domingo, 28 de junho de 2015

Nordeste

Nessa terra tão amada, de um amor doloroso e calmo que se faz eterno, me perco pra me encontrar,sempre.. Terra de som e cheiros, de mãos que trabalham e cores que dançam na minha retina, de culturas múltiplas,que batem no rosto como um desafio de repentista... Mesmo que eu vivesse mil anos não conseguiria descrever .... Na trama dos teus dias,milhares de rendas e fitas enfeitam casas e pessoas, bordam amores,encontros e desencontros de gente que vem de longe pra enterrar os pés na tua areia,nas tuas aguas verdes,sentir o vento limpar cada grão de poeira da alma... Quem me dera acordar todos os dias e assistir da janela tuas danças,teus bonecos de barro, tua gente que me sorri a cada esquina onde os sotaques e as palavras se misturam e me encantam , me chamam à praça,pra ouvir as músicas e versos,me demorar nos mercados e nas igrejas,ver as fogueiras que se armam sob o brilho das bandeirinhas e saias que giram,furiosamente.. Quem dera girar eu também, no meio da rua,enquanto passa o Maracatu... Resta a nós,os que não são daqui,observar encantados, na ansiedade de tomar parte, ,a evolução dos grupos,vozes e corpos que preenchem o peito, gravar no coração um pequeno fragmento de sonho e voltar pra casa, com a promessa de voltar em breve..Resta a poesia, que "não está nos versos, por vezes ela está no coração, e é tamanha a ponto de não caber nas palavras."Jorge Amado

terça-feira, 16 de junho de 2015

Sob os olhos dos outros ou: o que voce vai ser quando crescer?

Acordando de um sonho em que eu era chef de cozinha (quem me conhece, sabe que essa não seria uma opção muito legal. Pros outros) e logo me lembrei de um texto por aqui em que um menino pedia aos pais uma festa de aniversário em que o tema era a coleta de lixo e os garis. A reportagem denota grande ar de surpresa na escolha da criança, principalmente por parte dos garis, convidados VIP da festa. Como era possível em que um mundo com tantas representações mais nobres para heróis(como os populares médico,bombeiro,etc.) esse garoto escolhesse, preferisse, tivesse prazer em estar cercado por quem executa o dito “mais humilde”(assim mesmo , com mil aspas) dos serviços? E então me veio à cabeça uma série de fragmentos de discursos sobre escolhas profissionais ouvidas desde minha primeira infância. Não por acaso, sou filha de médicos e obviamente ouvi de muita gente (menos dos próprios, graças a Deus) por que diabos não escolhia o mesmo caminho dos meus pais?Não me encantava salvar o mundo através do meu conhecimento e de minhas mãos?Sim, me encantava. Sempre tive um orgulho desmedido de vê-los chegar muitas vezes usando os clássicos jalecos brancos, envolvidos em tarefas cotidianas em que a vida de muita gente estava sob o foco de suas decisões ou cuidando de grande parte de família. Apenas sempre percebi, desde os primeiros anos de idade, que intervir materialmente no corpo alheio não era para mim. Meu material sempre foi o simbólico. Fora o pavor de sangue, lógico, havia outra causa que me convocava, desde as primeiras histórias contadas pela minha mãe: a luta para combater a injustiça. Não por acaso ela sempre punha músicas de Caetano, Chico e Milton e me contava através delas uma infinidade de estórias sobre a história brasileira.. Sempre me pareceu bárbaro que houvesse um tempo em que não se pudesse cantar, não se pudesse falar e, supremo castigo, não se pudesse pensar. Estava criado o vínculo que fez com que desde muito pequena eu buscasse respostas às infinitas questões sociais que nos cercam e escolhesse, ainda que inconsciente, meu caminho profissional. Não foram poucas às vezes em que ouvi que deveria ser engenheira (porque fizera segundo grau técnico no CEFET), ou médica (porque meus pais eram médicos), ou mesmo advogada, para lutar pelas injustiças sociais. Não foram raras também situações em que minhas escolhas foram rechaçadas por incautos, pelo expediente de que ciências humanas não seria um modo digno (financeiramente falando) de sobreviver. “-Mas você não quer ser medica?”, diziam, perplexos... Não, não queria. E era plenamente apoiada pelos meus pais.Quando o assunto descambava pra arte então, tornava-se pior. Porque infelizmente, dada à conjuntura econômico-político-social-ideológica-preconceituosa nacional, ser artista, ops, fazer arte é hobby, reservado para uns poucos escolhidos, financeiramente saudáveis, com efeito. Para o restante, sobram as profissões com “algum futuro”. É impossível não lembrar da quantidade de vezes em que se falou que uma ou outra carreira estava morta, superada, (caso dos cineastas na Era Collor), da arquitetura ou do jornalismo na atualidade. Nesse cenário, reproduzem-se infinitamente os discursos, paternos principalmente, sobre o caminho que a pobre criança vai trilhar profissionalmente. Já assisti, chocada, crianças de seis e oito anos serem confrontadas com “vestibulinhos” (que conseguem ser ainda mais estúpidos que os vestibulares normais) e cobradas como adultos pela sua performance. Mais do que isso. Sob a desculpa de ajudar, muitos criticam as opções dos filhos, incitando-os a escolherem algo que “dê dinheiro”, fugindo da arte e do magistério como o “diabo foge da cruz”. O resultado são profissionais frustrados, encerrados em seus escritórios-consultórios-fábricas sem terem acesso ao indescritível prazer de fazer aquilo que se gosta, esperando pelas férias para poder vivenciar um cotidiano mais saudável e sonhar com a aposentadoria para, finalmente, voltar aos hobbies que tanto os fazem felizes. Conjuntura econômica influencia?Perfeitamente. Porém, sobretudo há representações que são cotidianamente coladas aos discursos do outro e que podem acabar, dependendo da sensibilidade alheia, gerando frustrações e infelicidade. Afinal, quem nunca ouviu falar daquele fulano, ou daquela fulana que largou tudo e foi rodar o mundo em um barco, em uma bicicleta, vendendo flores na praça ou coco na praia? Difícil esquecer nesse caso de uma conversa que tive com um vendedor de cocos que trabalhava perto do MAC (Niterói). AO me entregar o coco ele me disse (sorrisão no rosto): tenho o melhor emprego do mundo. Apontando para a magnífica praia de Boa Viagem ele continuou:- olha o meu escritório, olha minha paisagem diária. “Quando chego a casa, minha esposa nem consegue me aborrecer”, concluiu, me dando uma lição pra toda vida. Seu emprego não só lhe dava prazer,mas fornecia o necessário para que pudesse viver.Dava prazer e paz de espírito.E quantos de nós podem se orgulhar de trabalhar com paz de espírito?Muitas vezes transferimos para nossos filhos e crianças próximas as neuroses que ouvimos durante a vida, incitando-os a abandonar supostos “hobbies” por falta de retorno financeiro ou reconhecimento público. E criamos adultos infelizes. Pior:estimulamos os pequenos a competirem, enfrentando concursos desde muito pequenos, ensinando-os por tabela que precisam se destacar, serem vencedores, para sobreviverem.Esquecemos que, em algum lugar remoto, dormem as bailarinas, pintores, astronautas, artistas de circo, caminhoneiros que quisemos ser e alguém (sempre bem intencionado. #soqn) ou nós mesmos desconstruiu a marteladas de “bom senso” e “praticidade” em nome de um status, um nome, uma placa a exibir ao mundo. Não recordamos que primeiras bailarinas, artistas de sucesso, cientistas ou qualquer profissional feliz com suas escolhas enfrentou provações, derrotas, portas fechadas e narizes torcidos. Não queremos que nosso filhos sofram. E os condenamos a uma infelicidade pior, porque cotidiana, amparada em uma série de pequenas satisfações que nos afastam de nossa essência, daquilo que somos e queremos fazer. Sobram os discursos sobre concursos, empregos, realizações materiais dos rebentos, exibidos em prosa e verso por pais orgulhosos, que se desmanchariam talvez se, em vez de perguntarmos o que fazem seus filhos,perguntássemos:estão felizes?d verdade?Vejo ao meu redor poucas pessoas realmente felizes com suas escolhas, seu cotidiano e sua vida profissional. Fora todos os percalços e dificuldades pelas quais todos nós passamos, sempre há o momento de mudar de vida e, torrnando-se surdo a qualquer rotulo ou julgamento alheio, seguir o caminho que nos faz felizes. Infelizmente, aos 18 anos, quando começamos a amadurecer um bocadinho para escolher, somos confrontados com um sistema de acesso ao ensino superior cruel, injusto e que em nada prova nossas capacidades. E precisamos sobreviver. Ninguém nos conta do imenso intervalo que haverá entre as 8h(início do expediente) e as 9h do mesmo dia de trabalho, onde todo o cansaço,o desânimo e a frustração de nossas escolhas baterão à nossa porta e teremos vontade de sair correndo.Naquele momento, ainda que empoderados do melhor contra-cheque, estamos sós. É nesse momento de silêncio que precisamos ouvir aquilo que somos e termos a coragem de fazer escolhas. A meta não deve ser uma cobertura duplex ou um carro do ano (ainda que isso faça feliz um bocado de gente), mas o sentimento de fazer um bom trabalho, coerente com o que somos e acreditamos, em uma rotina onde o tempo não pese em nossas costas, ele simplesmente passe. Um trabalho onde o cotidiano não nos golpeie no estômago quando pensamos o que poderíamos ter sido. Sempre estamos sendo. Sempre é tempo de ser outras coisas.Que possamos ter em mente como meta o sorriso do vendedor de cocos de Niterói em toda sua sabedoria e digamos um sonoro NÃO a todo aquele que pretender julgar nossas escolhas profissionais.Que saibamos que a meta tem que ser , impreterivelmente, a felicidade como realidade cotidiana e que levemos esse ensinamento a nossos filhos, dando-lhes autonomia para buscarem de algum modo aquela deliciosa e rara sensação de estar no lugar certo, fazendo o que se gosta, sendo o que se é.

quarta-feira, 10 de junho de 2015

Breno

Pense num publicitário cujo job do dia consistia na criação de uma campanha para divulgar em amplas mídias o lançamento da nova coleção da marca de tênis XYZ. Durante toda a semana foram realizadas diversas reuniões exaustivas e hoje, com o material impresso e os veículos escolhidos, o publicitário se sente feliz por ter feito um bom trabalho. Próximo dele, o vendedor de sapatos volta hoje para casa com as costas e pernas cansadas de andar para cima e para baixo na loja, carregando caixas e caixas de tênis. Principalmente depois da divulgação da nova campanha da marca XYZ, ficou difícil ter um momento de descanso, quando clientes adentram constantemente à loja, munidos de seus cartões e muita vontade de levar para casa o novo tênis da XYZ. Com isso, apesar de toda correria, o vendedor se sente bem ao sair do trabalho, consciente de que fez o seu trabalho o melhor possível e, talvez no fim do mês, consiga ele também levar para casa um par de tênis XYZ. Um dos clientes mais costumeiros do vendedor é um estudante de engenharia de produção, cuja semana foi totalmente preenchida com um projeto que visa reduzir o desperdício de tempo nas linhas de produção de empresas de tênis, visando aperfeiçoar custos humanos e de materiais. Após uma serie de cálculos, o grupo de estudos conseguiu reduzir os postos de trabalho em 35% e o tempo de produção em 45%,um feito! Por essa razão, o estudante se sente feliz e pensa passar no shopping para comprar dois pares de tênis, para ele e para o irmão, porque os dois adoraram a última campanha da XYZ e todos os amigos já compraram o seu. Consciente de que fez um bom trabalho, o estudante vai até a loja adquirir seu par. Assim como esses profissionais, muitas outras pessoas, no exercício pleno de suas funções, fizeram um bom trabalho para que a campanha de tênis da marca XYZ utilizasse amplamente os veículos de mídia e atingisse grande parte da população, novos e velhos, pobres e ricos, mulheres, homens e crianças. Entre eles está Breno, um menino de seus oito anos, cuja tarefa neste dia era ficar sentado, na porta de uma grande pizzaria do shopping, munido de um copo vazio de mate cheio de moedas, as quais ele conta e reconta repetidamente. Apesar da barriga vazia, o que Breno deseja não é um prato de comida. Longe disso. O que o menino quer é um tênis XYZ. Por essa razão ele empilha uma a uma moedas no chão, contando-as para ver se consegue chegar ao valor do produto desejado. Quem passa por ele dificilmente o enxerga, tão pequeno é. Alguns, poucos, param para conversar e saber por que afinal um garoto tão pequeno está no meio da rua a essa hora. Talvez mesmo o publicitário, o vendedor e o estudante tenham-no visto, no seu caminho de ida ou volta da loja. Também Breno viu a campanha da marca XYZ e tais foram os efeitos da mensagem em sua cabeça que esqueceu a fome, esqueceu o valor do produto,esqueceu que provavelmente o segurança do shopping vai rapidamente convidá-lo a se retirar assim que o vir e que o vendedor talvez não o deixe entrar na loja mesmo que ele tenha conseguido acumular em moedas o espantoso valor do tênis. Se Breno estivesse portando uma faca, entretanto, muita gente passaria a vê-lo, com medo e raiva, pedindo que fosse preso, clamando por uma punição mesmo que o crime não tenha sido cometido. Afinal, qual é o trabalho de Breno, qual sua função numa sociedade pautada no quanto se pode consumir?Sua função é desejar, é sonhar com o que vê e acreditar que em algum momento vai conseguir materializar seu sonho através do seu trabalho. E quanto a nós, o que podemos fazer a não ser não enxergá-lo, não perguntar o que faz na rua, nem sequer perguntar seu nome ou então,quando o fazemos,cheios de culpa e lágrimas nos olhos, esvaziamos os bolsos em busca de todo dinheiro possível, como se aquelas poucas notas pudessem minimizar o fato de que Breno, para muitos de nós, não existe, em suas ações e desejos?Não enxergamos seus olhos perscrutando as vitrines coloridas, não observamos suas mãos contando suas moedas, não sentimos seu medo de que alguém venha e roube o que já adquiriu, ou que o machuque e expulse dali. Pensamos apenas em nossos trabalhos,em nossas certezas,em nossas próprias dificuldades..Meninos como Breno há aos milhares em qualquer esquina,assim como publicitários,estudantes, vendedores e muitos outros profissionais, cada um com sua trajetória,desejos e dificuldades. O que torna Breno tão próximo dos personagens anteriormente descritos é que ele também deseja comprar o par de XYZ através do seu trabalho. O que o torna único é que ele tem apenas oito anos.Qual é o peso que podemos dar a alguém que deseja o que não pode ter?Qual a escolha fará Breno quando for maior e não despertar mais a piedade alheia, mas o medo e continuar desejando o que não pode ter?Ou pior, qual escolha faremos por ele?Além disso, a principal pergunta, a que martela em todo aquele que se permite ver uma cena como essa é: qual a parcela de responsabilidade que temos nesse fato e o que fazemos para mudá-lo?Essa infelizmente é uma pergunta sem resposta. Enquanto isso, no tempo que demoro escrevendo, eu também profissional, jornalista, consciente de que faço o meu trabalho tornando pública essa história, Breno já saiu de onde estava. Caminhou para casa,para a loja,não posso precisar. Sua imagem, entretanto, empilhando suas moedas no chão movimentado de um shopping Center, vai me acompanhar para sempre. Isso não muda a vida dele,infelizmente,mas talvez possa,de alguma maneira,mudar a nossa.

terça-feira, 26 de maio de 2015

Sobre o tempo do sim...

Às vezes a melhor forma de dizer eu te amo é em silêncio...
Em vez de mãos entrelaçadas, palmas que se estendem, vazias, para tocar o infinito. Em vez de abraços, um suspiro profundo, que fica preso na garganta e emudece a fala.
Para conseguir enxergar o amor de forma plena, é preciso fechar os olhos e postar-se silenciosamente em espera.
Enquanto isso é preciso tecer os dias, um a um, fazendo-os únicos.
É preciso regar as flores do teu jardim e tirar a poeira do teu coração
Pinta tuas telas, enche tuas mãos da tinta dos teus dias e reserva um momento para se comunicar com teu interior...
Escreva teus poemas, sonhe teus filmes, mergulha inteiramente em ti. Conhece-te como se dessa tarefa dependesse tua vida...
Quando a dor vier, chora o instante necessário para aliviar o peito e prossegue continuamente em teu viver.
Em algum momento, subitamente, uma brisa suave percorrerá os cômodos da casa abrindo portas e janelas e deixando entrar a luz.
Sem pedir licença,ocorrerão passos no corredor..
Será preciso postar-se mudo,em estado de encantamento e aguardar que seja feita toda a caminhada.
Só então,abertos os olhos, o peito repleto de uma felicidade sem igual, acontecerá o milagre da tua chegada...

domingo, 17 de maio de 2015

Dança!

Faz da tua dor respiração...
Com um leve movimento das pernas,ergue-se do chão, tira a poeira da alma e enfrenta o silêncio...
Atreva-se a não buscar mais respostas, deixa que elas venham no tempo certo de tudo...
E dança,dança como se tua vida dependesse de cada movimento de braços e pernas até o ponto em que o corpo não suportar mais e explodir em uma felicidade quase infantil, feita somente para existir,sem questionamentos ou dúvidas..
E então,quando as cores voltarem ao teu rosto, o peito for invadido pelo descompassar das batidas do teu coração e a tristeza já for apenas mais uma companheira de estrada, atreva-se a girar mais uma vez suas saias em direção ao infinito....E voa...


quinta-feira, 30 de abril de 2015

Das borboletas...





Das borboletas da alma que insistem em por vezes invadir a modorra cotidiana e fazer a luz bater subitamente nos olhos, chegando a cegar...
Por mais que se tente fugir,o silêncio se impõe e é como se cada imagem, cada detalhe mais insignificante da trama diária de tarefas se tornasse imediatamente mais nítida...
Ao martelar incessante do relógio,impõe-se um ritmo novo,pausado, como um suspiro profundo ....
E as pernas, tomadas de um novo impulso, caminham até o jardim.
É la onde elas reinam,coloridas,leves, senhoras do sol,batendo continuamente as asas,atraindo olhares ávidos de sonho....
E quando as mãos,encantadas,tentam tocar a beleza das cores diáfanas, elas,inadvertidamente,partem para outro lugar,pousam em uma ou outra flor,sem dar tempo aos olhos para se acostumarem...
às vezes,poucas, elas sobrevoam os sujeitos suficientemente distraídos para conseguirem enxergá-las..
Em rasantes profundos, prendem o olhar, fazendo-nos caminhar insanamente pelo jardim, tentando retê-las.
Pisamos gramas,tropeçamos nas pedras, e assim,sem avisar,elas voam,definitivamente em direção ao céu, deixando em nossos rostos o sorriso bobo de ter por poucos segundos contemplado uma forma de magia profunda e mantendo na alma um estado de graça que vai impedir-nos de voltar ao cotidiano por um longo tempo..para isso foram feitas as borboletas..

quarta-feira, 15 de abril de 2015

Sobre o amor..

Sobre o amor ou All Things Must Pass

All things must pass

Me ocorre ver, aqui da minha janela, fragmentos de historias que acontecem cotidianamente.
Encontros e desencontros, palavras que se escondem por entre intenções mal formuladas,silêncios que libertam e,sobre tudo isso,o tempo,inexorável, independente de lágrimas e dores,que vai invariavelmente corroendo as certezas,uma a uma…
A cada mover das engrenagens, cabe um suspiro dentro do peito de quem espera e todos invariavelmente esperamos por alguma coisa,por alguém… Há sempre um não que foi dito meio que à contragosto, um talvez que não foi ouvido,na espera do sim…
Estamos sempre com pressa, distraídos em nossos medos e pretensamente protegidos por nossas máscaras para apreciar o quanto somos continuamente confrontados pelo outro.
Seja no cruzar de olhares, na intensidade de um encontro, há sempre o momento do sim e de mergulhar nesse universo desconhecido que é o interior do que nos é estranho.
E como ele é encantador,visto do nosso ponto de vista,mas também assustador.
Não conhecemos suas engrenagens e principalmente seus tempos.
Não sabemos qual a duração de seus ciclos e qual a palavra secreta que interrompe o sistema de defesa e joga ao chão todas as máscaras.. De repente, o que é estranho,distante,desconhecido, se torna transparente,frágil. Nu.…
Se estamos suficientemente distraídos,o instante do encontro nos fragiliza também e nos convoca a estender as mãos para tocar o outro,percebê-lo em seu caráter único…
Na maioria das vezes porém,estamos preocupados preparando nossos discursos,nossas roupas e maquiagens mais perfeitas,para sermos amados em toda nossa perfeição.
E nos esquecemos que o tempo do outro é diferente do nosso…
Quando vemos, todas as barreiras foram colocadas em seus devidos lugares e as máscaras reposicionadas no lugar original…
E o tempo,como senhor da vida, sentado a um canto calmamente a ajustar suas engrenagens para amanhã ou para nunca mais….
É quando,súbito, ouvimos o doloroso barulho das horas, corremos até o outro e, em desespero o sacudimos, buscamos arrancar-lhe da pele todas as suas armaduras novamente..
Gritamos em vão.
Nossas lágrimas não lhe farão mossa.
A dor da certeza - que nos rompe o peito dilacera a carne e os ossos e nos faz desejar a morte - é imune a qualquer ação…Não passará.Rompeu-se o encanto do silêncio e a descoberta do nós….
Estamos de novo sozinhos..
Em vão bateremos à porta, lançaremos nossos corpos em outras direções…
Não será suficiente.
O instante em que o outro se abre a seu contato permanecerá latente na maior e mais cruel armadilha do tempo:a memória…
Através dela,a cada momento os ponteiros do relógio nos lembrarão do que não foi e do que não fizemos…
E então,tomados do mais profundo desespero, quando a dor já se fizer amiga e nos permitir respirar,em um breve instante de distração, pode ser que aconteça,um dia qualquer, ouvirmos de novo o silêncio, por sobre todos os demais sons e voltarmos nossos olhos ao canto esquecido de nossas lembranças.
E pode ser que encontremos uma outra mão estendida, que será sempre outra mesmo que seja a mesma de tempos atrás..
O tempo se encarregou de mudar os códigos de defesa e transformar as máscaras…
Logo, mais atentos e ainda machucados pelo tempo de espera,pode ser que consigamos novamente o milagre do encontro….
Pode ser que, emocionados pelo retorno da possibilidade,fiquemos o resto da vida contemplando aquela aparição.
Tudo pode suceder...
O que mais nos restaria fazer, feitos de carne e sonhos que somos,além de buscar o intangível, inexplicável instante imponderável do sim?
É preciso manter a alma desnuda, frágil, exposta,para permitir-se vivenciar tal experiência e tal ação torna absolutamente inviável a vida prática tal qual a conhecemos…
Mas como negar-se,como fugir, visto que, na imensidão do encontro está o componente fundamental que nos faz humanos?
A essa pergunta,o tempo, embora saiba a resposta,apenas sorri, superior…
E prossegue,perene, a ajustar indefinidamente o compasso de seus ponteiros..
Enquanto isso, aqui, da mesma janela onde observo,ouvem-se passos no corredor…Largo a caneta,caminho até a porta e ouço,incrédula e dolorosamente,o inevitável silêncio que se impõe por sobre as engrenagens do relógio,convidando,novamente ao ˜se˜...

sábado, 4 de abril de 2015

reticências...

Nao posso impedir que o sol entre por sobre todas as coisas e transforme em nuvem a poeira que cobre os moveis..ainda que se possam ouvir ao longe lamentos e gritos e dentes que rangem,aqui dentro sobressai a música. ...acima dos punhos cerrados, resistem as maos dadas,sem qualquer razao aparente... não sao necessárias palavras.ainda nao..por hora, apenas o sim.

quinta-feira, 19 de março de 2015

Inesquecível

Inesquecível Na ruptura do tempo as horas escolhem a vida Os caminhos levam ao não E o medo constroi os muros Para onde direcionamos nossos olhares na ânsia de voar. Há tanto a dizer, mas a música toma o espaço E constroi os diálogos Na cadencia da leveza que o momento exige A única saída é se deixar levar. Elas não buscam fugir ao encontro Caminham até o meio do salão São mulheres ou são meninas Na busca incessante de si? E no segundo em que os corpos dançam E as mentes voam O súbito dialogar do sentido Constroi uma ponte entre cada uma delas Mãos dadas, cabelos que voam, Olhos fechados para enxergar o real. Elas vivenciam mais do que apenas um momento entre o Sim e o não Compartilham o tempo na dolorosa tarefa de existir Sentem a dor do vivido Mas não se curvam ao silêncio Caminham por entre dúvidas, Mas já enxergam além do que se pode tocar São mães, meninas, mulheres, irmãs Sua trajetória ainda não se pode precisar E quem poderia dizer que não tem razão? Caminham juntas, na estrada do tempo, imponderável, indefinível, inesquecível. novembro,2011

Utopia

Sobre todas as notas permanece o silêncio que nenhuma significação seria capaz de preencher.não há sentido ou explicação possível.Explicar como, se não há forças capazes de fazer o vento deixar de bater na janela e o escaldante verão tornar-se subitamente uma tarde leve de domingo? Ao mínimo contato os olhos se fecham e o corpo é tomado por um contentamento quase sem querer. Já são os braços que se abrem, enquanto no rosto, imperceptivelmente, surge um breve sorriso.
O que se há de fazer se, inesperadamente todos os fatos e horas do dia são automaticamente jogados ao chão e todas as certezas riem de si mesmas enquanto vão uma a uma negando-se continuamente?
Na mesa da sala restam os livros abertos e no computador o cursor pisca teimosamente,buscando a complementação da frase que ficou na tela...Mas é só olhar lá fora e ela esta ali, no meio do jardim de suas próprias esperanças,esticando os braços em direção ao sol,girando insanamente enquanto a musica ecoa em seus ouvidos.
Que importam títulos, aprovações, conquistas? Ela trocaria tudo por apenas mais um momento de silêncio em que a utopia batesse à porta e a arrancasse de toda racionalidade.
Quando todos os “porquês” se calam e a poesia toma conta do ambiente surgem metáforas que remetem ao vazio,ao nada... Não é necessário significar, não importa que todos os sintagmas sejam desperdiçados ou que não haja explicação plausível para uma felicidade tão grande que chega a doer, pois que não é feita de fatos,mas de um sentir alheio a tudo.Ela existe e é tudo...Em vão baterão à sua porta, não abrirás.Por hora, restará aqui sozinha, dançando ao som do silêncio que se faz maior porque é só seu...tua boca,tua pele,teus olhos já não te pertencem mais.é toda promessa e sonhos e só sabes dizer “sim”.Enquanto isso as mãos continuam estendidas,tentando alcançar o infinito...
“.. tinha suspirado, tinha beijado o papel devotamente! Era a primeira vez que lhe escreviam aquelas sentimentalidades, e o seu orgulho dilatava-se ao calor amoroso que saía delas, como um corpo ressequido que se estira num banho tépido; sentia um acréscimo de estima por si mesma, e parecia-lhe que entrava enfim numa existência superiormente interessante, onde cada hora tinha o seu encanto diferente, cada passo condizia a um êxtase, e a alma se cobria de um luxo radioso de sensações! “ Eça de Queiroz

domingo, 8 de março de 2015

Sobre a filosofia beijinho no ombro

No dia das mulheres... Sobre a filosofia beijinho no ombro Tenho a sorte de conviver com mulheres maravilhosas. Seja através do que leio ou do que vejo, daqui de onde olho mulheres fazem coisas fantásticas: entram e aos poucos crescem em carreiras antes consideradas masculinas, saem de casamentos em que não eram totalmente felizes e seguem solteiras, desafiam padrões morais e buscam sua felicidade em modelos de relacionamentos de todos os tipos, optam por não ter filhos mesmo com a GRANDE pressão da sociedade, usam seu corpo como bem entendem e sua sexualidade como têm vontade. De alguma forma caminhamos aos poucos para o século XXI. Mas e nós mulheres, entre nós? Segundo estudos das ciências sociais e humanas e apoiado ao longo do tempo pelo senso comum a configuração do mundo pela lógica feminina (ainda no tempo dos Sumérios e até que o Cristianismo fosse definitivamente instaurado no mundo) fazia crer no equilíbrio entre todas as forças (humanas e da natureza) pela ótica uterina, do Sagrado Feminino. Ser mulher, nessa época, era ser uma sacerdotisa em potencial, em contato com os sutis movimentos do mundo, posto que fosse do útero que vinha toda a vida... E de nossas mãos vinham por vezes o remédio que cura, os pensamentos que ensinam e a ideia de que éramos todas irmãs.. O tempo passou e sob as engrenagens históricas muita água rolou por debaixo da ponte. Fizeram-nos pecado e ignorância. Nos recolhemos às casas e às nossas famílias por tanto tempo que só há algumas dezenas de anos voltamos a sair, ainda confusas sobre nosso papel na sociedade, se de mães ou trabalhadoras. Lá fora, tudo estava diferente. Dissseram-nos que devíamos crescer por nós mesmas e guardar respeito por sobre o nosso corpo,pois qualquer coisa que nos sucedesse seria nossa culpa.E nossa sabedoria, fato incontestável provado pela ideia de que ainda éramos nós que gerávamos a vida? Pra muitos, éramos uma parte, não o todo da criação, justamente a parte torta, suja, que deveria pagar a pena de der tido a curiosidade de experimentar o novo, no caso, a “maçã”. Fôramos desacreditadas e nossas mãos femininas, antes próximas, foram separadas, posto que, se éramos responsáveis pelo grande pecado da humanidade, devíamos nos envergonhar daquilo que antes nos enobrecia. Viramos inimigas. Tornou-se costume dizer que não se podia confiar em mulheres, que tínhamos inveja, raiva,mágoa umas das outras, e que uma vez juntas podíamos roubar vidas,maridos,dinheiro. Acreditamos. Passamos a olhar nossos corpos e nossas vidas com desconfiança e a tecer julgamentos pelo comportamento da outra, como se fôssemos todas condenadas a não reproduzir o pecado original que nos fizera cair em desgraça. Vieram os apelidos: piranha, puta, galinha, destruidora de lares, sem vergonha. Sob o peso dessas palavras muitas de nós foram criadas, levando nos corpos o medo de darmos vazão a nossas vontades e pormos em risco a honra de nossas famílias e comunidades. Fiscalizávamos nossos corpos, nossas roupas,nossos rostos....A cada exagero ou exposição éramos publicamente execradas pelas outras, como se cada gesto pudesse reproduzir nas outras uma ideia de desrespeito, que não poderíamos de modo algum permitir Curiosamente continuamos sendo as mesmas: parindo nossos filhos, acumulando sabedoria, formando nossas famílias. A duras penas, penetramos nos centros de saber, ocupamos postos de trabalho, tornamo-nos respeitáveis. Continuamos sofrendo o fardo de nossos corpos e toda a violência de sermos o que queríamos ser: mães ou mulheres que abortam trabalhadoras ou donas de casa, putas ou santas, lésbicas, virgens, infiéis, ateias, gordas ou magras, feias ou bonitas. Era incrível a quantidade de etiquetas que penduramos em nossa pele. Continuamos a vigiar nossos hábitos entre nós, principalmente os sexuais. Afinal, tínhamos que nos dar ao respeito. Mas o tempo passou mais uma vez e sob o manto sagrado da moral contemporânea, nossas mãos começam aos poucos a se entrelaçarem novamente. Convocamos movimentos nas ruas, lutamos pelo aborto, decidimos criar nossos filhos ou não ter filhos, já expomos aos poucos nossos corpos e ousamos retirar, ainda que timidamente às vezes, algumas etiquetas antes pregadas na pele. Ainda há algumas que criam seus filhos para respeitar somente as virgens, ou as que não despem e usam seus corpos como querem. Que julgam os amores alheios pela idade e pelo dinheiro. Que condenam a infidelidade da outra como se fosse a sua própria. Entretanto, um novo cenário aos poucos se configura. Sim, buscamos prazer e conhecimento, respeito e equiparidade. Porém ainda nos dizem que somos inimigas e que devemos vigiar uma à outra e ter cuidado com a inveja alheia. Ainda nos fazem crer que nosso envelhecimento deve ser escondido sob camadas de tinta e que precisamos ser criadas para gerir nossa casa e família, mais do que nossa vida. Ainda acreditamos muitas vezes nisso. Contudo, bem lá no fundo persiste o componente de irmandade, a conexão uterina que não nos faz inimigas, recalcadas, invejosas, mas nos faz irmãs. Somos mães, filhas, amigas que enfrentam os mesmos riscos todos os dias. Percorremos as mesmas ruas com índices de estupro na casa dos 22% a cada 100 mil habitantes, somente dos casos denunciados. Somos 16% dos casos de violência contra LGBT. Conhecemos os mesmos companheiros que nos expõem em vídeos e fotos, ou que se gabam de terem nos levado para cama, isso quando todos sabemos que em sexo consensual ambos vão por suas próprias pernas à cama, ou a qualquer lugar. Nossos corpos, expostos, guardados, apedrejados,mutilados,feridos em abortos clandestinos são os mesmos,temos a mesma essência ainda que sob nuances particulares a cada uma. Enfrentamos as mesmas barreiras profissionais e pessoais, choramos pelas mesmas dores. Não somos inimigas, somos e deveremos ser sempre irmãs, seja no dia das mulheres ou em qualquer outro dia.Estamos, como sempre estivemos, expostas da mesma maneira, independente da cultura ou da condição social. Somos diariamente violentadas pelas mesmas forças.Não nos cabe nos protegermos do recalque uma das outras, mas umas às outras, com nossas mãos fortemente entrelaçadas, pela condição fundamental que nos une:somos mulheres. Bom dia pra nós.. http://magiaerazao.blogspot.com.br/2015/03/sobre-filosofia-beijinho-no-ombro.html

terça-feira, 24 de fevereiro de 2015

A menina e a estrela


A menina chegou à janela...
Queria alcançar a estrela....
Pegou a cadeira,subiu no armário,
espichou o braço.
A distância não era suficiente..
Pegou a vassoura, pendurou-se no lustre
deu três pulinhos,
ainda não conseguiu...
Suspirou, desanimada...Olhou em redor
Desanimou.
Jogou-se na cama,fechou os olhos.Sonhou..
Acordou subitamente,
na hora do sol se pôr....
Lembrou-se do sonho,em cores e sons e então se deu conta:
A estrela estava dentro dela...

domingo, 1 de fevereiro de 2015

as melhores coisas do mundo

Tem quem sinta falta da infância..
Eu sinto falta da adolescência, quando o bullying não pegava mais.
e os amigos estavam ali o tempo todo..
De quando nada era mais importante do que estar junto, de quando as palavras precisavam ser ditas porque eram sentidas...
De ter as mãos vazias e o coração cheio de momentos e palavras
de buscar estrelas,
de esperar chover,
de passar a tarde decorando uma letra de musica, só pra saber...
De passar um dia inteiro sem falar com um amigo e ser muito...
de guardar fotos como quem guarda um tesouro
de não ter medo de amar ninguém...
de se encantar em conhecer gente nova, que fala diferente, vive diferente e gosta da gente ainda assim..
.. E hoje?
Hoje há momentos, há fotos e há palavras..
só não há gente.
Estamos todos atrás de nós mesmos, de nosso cotidiano, de nossas horas, de nosso momento de gloria, de nosso status pessoal, de nossas telas luminosas
Ficamos silenciosos e desconfiados.
Os encontros, que eram espontâneos, agora precisam ser marcados com antecedência de meses.
Viajamos pra longe, moramos longe, estamos longe de tudo e de nossa própria vontade de estar mais perto.
Os amigos estão ali, no primeiro clique. Não damos um passo.
Ficamos no raso, no igual,no mesmo.
Precisamos de afinidades, coincidências, marcações, compromissos.
De vez em quando, uma saudade maior ou o acaso promove o encontro.
Que felicidade, que coisa boa, quantos abraços.
Falamos da vida, lembramos os mortos, trocamos brindes.
Súbito, queremos mais... E então vem os "nãos".Hoje não,amanhã não,talvez em seis meses.
Nas folhas da agenda, esquecemos-nos do encontro, ficamos no "se".
Nossos afetos estão ali, virtualmente presentes, esperando que as engrenagens se encarreguem de promover novamente o encontro....
Enquanto isso o tempo, invariavelmente, passa...
E nossos momentos se tornaram um intenso emaranhado de reticências pontuadas por discursos exitosos..
.Não temos dúvidas, não temos medo, perdemos a capacidade de rir de nós mesmos..
Fizemo-nos desconfiados. Somos sujeitos sérios,afinal.
e infinitamente sós.

terça-feira, 13 de janeiro de 2015

Você

Sinto e a intensidade deste fato me toma como um vendaval. Já bate à porta o tempo e a pequeneza das horas cotidianas e sua infinidade de tarefas... Mas é cá dentro onde o corpo permanece, na instabilidade do ser, por entre gestos comuns e palavras absolutamente normais, mas que se multiplicam em infinitos significados... E é a consciência do outro, esse universo enigmático e instigante, que se deseja tocar, estendendo as mãos como se pudessem alcançar tal infinitude. A materialidade de fato reside longe da presença, mas faz-se inexorável no silêncio onde tento compreender o encontro que jamais houve. não é necessário.não ainda.. Por entre silêncios entrecortados de palavras banais reside o sentido oculto que sobrepassa toda razão e se deixa entrever por entre as máscaras da normalidade... É quando os olhos se cruzam e à revelia de toda regra, se constroi um laço, inexplicável e pleno, onde boca, pele e nervos mergulham no sonho, esse sim concreto, posto que escapasse à vontade e às regras mais claras de sociabilidade... E é nesse sonho, lentamente, que me sinto aproximar cada dia mais de você... Em 01/07/2014

sexta-feira, 5 de dezembro de 2014

A dança e a reza

Nesse palco feito de sonhos,os pés cobrem todos os espaços....
Enquanto as mãos seguram os xales,os leques e corações se abrem ao desconhecido.
As cortinas ainda não se abriram e já ouvem-se vozes nas coxias.
Mas quem esta lá fora não adivinha o caos que acontece entre aquelas paredes, permeadas de espelhos e luzes.
Aos poucos, uma por uma,elas vão chegando,espalhando suas roupas e maquiagens, deixando entrever flores e rendas.
Em algum lugar ouve-se uma risada mais alta, um rosto mais tenso,um olhar que se confronta no espelho, examinando-se reflexivamente.
Sobre o pano de boca do teatro, metros e metros de tecido fino,diáfano, salpicado de estrelas sendo pouco a pouco pregadas a muitas mãos, enquanto uma saia solitária gira em reconhecimento ao espaço que logo mais ocupará.
Em outro canto, há frutas, bolos, tortas, todo um sortimento de coisas
como se a festa acontecesse ali mesmo, sob a proteção das paredes.
E é quase um ritual de mulheres que chegam,vestem suas saias e prendem flores aos cabelos..
Nos rostos,um a um,vão sendo montadas as máscaras de sonho,cintilantes, douradas, de modo a não deixar transparecer medo ou dúvida durante o espetáculo.
Já não são mais apenas mulheres, são ciganas, são bailaoras,senhoras da roda e das cores,unidas em comunhão,compartilhando espaço e ansiedade,
vestindo-se de luz e de sombra, cobrindo seus corpos e os das companheiras como se fossem um só..
E enquanto a mulher de longos cabelos prende-os com uma bela rosa azul, outra veste-lhe a comprida saia florida e mais duas cobrem-lhe o corpo com um xale da mesma cor..
No canto da sala, as moças de vermelho ensaiam seus passos,comem suas uvas, agitam suas lindas saias e aquecem todo o espaço que há.
Aqui e ali ,em todo lugar, ocupando todos os espaços,sem parar um só momento, a moça de cabelos vermelhos prende os cabelos,solta-os, troca as saias,muda as flores, come uvas,ajeita o xale e guarda suas castanholas,tudo ao mesmo tempo, sem parar nunca de sorrir.
Há uma atmosfera densa,quase palpável de tensão e de espera,fazendo, com o passar do tempo, com que os rostos por vezes se contraiam e os silêncios se façam mais longos.
E então, imediatamente, há braços e mãos que se juntam, como a compartilhar uma força comum, para vencer o medo e fazer a magia acontecer.
Num instante o primeiro e o segundo sinal tocam,pondo a todos em pânico:faltam apenas alguns minutos para o espetáculo começar.
Os rostos se olham,conferem as saias,ajeitam as flores e sapatos e sobem as escadas que levam ao sonho.
Lá fora,não há espaço para o medo,há brilho e cores por sobre o breu do chão..
É preciso,entretanto atravessar a barreira do não,respirar fundo e mergulhar...
E então,ouve-se o lamento cigano,como uma oração que toma a todos,conferindo gravidade ao momento..
Por um segundo, o silêncio se faz..
.As mãos se unem,as moças se abraçam,ouvem em silêncio,quase religiosamente...
Subitamente, o aviso:o espetáculo precisa continuar...
Xales e leques em punho,segurando cuidadosamente as saias,os pés descalços, é hora de entrar..
No palco, a intensa luz refletindo rostos enquanto as saias giram, furiosamente e as mãos giram,ao compasso da música..
Mãos dadas,as mulheres giram no meio da luz, unidas pelo breve espaço, como se fossem um borrão de cor...
Somente ali, no ápice de suas cores e gestos, no encantamento do bailar encontram a plenitude de suas vidas..
Ali no palco,transformado em espaço de religação, encontram seus Deuses,fazem suas preces por meio da dança, giram suas saias em comunhão com o infinito,
tocam a mais ampla e insuspeitada liberdade de ser.....
Sob os holofotes do teatro a dança torna-se invariavelmente reza,refletida nos corpos e nos corações dos que se movem...
Naquele breve momento tornam-se definitivamente eternas ...

terça-feira, 18 de novembro de 2014

a uma menina de 18 anos..

“-Mãe,quando você chegar tem uma surpresa!Escondi o seu coelhinho e você vai ter que procurar! -mas,Carol,sou eu que tem que fazer isso com você! - mas eu resolvi fazer,ué!” Não faz muito tempo e você já me tomava pela mão e me levava, em vez de eu levar você... Foram tantas vezes que se confundiram os abraços e as mãos que acalentavam, que já não sei mais medir quem dava colo a quem...E eu,que me acostumei, por hábito da vida ou por senso comum, a entender a mãe como a fortaleza, tive que me reconhecer num papel onde os meus 18 anos não se encaixavam ainda...E quando me dei conta éramos só nós duas..É que a força e a certeza não vieram com a maternidade.Ao contrário,demoraram tempo para construir espaço nessa relação tão próxima,quase simbiótica, de duas pessoas que crescem juntas,mas somente a uma delas é dada a tarefa formal de educar...Fico olhando pro silêncio que o tempo sempre instala em datas como essas e algumas cenas parecem dançar diante dos meus olhos.. Nós duas, em uma roda de festa junina, onde por definição você deveria dançar, mas se recusou terminantemente, então me vi obrigada a te levar no colo pro meio da roda,pra que você pudesse participar também..Outra cena:nós duas em festas infantis, você no pula pula e eu na mesa, volta e meia você corria de volta e me trazia um doce...Mais um tempo e já podíamos adentrar os centros culturais,suprema liberdade e eu pude te apresentar a exposicoes de arte,filmes infantis, tinta e papel..Sempre me surpreendeu essa capacidade fantástica que você tinha de inventar tons,misturar cores e criar um arco-íris só seu.. E esse olhar já tão maduro,que me falava com absurda franqueza de impressões e sentimentos que “crianças não costumam perceber”..Será? Enquanto isso os cabelos cacheados cresciam, as pernas e braços se espichavam no balé e na natação,a língua travava com tantas ideias geradas no mesmo segundo, o corpo emagrecia,engordava,emagrecia de novo e um dia vieram os óculos, terrível prova pra você, enquanto eu continuava achando lindo aquele rostinho se transformando na “nerdzinha” que você se tornou... Em um espelho eu via os mesmos livros espalhados pela casa em todos os cômodos, te acompanhando da praia ao shopping, criando caminhos entre você e os personagens e me vi obrigada a conhecê-los também,para poder viajar com você...E juntas,mãos dadas,visitamos Nárnia,Hogwarts, o Sitio do Pica-pau Amarelo,sofremos pelos mesmos dramas, rimos dos mesmos finais...Na sua cama,todos os bichos de pelúcia tinham nome,hierarquia afetiva e eram igualmente mimados por você,até a chegada de um peludo urso,encontrado no fundo de uma prateleira de loja,que virou até hoje seu porto seguro....E os anos foram entrando pela janela,enquanto promovíamos dias de descanso,sem trabalho ou escola, jogadas no chão do quarto assistindo filmes sem parar em meio a pipoca e chocolate..E vieram os temíveis anos da bendita adolescência te fazendo frágil e incomodada.É que talvez tenha se dado conta de que o tempo estava passando e não era mais possível agarrá-lo com as mãos e fazê-lo parar virando as páginas do livro ou fechando os olhos no intervalo dos sonhos...E vieram os 15,16,17 anos ,com todas as responsabilidades que costuma-se jogar por sobre os ombros dos adolescentes e toda a angústia que resta a nós ,pais,quando nos damos conta de que em breve o bebê vai estar um pouco mais longe do que os passos necessários para vê-lo dormindo abraçado ao ursinho, ou rabiscando desenhos no chão..Daqui a pouco é a vida, em seus irrecusáveis convites, te levando pela mão, as escolhas cotidianas,os amores,as experiências e uma infinidade de lacunas que não me caberão preencher..Enquanto enxugo meus olhos,volto meu rosto e de repente vejo uma moça,maior do que eu, o olhar cansado das noites sem dormir, milhares de apostilas e livros no chão,tentando decidir a vida,como se qualquer prova ou carreira pudesse definir sua existência..Aqui do meu lado não vejo nenhuma dúvida,no caráter do ser humano que cresceu junto comigo,na inteligência irônica,tantas vezes mais aguçada do que a minha,na sensibilidade e na compaixão que eu ajudei a regar todos os dias...Sua matéria prima será o ser humano,seja na arte,seja na ciência...Seja qual for o caminho, você se encarregará de preenchê-lo de cores e afeto, permeados a um senso de justiça e percepção social que me faz sentir prazerosamente culpada..Minha filha,que orgulho,é uma “subversiva”..hehehe..Mais do que isso, é alguém que voltará sempre seus olhos ao outro,tentando minorar suas dores e a si mesma,tentando expressar no exterior a infinidade de cores que estão dentro de você..De onde estou,cedo à tentação de te colocar infinitamente no colo e me atenho a inspirar mais uma vez esse cheiro misturado de chocolate quente,pijama de malha e sabonete,que toda cria conserva ao longo da vida...Resta a certeza de que esse laço, que se trama desde sempre entre nós duas,vai além da maternidade,é um reconhecer-se no outro como um espelho que mostra sempre a melhor parte de mim..É um afeto profundo,intangível,irremediável,que nos faz correr para perto uma da outra, pouco tempo depois da ultima briga...É um caminhar de mãos dadas, cabelos ao vento, em todos os lugares do mundo que ainda vamos conhecer...É conjugar o verbo amar no infinito,como diria Vinicius e todos os poetas que amamos com a mesma intensidade e tornarmo-nos então irremediavelmente eternas... Amo você

quinta-feira, 23 de outubro de 2014

Mas de que lado você samba?

Já tive medo também....
já acreditei que a segurança pública podia separar o lado bom do ruim, manter em pé os muros que garantiriam minha paz de espírito e a
tranquilidade da minha família e dos que são próximos a mim..Mas foi quando me vi na mira de uma arma, percebi que quem a empunhava era eu mesma..Era meu
medo,classe média e ingênuo,que achava justa a política de contenção, vigilante e punitiva, que determinava as culpabilidades e o lado que cada um podia ocupar no cenário social...Era minha ideia de mudar o mundo através de uma revolução moderna que limitava a possibilidade transformadora , ao delegar ao Estado a tarefa de
reformar a vida das pessoas,enquanto o cidadão seguia bem, fascista e individual,obrigado.
Foi quando me dei conta, há exatos oito anos, de que a verdadeira transformação não estava em um discurso politico, devia residir dentro de mim.
De que adiantava “tomar o poder”, fazer a revolução, se o ser humano continuaria controlado pelas estruturas estruturantes, sem autonomia para decidir o que fazer da sua própria liberdade?
Era preciso ir além e construir caminhos a partir dos quais fosse possível compreender o social como composto de pessoas, todas elas responsáveis pelos direitos e garantias fundamentais uns dos outros.
A cidadania então tornou-se para mim bem inalienável....
Tudo ficou muito difícil a partir daí.Não era mais possível engolir soluções prontas ou pagar a conta de minha própria representação social com meus impostos e crer que o governo que eu mesma havia escolhido faria todo o serviço sujo por mim.Eu também era parte daquilo.
Em cada arma, em cada morte, em cada cela onde se acumulavam corpos,eu também estava ali..
A consciência de ser parte do sofrimento alheio eu já trazia de berço,mas a maturidade faz a dor do outro marcar na própria carne e nos faz perder o sono,quando podemos pensar tudo que podemos fazer para minorar a injustiça e a desigualdade social e não fazemos.
Pior do que isso:nos arvoramos em juízes da vida alheia,determinando quem pode ou não viver e achamos justa a pena impingida ao outro,sem termos ideia do que se passa em seu cotidiano..
Somos atrozes em levantar bandeiras políticas e religiosas para diminuir nossa culpa,pondo na boca de teóricos e doutrinas as ações que nós mesmos escolhemos como certas..
Esquecemos que somos todos feitos das mesmas partes, independente de nossas escolhas. Mas a mesma lógica que nos desumaniza, pode trazer-nos de volta, se tentarmos olhar para o outro como um espelho do que somos e procurarmos caminhos em que exista um só componente: respeito.
Assim fiz e tento fazer todos os dias, embora a vergonha de ver pessoas desejando a morte e a infelicidade de seus iguais por medo ou fundamentalismo religioso/politico ainda me faça tremer de raiva diariamente.
Como é possível não nos responsabilizarmos, como é possível fechar os olhos para o fato de que todos têm direito a cidadania e não somente os que têm mais sorte, “inteligência” ou mais dinheiro?
Como é possível compreender a economia como uma questão de poucos e não um componente fundamental da vida, porque baseada no elemento que nos torna humanos, a comunicação?
Como é possível ainda acreditar em uma visão política que vê somente no voto a saída para a crise mundial, como se a participação política não fosse dever diário de todos?
Como é possível ainda não compreender o radical “comum” como algo que visa o bem de todos, não porque se trata de uma doutrina política, mas de uma forma irremediável de sermos humanos, posto que deva se apoiar no respeito ao outro e assim a si mesmo?
Ainda não tenho respostas para nenhuma dessas perguntas... Não acredito mais que discursos mudem o mundo.
Aqui, de onde estou, mudo todos os dias o que é possível mudar com o que tenho em mãos:a mim mesma.
Se, por um lado, afasto-me de todo discurso do ódio, pela necessidade de preservar minha saúde mental, por outro, ainda acredito,ingenuamente talvez,que há meios de fazer com que a consciência de si como parte de um”nós” possa em alguma medida transformar as pessoas.
É preciso sensibilizá-las para este fato, fazê-las mergulhar no essencialmente humano, onde o mal não é o outro, está aqui dentro,do lado de todas as nossas boas intenções..
A verdadeira revolução ocorrerá somente quando todos conseguirmos sentir a dor do outro em toda sua intensidade e nos fizermos parte de sua causa e de sua solução..É um caminho deveras doloroso e angustiante,mas não há atalhos.
É preciso caminhar e exercer todos os dias a tarefa inglória,mas definitivamente libertadora de julgar e reformar a si mesmo.

sábado, 18 de outubro de 2014

Laços...

Laços?
Não tenho laços, nem de sangue nem de compromisso.
Não me amarro a regras, não amo por obrigatoriedade, ou mesmo pro procuração,
bicho desgarrado esse que teima em continuamente questionar o que lhe é dado.
Não cumpro papeis,não obedeço a costumes, sou fruto de minha liberdade.
Não me apego ao que me é próximo, familiar, institucional.
Me apego ao que me cativa,ao que me penetra a alma e me faz querer ser infinitamente melhor.
Me apego ao que me faz sorrir em silêncio ao lembrar de gestos,palavras, momentos.
Meus laços não são de sangue,são de afeto.Por eles mato e morro, me torno definitivamente maior....
Quem me mostra meus companheiros de jornada não são as estruturas sociais,o habitus, ou o cotidiano,o costume das horas ou a genética.
Não amo porque devo amar.
Amo porque reconheço quem consegue atravessar meus muros e se tornar infinitamente eterno.
Amo as redes que se tramam entre as sombras do imponderável,em gente que me faz querer ser a cada dia mais e mais humana.
E eles sabem,sabem que são.
Sabem quem sou.
Reconhecem minhas luzes e sombras e me amam apesar ou por isso...
Não me jogam pedras.
Aceitam o ser que sou.
Me fazem pequenas surpresas e me provocam uma felicidade profunda apenas quando dizem que em algum momento se lembraram de mim ou quando sorriem e me dizem algo que acham definitivamente a minha cara..
É que eles sabem,sempre souberam,que estão cá dentro e fazem parte desse indefinível e confuso universo que sente e pensa,ou seja : eu.

terça-feira, 16 de setembro de 2014

Uma decisão pragmática

Sempre é tempo de dizer, para os que ainda não sabem, que sim, voto em Dilma para presidente, sem crer em grandes transformações, como é de minha obrigação... Milagres ficam a cargo da religião, convém não misturar.Não creio ser necessário dicotomizar o discurso para compreender que Marina não representa o novo, nem mesmo Dilma. Confesso que fiquei bastante em dúvida sobre as duas, seus planos de governo, prós e contras...Votei 13 ou tive a intenção desde os 11 anos de idade e só quem viveu a eleição de 1989 pode compreender de forma correta o que foi o projeto de país de Lula derrotado pelo neoliberalismo de Collor na primeira eleição democrática do país depois de duas décadas...Não estávamos prontos. Em 2002, depois de eleger a governabilidade como programa de governo, veio a primeira vitória. E começou o projeto de país, como um reflexo fraco do que acreditáramos ser possível em 89.Foram necessários acordos espúrios e negociatas por vezes indignas, para que se votassem medidas necessárias para que direitos e garantias fundamentais saíssem da teoria e fossem para a prática e a mesa de 28 milhões de pessoas.Vou repetir:28 milhões de pessoas. E então veio o mensalão. Não sejamos inocentes, ele sempre existiu em todos os partidos. Mas para alguns, inclusive eu, conosco seria diferente. Não foi.Somente quem consegue compreender o que é o PMDB nesse país pode ter alguma ideia de como funcionam as votações em um congresso.Não se trata de ética, é interesse mesmo. Poucos são os que votam de acordo com o caráter que têm, alias são poucos que podem ser considerados como éticos. O sistema é brutal e envolve crimes prescritos em constituição. Não é jogo para amadores. E onde compreender a participação política num cenário onde a única coisa que se pode fazer é votar?Aí é que esta a questão. Não se trata somente de votar. Primeiro, é necessário entender que cidadania não é somente para quem paga imposto. E vem a grande revelação: todos minimamente pagamos,em qualquer compra que fazemos,seja o dinheiro proveniente de esmola ou de um salário. Portanto todos temos direito à saúde,educação e segurança,conforme os itens mais repetidos nos programas de todos os presidenciáveis.Compreendo que o governo petista não fez nem a metade do que pretendia e asssociou-se a agendas consideradas impensáveis em 1989.Faltou coragem?Talvez. Mas antes de pensar em como seria um governo sem alianças, pensemos em uma reunião de condomínio em que o síndico quer substituir o portão da garagem. Assim, somente isso. Imaginem a quantidade de reuniões, questionamentos, apartes e bate-bocas até que todos compreendam que sim, é necessário trocar o portão para o bem comum, não somente de quem está em dia com o condomínio. O exemplo,tosco,reflete um pouco do que é legislar em um país com sistema republicano, federativo como o nosso. São necessárias inúmeras fases até que um projeto venha à pauta, seja votado e sancionado e aí sim, entre em vigor, ou “pegue”, como dizemos aqui. Acordos são, infelizmente, necessários. Para isso, a velha política continua valendo e assim temos governado até então. Entretanto, há agendas de um projeto de país que se refletem em números, como a posição do país de 2002 para 2014, de 13 ͦ para 7 ͦ lugar. Ou através de um programa como o “Minha casa, minha vida”, ou o “ Luz para todos”. Não, eles não foram obra de só um governo. Foram obra de 12 anos de governo e agendas que compreendem a cidadania como direito de TODOS. Há números e políticas vergonhosos no governo petista, principalmente se pensarmos que muito da ideologia do partido vem, ou deveria vir de conceitos profundamente comunistas, não no sentido que ainda se crê (sim, ainda tem gente que tem medo da cor vermelha, ou acha que eles comem criancinhas), mas no sentido do “ser em comum”, do Estado para todos da mesma forma, com igualdade de direitos, de forma que AINDA não foi implementado em nenhum contexto histórico. Muito ainda há a ser feito ou revisto. Mas há ganhos que não podem ser ignorados. E há um modus operandi do governo petista, não somente do federal, mas dos Estados e prefeitura que AINDA prima pela democratização, mesmo que com falhas e desvios. E é nessa perspectiva que eu ainda aposto, apesar de tudo. Gostaria de acreditar que temos maturidade suficiente para eleger um governo do PSOL e compreender que somos parte de um todo social, participativo, para a qual nossa contribuição política efetiva será solicitada não de quatro em quatro anos, mas diariamente. Mas ainda somos o país onde a religião ou a sexualidade do sujeito determina suas escolhas para a coletividade, onde determinamos o candidato em que vamos votar com base na aparência ou na lógica burra de que todos são igualmente ruins. Ainda não estamos prontos para o voto facultativo, uma vez que achamos que nossas pequenas corrupções, nossas carteiras compradas, nossos pequenos subornos, a morte ,a tortura e a humilhação do outro , o favoritismo em concursos, em provas, em filas, os produtos roubados comprados à porta de casa,o uso indevido de direitos e espaços que não são nossos, não tem nada a ver com a ideia das grandes corrupções. Ainda acreditamos que presos tem que ser encarcerados em contêineres e postos ao sol (ver artigo Vigiando e Punindo,até quando?), ou que as rebeliões são bons sistemas para diminuir a superlotação dos presídios, afinal, todos que estão ali merecem morrer. Ainda não somos bons o suficiente para entender que o direito à vida e à dignidade são inalienáveis. Ainda somos muito provincianos em relação ao coletivo e assim o é nosso sistema político. Mudá-lo cabe a cada um de nós, acompanhando, cobrando,participando, propondo medidas em que o Estado,em seu tamanho atual e representativo,seja cada vez menos necessário e a política seja cotidiana e plural.Por enquanto, precisamos de um Estado forte,infelizmente e compor quadros no governo em que AINDA exista minimamente um projeto democrático de governo.E por isso,meu voto no dia 05/10 será 13,para presidente e 50 para todos os demais cargos.Primeiro porque acredito que é preciso fortalecer as células políticas de base e isso precisa ser feito por partidos com a ética do PSOL.Segundo,porque,na minha modesta opinião,isso corresponde à construção do que enxergo,com grandes esperanças,que será o caminho evolutivo natural,quando amadurecermos um pouco mais e deixarmos de traçar embates políticos, partindo para o debate sobre propostas.Nesse mundo utópico,poderemos pensar então em um governo sem a tal da governabilidade.Por enquanto,estamos há anos luz dessa lógica e é preciso não retroceder,criticando sempre, manifestando-se em todos os momentos,mas sem desconhecer que se as manifestações ocorrem de forma ininterrupta agora, é porque tem espaço para acontecer.Lembrando Agamben,é preciso ser contemporâneo sempre,vivendo nosso próprio tempo,mas com olhar distanciado para perceber onde estamos e que caminho devemos trilhar.Por isso,declaro meu voto aqui,não somo forma de influenciar qualquer um,mas porque preciso estar coerente com o que sou e acredito.. PS: Não tenho intenção de ofender ninguém ou criar inimigos pela manifestação de minha intenção de voto, sejamos maduros e vamos debater conceitos políticos e perspectivas de Estado, não é mais tempo de fla-flu, ou de discursos ou de achar que a política não nos cabe, ela é dever de cada um... Qualquer comentário no sentido de debater ideias será aceito e bem vindo.Ofensas pessoais serão sumariamente deletadas,em benefício de minha saúde mental.

sexta-feira, 22 de agosto de 2014

Comunicar

Comunicar exige coragem ante esse universo angustiante e fluido que se chama outro.
Nunca se sabe o que ele vai dizer.
Que dores internas,que marcas profundas pode deixar uma palavra,um gesto impensado, um simples fechar de olhos..
Mas que magia profunda e impalpável quando esse ser se digna dizer,inadvertidamente,sim.
E o encontro pode ser tão forte que chega a a entorpecer...
São afinal dois universos de medos e nãos que a um dado momento
súbita e inexplicavelmente olham-se nos olhos e dizem por gestos ou palavras:sim
Na sutileza desse momento cabe um mundo inteiro, uma infinidade de significados e serão tantos quantos pudermos decifrar,
na delicada rede que se trama entre duas pessoas,a cada instante de aproximação.
A cada passo as mãos parecem estender-se em convite e os olhos sorriem antes mesmo da felicidade chegar aos lábios..
É ali,na incerteza de um recuo,que reside a dolorosa e infinitamente bela tarefa de se comunicar..
Se eu pudesse, no instante exato desse encontro,dizer alguma coisa,somente diria:Não afastem-se,não afastem-se agora,não desviem o olhos, não interrompam a conexão...
O mínimo descuido ,somente um segundo poderá pôr tudo a perder.
Por isso,enquanto o silêncio não precisar ser preenchido por palavras,não afastem-se,deem-se as mãos,aproveitem o precioso momento de contemplar o outro,que se abre a você nesse único e raro instante...
Amanhã poderá ser tarde demais..Quem sabe quando a comunicação será reestabelecida?
Quem sabe um dia,quem sabe nunca mais...
O importante é perceber,mesmo que muito tempo depois,que alguns laços,uma vez firmados não se romperão jamais.. Então cabe-nos apenas,a cada intervalo,perceber e reencontrar sutilmente ,o caminho de volta..