caminhei a esmo
E me perdi dentro de mim mesma, buscando algo indefinido.
Uma palavra, um gesto, um sopro de vida...
E o peito pesado de tantas dores.
Navegando lentamente por entre as ruas de duas cidades.
Em que esquina deixei a esperança de ser feliz?
Em que momento parei de acreditar?
Hoje, tantas dores depois.
Só a arte, somente ela ainda me colore a vida...
E quando tudo se torna demasiado,
A luz do sol me chega através das fotos que insisto em tirar, procurando incessantemente a comoção alheia...
Em frases desconexas, a eterna busca da poesia com que reencontrar um tempo que não volta mais...
Não há perdão, não há caminho de volta, para que se reconheceu completa por alguns instantes s e depois se perdeu no meio de tudo...
Nas imagens, registros de um tempo feliz, o azul sempre é mais azul e o verde mais verde...
È que ali,no centro da vida, a alma transparecia inteira....







Fotos:2006

domingo, 10 de agosto de 2014

Crônica de dia dos pais ou porque eu amo os homens

Não é por ser uma feminista ferrenha,segundo muitos dos meus amigos, que não deixo de admitir minha admiração profunda pelos homens. Ao contrário. Sem entrar no mérito da questão, acho que ser feminista é bem isso mesmo,saber respeitar e ver a beleza do outro lado...
Mas o fato é que há certa poesia no masculino que me encanta desde sempre. Para começar, indo ao lugar comum, são verdadeiramente mais práticos do que nós costumamos ser, mais concisos, mais diretos e por vezes mais fraternais.Entretanto, o que realmente me apaixona é a forma de demonstrar afeto. Deve ser mesmo complexo deixar aflorar a afetividade quando infelizmente ainda(!!!) somos tão medievais quanto a gêneros em pleno século XXI.
E como os homens sabem ser maravilhosos quando se permitem se apaixonar, como podem ter paciência com relação a esse quase sempre hermético e extraterrestre universo que costuma ser o feminino.É por isso que poucas coisas me sensibilizam tanto quanto acompanhar as transformações que acontecem com os meninos, quando escolhem alguém para gostar e, sobretudo, quando se tornam pais. Parece então que se tornam seres insuportavelmente e permanentemente encantados com o dito objeto da paixão, mesmo que o cotidiano e o cansaço por vezes o afastem das crias. Se são meninas então, aí parece que o caso torna-se sério.
Nada mais belo do que acompanhá-los na ansiedade dos 9 meses de gestação,esperando por algo alheio a seu corpo,tentando compreender essa nova e eletrizante fase da grávida que antes então era uma mulher como outra qualquer. Convém então que aguardem o momento de serem finalmente pais e terem o supremo direito de carregar bolsas cor-de-rosa pelo shopping e participar de rituais que envolvem, em muitos casos, bonecas, esmaltes e maquiagem. (Sem que lhe tenha sido previamente explicada a função prática de nenhuma dessas coisas, diga-se de passagem.)
Talvez porque eu tenha sido criada por um sujeito tão especial quanto o meu pai, aprendi desde cedo a reconhecer a diferença entre o que hoje chamo moleques e meninos, na falta de termo melhor. Meninos são de qualquer idade, mas carregam dentro de si a sensibilidade e a coragem de encarar relacionamentos, laços,dores e até mesmo filhos....Se apaixonam,sofrem,perdem o sono,encantam-se e desencantam-se e quando tem filhos,desmancham-se em amor profundo pela produção realizada,ou seja,a cria.....
Vão à reuniões de escola, sabem dos programas preferidos,contam infinitamente as últimas tiradas, registram expressões e fases do crescimento em inúmeras fotos, babam-se de orgulho intimamente pela resposta malcriada da menina,aprendem a fazer tranças e pentear bonecas...Sabem que há fases em que algumas meninas são bailarinas e atrizes em potencial e se esforçam ao máximo para dar asas à fantasia de suas adoráveis princesas...Contam histórias e inventam desenhos para tentar ensinar seus bebês a se tornarem pessoas legais..Comovem-se quando veem outros bebês... Com ou sem filhos, arriscam-se.Amam. São caras muito especiais.
E os moleques?Ah, eles também podem namorar, casar e ter filhos, mas nunca irão crescer. Não se arriscam, porque criar laços é definitivamente um ato de coragem... Não ultrapassam a barreira criada por sua eterna zona de conforto. Seja qual for a idade, sempre parecerão deslocados, visto que não criam raízes.
Tive a sorte de ser criada por um cara especial. Não somente especial,o mais especial de todos,o meu pai.Que me contava histórias e me explicava de onde vinha a febre. Que, junto com minha mãe, formou inabaláveis ideias sobre respeito e ética.
Que me dava e me deu colo sempre,mesmo quando o tombo era iminente e o desastre era certo.Ele continuava ali, mesmo que fosse só para me dar coragem e às vezes, para recolher meus caquinhos na volta, depois que eu quebrava a cara..Mesmo que fosse para, preocupado com o fato de que eu me tornaria mãe aos 17,se esquecer de que ele se tornaria avô aos 45.É por isso que tenho pouca tolerância com moleques.Porque sei desde sempre,que meninos podem crescer e se tornar homens e serem caras legais,sendo pais e maridos ou não...E vibro ao ouvir histórias de meninos, às vezes ainda bem jovens, que se arriscam, se relacionam,sofrem e se apaixonam infinitamente,seja por meninas ou por meninos.. Aqui de onde estou, me comovo com os encontros, com os laços,com o amor,seja ele em qualquer forma ..Sei que, se tiverem filhos, entenderão que ser pai não é um ato meramente contratual. Exige entrega.É tarefa para fortes.É para esses meninos,sejam filhos ou pais,que desejo hoje,Feliz dia dos pais...

sexta-feira, 8 de agosto de 2014

O que mais em nome do amor?A legitimação da violência a partir da cobertura midiática dos conflitos de Gaza

Em 1948, ano da criação dos direitos universais do homem e do Estado de Israel, Mahatma Gandhi, líder indiano defensor da política da não violência, foi assassinado com três tiros por um fanático hindu. Vinte anos depois, Martin Luther king, pastor protestante e ativista norte-americano, defensor dos direitos dos negros e da não violência morria, vítima de um único tiro, que atingiu seu pescoço e o arremessou contra uma parede.A imprensa,como de praxe,deu ampla cobertura aos eventos, que causaram imensa comoção mundial.O que há de comum nos dois fatos,de triste memória e o conglomerado de notícias que tem como tema os mais recentes ataques à faixa de Gaza, também de ampla cobertura? Afora a escalada de terror que permeia o imaginário acerca dos anos 60 com a repressão aos movimentos sociais, ou a lembrança recente do terror da Segunda Guerra Mundial, nos anos 40, o que une não só esses como dezenas de outros assassinatos, são a convicção por parcelas consideráveis da sociedade, de que tais atos são, em alguma medida, justificáveis e o posicionamento isento de grande parte da mídia interacional, de que as atitudes dos Estados e de indivíduos são legitimas porque defendem uma crença ou uma ideologia. Nesse viés, não é difícil encontrar na análise de articulistas sobre o conflito palestino-israelense, a crença de que, por acompanharem o desenrolar dos fatos desde há muito, lhes cabe o direito de legitimar a violência sistemática contra um ou outro lado. Além disso, talvez sobre alguma inocência(ou decerto uma certa irresponsabilidade), em crer que exista de fato uma “Faixa de Gaza” dividindo ambos os lados do conflito,sem que exista nenhum tipo de relação entre o Estado de Israel e o Hamas. São aliás as relações e a proximidade as responsáveis por agravar cada conflito, como o último,quando três jovens israelenses foram sequestrados e mortos sem que o Hamas assumisse ou negasse a autoria dos assassinatos. Começava a escalada de uma violência sem precedentes e, quase simultaneamente, as análises midiáticas favoráveis a “árabes ou judeus”, dividindo-se em um "fla-flu" sinistro, onde de um lado há o grupo pró-palestina e do outro, os sionistas. No meio disso tudo, direitos humanos são expurgados, sob a defesa de que Gaza é um território há muito conflagrado, ou que cabe, por direito à defesa, a emissão de mísseis Shell em casas, hospitais e escolas da região. Bem se sabe, mas por vezes é bom lembrar que mísseis não têm alma. São enviados sem amor a qualquer causa . Apenas explodem e é tudo. Do lado emissor, estão sempre homens, cuja justificativa apaixonada os leva a legitimar suas ações sob a certeza de que combatem o inimigo ou defendem a própria vida. Assim também parece pensar a grande imprensa internacional.Como se assistisse a uma sinistra partida de futebol, veículos de comunicação voltam seus rostos a cada lado beligerante como se aguardando o próximo ato, sem questionar em profundidade o simples fato de que as ações,per se, são criminosas e não se justificam, seja qual for o motivo, mesmo que sua defesa seja apaixonada e impulsionada pela fé mais renitente. Por amor a um credo ou a uma ideia,a violência não pode ser justificada ou combatida a golpes na mesma intensidade.Pelo amor a um modelo de governo, ou um Estado(que deveria em tese ser formado da vontade geral de todos seus cidadãos),não pode se justificar o terrorismo e o assassinato, seja de militares,seja de civis.A epopeia da guerra, tão covardemente alardeada como meio de defesa não pode mais servir de mascaramento para crimes de lesa humanidade com o beneplácito da imprensa, que parece encarar com costumeira naturalidade de abutre, a mutilação,o desmembramento , a queima e a explosão de corpos(palavras que por si já deveriam ser impregnadas do terror que representam),aguardando,como se assistisse a um espetáculo, quem será o vencedor da rodada.Cabe-nos como jornalistas,divulgar os acontecimentos em Gaza, com as exatas cores que tem.Sob a justificativa do ataque, o Estado de Israel e o Hamas assassinam pessoas,mulheres e crianças em maioria, condenados pelo simples fato de morarem em território “santo”.Impossível não lembrar, nesse caso, da maravilhosa obra de Arjun Appadurai,antropólogo italiano, “O medo ao pequeno número”, onde o autor busca analisar a incerteza social e as manifestações da violência étnica na globalização, provocadas pela acentuação das diferenças entre grupos socais e do medo relativo à desordem e ao fim da pureza na unidade nacional. Consubstanciando essa afirmação, Appadurai conceitua que a ansiedade da incompletude, ou seja, a angústia em relação ao pequeno número que falta para a maioria absoluta pode ser a causa de grande parte dos conflitos étnicos na atualidade, quando a certeza de um ethos nacional foi atravessada pelos fluxos globais do capital e a acentuação das diferenças entre ricos e pobres, além de borrar as fronteiras entre inimigos internos e externos. Nesse viés, a distensão dos horizontes sobre a multiculturalidade acentuou a preocupação sobre a identidade nacional e favoreceu o aparecimento de identidades majoritárias, predatórias, cuja mobilização e construção social requerem a extinção de outras categorias sociais tidas como ameaças (APPADURAI, 2009:46). Nesse cenário de incertezas a violência torna-se exorcismo do outro tomando como alvos ideias, costumes e grupos, na pratica do ideocídio ou civicídio pelas mãos da maioria ameaçada com a aproximação da minoria e o temor de que possa ocorrer uma inversão de papeis na estrutura social. A única certeza torna-se então, para o autor, a da violência, de forma cotidiana, nas guerras internas entre grupos étnicos, afirmando uma nova geografia política, a geografia da raiva. Appadurai (2009) afirma que a raiva é estimulada pela diferença (p.19), estopim da violência e causa do terror.O terrorismo, para o intelectual, não é um ato irracional, mas a transmutação das minorias atemorizadas para aterrorizantes, capazes de se erguer contra a ameaça através do medo ao outro o desejo de limpeza étnica. Por consequência da violência crescente, o terror é o fantasma que assombra os Estados, borrando os limites entre espaços e tempos de guerra e paz (APPADURAI, 2009:33). É uma espécie de metástase da guerra que a separa da ideia de nação pelo extermínio da ordem e a disseminação da ideia de que qualquer um pode ser um terrorista em potencial. Por conseguinte, é na mídia que Appadurai vai reconhecer a difusão asséptica do terror, pelo apoio de uma ideia, uma paixão, uma ideologia e a consequente divulgação dos atos realizados em beneficio deste ou daquele modo de vida,em detrimento do que consideram diferente,ou menos legítimo.Esquecem-se de que o terror quase sempre vem como consequência de um ato passional,cuja intensidade costuma justificar as mais deslavadas arbitrariedades. Cumpre-nos como comunicadores, ampliar nosso senso crítico em nome da defesa da vida,seja ela qual for, dando os nomes exatos a todos os atos cuja consequência for a ameaça a outro ser humano. a mídia, em sua infinita extensão e complexidade,não tem o direito de ser somente espectadora enquanto desenrola-se a tragédia da vez.Cabe-lhe escolher seu lado:o lado que proteja a vida,em qualquer medida,sob qualquer circunstância, repudiando com veemência qualquer tipo de violência.

domingo, 6 de julho de 2014

na barca








Mover-se.
Buscar além.
Mergulhar no imenso.
Esses são os caminhos de quem se arrisca na duração do nada,do impalpável,infinito e fugidio instante,que é a continuação de meu próprio respirar.
Vida.
meus pés avançam por sobre o inesperado e a cada segundo já prossigo por entre o incerto e o encantamento.
A imagem que permanece na retina nunca é igual,pois já não sou mais a mesma a cada passo.
Frente,lados,direita ou esquerda, já não me importa.
Sigo o fluxo,não de pessooas mas de meus próprios pensamentos...
Nesse universo,a busca é sempre maior para quem não sabe para onde vai...
O importante é partir,sempre para frente...
Se acerto o caminho,já não me cabe julgar.
Sei que ando,passo a passo,por sobre as construções de meu próprio imaginário.
E quantas sou ou quantas deixo de ser,a cada minuto mais, não é necessário perceber.
Os rostos,as cores de cada imagem são a duração infinita de meu movimento incerto e incessante,vento no rosto,o sol,entrando pela janela,enquanto a barca,lentamente,avança...


obs:Texto escrito no primeiro dia da ida a Niteroi para a primeira aula de mestrado..Antes de saber tudo que eu enfrentaria,todas as dores e decepções,a doloorosa percepção da pequenez humana, o desespero e ,finalmente,a calmaria..Não mudaria nenhuma palavra,nenhuma experiência foi inválida,tudo que foi faz parte do lugar onde me encontro hoje...

quarta-feira, 11 de junho de 2014

Da Iara


Trilha sonora:Iara,de Maria Bethânia

Lancei minha alma no rio, onde meus sonhos se tornaram um ser, feito de palavras ,sons e silêncio . Enquanto sentia o frio das águas tocar minha pele, ouvia ao longe as vozes dos que condenavam minha decisão:
“-não há de ser nada, diziam eles. não há de ser nada. é apenas ilusão, feita de sombras e vento e logo passará. segue teu caminho.”
Mas eu,que não sabia,estava distraída enquanto voltei minha cabeça e ouvi o som doloroso, definitivo, que numa só palavra determinou meu destino e a voz que inexplicavelmente dizia meu nome.
E foi o que bastou. De repente toda minha existência terminara e se refazia e em um sopro de vida me tornava cega e surda à qualquer som que não fosse aquele. Ao redor, todo universo conspirava , em espera.
E todos aqueles que não podiam ver, insistiam em dizer que não era nada, que eu seguisse meu caminho,que eu me perderia e morreria ao mergulhar ali, mas a voz que insistia, avançava peito adentro, e seu encantamento era tal que meus passos só encontravam direção no seu caminho e minhas mãos já não conseguiam abarcar a imensidão do que sentia.
Era como se, pela primeira vez, encontrasse um som que entrasse em súbita sintonia com meu interior,que falava em silêncio e me dizia coisas sobre mim e sobre o mundo que eu jamais ouvira antes.
Quis fechar meus ouvidos e meu corpo quando me dei conta do tamanho da descoberta, mas meus véus caíram todos aos meus pés.
Estava nua,frágil,exposta.E diante de mim,o infinito daquele encontro.
De que adiantava fugir, se o encanto me acompanhava a cada momento e toda minha existência parecia se resumir àquele momento único,de uma delicadeza absoluta,não havendo outra alternativa senão a entrega?Respirei fundo.
Ao canto do rio deixei minhas defesas e mergulhei no rio. Era uma tarde de maio.
Fez-se um silêncio profundo, enquanto eu respirava cada segundo daquele encontro e minha pele se desfazia em nuvem e sonhos.
Sobre todas as coisas uma certeza, de que aquele tempo,durasse o quanto durasse,seria eterno para mim.
Súbito estendi as mãos para tocar a face que se afigurava diante de meu rosto e tudo sumiu,desapareceu por completo e na escuridão me vi,instantaneamente só.
Uma dor absurda me consumia inteira e as águas do rio fizeram-se geladas e inertes. Eu não podia mais respirar.
Nadei até a margem do rio,emergi e foi como se deixasse parte de mim sob o leito das águas.
Respirei,sequei-me,prossegui meu caminho,dolorosamente,sem saber que essa dor me acompanharia todos os meus dias.
Na curva da estrada, anos depois,voltei meus olhos ao rio e então compreendi:tinha deixado sob as águas minha alma, a parte mais profunda do meu ser e o que emergira dali era apenas a carne e os ossos,que prosseguiam a marcha de todos os dias.
Mas dentro de mim, a voz do encantamento,ah,essa me acompanharia vida afora em cada segundo em que fechasse os olhos e me deixasse levar pelo intangível e inexplicável silêncio.

domingo, 25 de maio de 2014

Outono no Rio

De todas as estações, o outono me parece a que mais sintetiza a poesia do Rio de Janeiro, em seu estado mais latente.
Venham me falar de verão e cores, corpos expostos ao sol, samba e suor, Rio dos 45 graus, entre trânsito, barulho e, mais
recentemente, tiro, porrada e bomba. Esse é o Rio que os turistas aprendem, muitos com algum esforço, a aceitar, quando chegam ao Galeão , hoje transformado em inacreditável canteiro de intermináveis obras...
Não deve ser fácil mesmo amar uma cidade que lhes recebe de braços abertos na medida em que tenta surrupiar câmeras e carteiras. Verdade seja dita: amar a cidade sendo daqui é ainda mais difícil, acreditem.
Cruzar as ruas estrategicamente desorganizadas para a Copa, aguardar horas pelo transporte público para ir ao trabalho, ser removido de seu lugar de origem em prol de uma urbanidade olímpica que estamos longe de compartilhar não aumenta a paixão de ser carioca. Ao contrário.
Difícil se apaixonar assim, levando um tapa na cara diário da (falta de) segurança pública, cidadania, transportes, assistindo à população carioca, em sua maioria, ser varrida do mapa em prol de uma foto que venda uma cidade perfeita à olhares estrangeiros.(pausa para um profundo suspiro de desânimo).
O fato é que ainda estamos aqui e no caso particular desta carioca, estamos no outono, estação que reflete, na minha modesta opinião, toda a poesia escondida em cada esquina do Rio. Em que outra estação, a luz do sol pode dar tons dourados ao verde dos parques, onde o pão de açúcar se esconde por vezes por entre nuvens, para instantes depois ser iluminado por um raio intenso de sol que vai banhar a enseada de Botafogo, onde as arvores remanescentes das ruas se pintam de amarelo e vermelho e o chão se cobre de folhas que crepitam quando se pisa nelas?
Onde as ruas do centro convidam ao passeio em seus inúmeros centros culturais e há sempre um samba ou choro convidando em cada esquina, sem que o senegalesco calor que nos toma o resto do ano, desencoraje qualquer interação? A verdade é que o outono no Rio tem bossa...
Há uma coleção de dias mais frescos, uma certa chuva ocasional que esfria os ânimos e uma hipótese de inverno que se anuncia, inverno carioca, diga-se de passagem. E enquanto caminhamos por entre a improvável garoa, um aroma caramelado de pipoca ou amendoim pode tomar as ruas da Praça quinze e as livrarias próximas parecem abrir as portas estimulando uma visita...
É preciso estar suficientemente distraído para compreender a atmosfera poética, quase dramática, das construções históricas das ruas do nosso centro, entrecortadas por bares centenários e emolduradas pela Baía de Guanabara que se avizinha...
Nas mesas, quase sempre, o indefectível Chopp e petiscos variados, talvez um café e livros para alguns e o hábito do compartilhar a cidade que só o carioca tem...
. Se olhar em redor, há muitos celulares em punho e nem todos são de visitantes ocasionais.
É que nós, que somos daqui, não perdemos o insistente hábito de mostrar ao mundo o quanto (ainda ) é linda a cidade em que moramos...E a chuva, quando não exagera a dose, parece dar ao centro um ar meio londrino, bucólico, ainda que na esquina a barraquinha de churros e o vendedor ambulante de água de procedência suspeita nos lembre continuamente do lugar onde estamos...
A atmosfera de outono, seja no Centro, nas ruas de Santa Teresa ou nas proximidades do Aterro, nos jardins do MAM e no Pão de Açúcar, parece dar ao carioca, ao menos os que, como eu,tem um pé na melancolia, um bom motivo para se reapaixonar por sua cidade, ao menos nos fins de semana.
E por entre doses de café e as páginas de um livro, ainda persistem resquícios de poesia em que se acreditar para enfrentar o intenso e tenso cotidiano.

quinta-feira, 22 de maio de 2014

Dançar

Dançar.
Elevar teu corpo a um estágio superior de consciência;
Liberdade.
Pisar o chão das tuas emoções e misturá-las a esmo,enquanto experimentas o apogeu da euforia e da sensibilidade.
Sentidos.
Girar as saias ao infinito,por entre luz e sombra, enquanto as mãos tocam a superfície intangível do céu.
Vento.
Abrir os braços e abarcar todo o universo, no movimento leve e cadenciado dos pulsos e mãos que giram continuamente.
Reunir todas as células do organismo para alcançar poucos segundos de êxtase.
Vida.
Fragmentar o tempo no compartilhar dos instantes de tua respiração.
Alma.
Erguer-se em meio ao caos cotidiano e mergulhar no tecer de experiências nunca antes imaginadas.
Sonho
Alcançar a nota perfeita,enquanto cada parte de si atinge o esforço máximo até conseguir tocar o impalpável,
o efêmero instante de silêncio ,no intervalo da música, em que o ritmo,entretanto, prossegue.Ele não está nas notas.
Esconde-se, imprevisível,nos limites do imponderável, enquanto te lanças ao salto no espaço entre um passo e outro.
Ser.
E enquanto a mente permanece alheia à razão, a alma se multiplica em nuances difusas e o corpo se desloca em movimentos sinuosos,vertiginosamente, que vão propor um balé por entre as luzes da sala de dança,ao passo que permaneças continuamente em busca do movimento exato.
Perfeição.
Na combinação justa de si ao outro, não há espaço para a falha.
Todo o movimento,todo gesto cabe dentro do exercício abstrato, eterno, de ampliar o sentir, por entre giros e braços que não param de mover-se ,
traçando linhas invisíveis,por onde a teia da arte emaranha a todos nós.
Ali,no entremeio entre o início e o fim das aulas, depositamos uma a uma nossos melhores bocados de magia, dispostos no colorido das saias, nas rosas que se prendem nos cabelos soltos, nos véus e leques que se abrem continuamente.
São nossas almas que se abrem ao sonhar coletivo,que faz da dança um compartilhar de vivências e torna o estar ali uma necessidade física,quase como respirar.
Enquanto dançamos, somos movimento e cores.
Vamos além da morte,tornamo-nos luz.
É preciso ter coragem para dar o primeiro passo,em direção ao escuro e vazio de nossas incertezas.
Mas ao jogar a alma no mover-se contínuo,não há mais espaço para dúvidas.
Estamos ali, inteiras,infinitamente.

domingo, 27 de abril de 2014

sobre nós

EU

Que a forca do encontro inesperado não me impeça de caminhar em direção ao sol
que o medo da dor não paralise minhas pernas na angústia de acelerar o tempo
no compasso das horas intermináveis.
Após anos de escuridão e frio, súbito a janela se abre por sobre todas as coisas
Ainda não é possível atravessar a portas, mas restam violetas sob o peitoral da casa
para onde corro,celeremente,na ânsia de vivenciar o que antes me escapava do controle
Mãos vazias,vento no rosto,cada passo em si encerra uma infinidade de significados,
tão incertos quanto irresistíveis.
Negar é contrariar o sentido pleno da existência, é tornar à escuridão da caverna,
onde jaz ao chão meu relicário de lembranças, esquecido quando da decisão de ficar novamente de pé
Sair da inércia é enfrentar a luz demasiada e o medo do desconhecido.
mas também sentir o ar de outono no rosto e o toque das mãos, magicamente entrelaçadas como se sempre o fossem..
E ao fundo, o latejar constante do tempo,a conferir urgência ao caminhar....
Só ha uma direção por onde seguir,nenhuma outra escolha a fazer,
A luz só reside em um lado da caverna....
É preciso confrontar-se com o frio, na espera do contato do outro,
ainda que seus passos caminhem em ritmo lento...
É preciso compreender o diálogo como o exercício do conflito,
onde o sentido da linguagem desconhece a voz,
abrigando-se ao contato da pele,conjugado ao infinito...





Tu


Anda....
teus conflitos internos,tuas pequenas certezas,tua máscara de força
Dizem tão menos do que tua alma, que grita no vazio,enquanto tuas pernas caminham para longe
Não é preciso estar pronto para abrir as janelas..ousa.
Enfrenta o exercício doloroso da luz e sente o vento em teu rosto.
Arrisca caminhar para frente, pois o medo que te pesa será teu companheiro independente de estrada que escolha.
Segue apenas para frente,tuas mãos vazias,onde não cabem armaduras.
que a tua fragilidade seja a tua força, mas tua vontade de voar se encarregará de mostrar o caminho.ousa.
Não é preciso ter certeza para seguir a direção do sol...
Respostas são desnecessárias ,visto que as perguntas sempre irão mudar...
Caminha...
Esqueça teus nãos onde não os possa encontrar....
Para a frente é a direção do sentir...Anda..
Perpetua tua existência na fragilidade do ser...
Que tua beleza seja simplesmente não ter certeza..
Arrisca o mergulho,fecha teus olhos,não é preciso enxergar..
A alma sabe o caminho,sempre...



NÓS

Na fluidez do imponderável encontro tua mão estendida, à revelia de tua vontade
Sonho...
Caminhamos em passos distintos mas somos levados à mesma estrada onde nos aguarda o sol
Onde o destino tece em linhas invisíveis a imagem de nossa respiração
E onde a certeza já não reside,nos limites da fé,o sopro da palavra que não foi dita aguarda ...
É ali,no intervalo do não ,onde te espero, ainda
enquanto desenhas tua existência com teus melhores pinceis....
Mas são infinitamente mais belas as cores que escondes,na incerteza dos teus passos...
Não vês que caminhas a esmo,que a direção não importa?
Real,somente o vento que insiste em soprar e o laço invisível , na penumbra do Se,
percorrendo distâncias longínquas...
É ali,na curva do tempo em que estamos os dois,frente a frente,mãos dadas...