quarta-feira, 15 de abril de 2015

Sobre o amor..

Sobre o amor ou All Things Must Pass

All things must pass

Me ocorre ver, aqui da minha janela, fragmentos de historias que acontecem cotidianamente.
Encontros e desencontros, palavras que se escondem por entre intenções mal formuladas,silêncios que libertam e,sobre tudo isso,o tempo,inexorável, independente de lágrimas e dores,que vai invariavelmente corroendo as certezas,uma a uma…
A cada mover das engrenagens, cabe um suspiro dentro do peito de quem espera e todos invariavelmente esperamos por alguma coisa,por alguém… Há sempre um não que foi dito meio que à contragosto, um talvez que não foi ouvido,na espera do sim…
Estamos sempre com pressa, distraídos em nossos medos e pretensamente protegidos por nossas máscaras para apreciar o quanto somos continuamente confrontados pelo outro.
Seja no cruzar de olhares, na intensidade de um encontro, há sempre o momento do sim e de mergulhar nesse universo desconhecido que é o interior do que nos é estranho.
E como ele é encantador,visto do nosso ponto de vista,mas também assustador.
Não conhecemos suas engrenagens e principalmente seus tempos.
Não sabemos qual a duração de seus ciclos e qual a palavra secreta que interrompe o sistema de defesa e joga ao chão todas as máscaras.. De repente, o que é estranho,distante,desconhecido, se torna transparente,frágil. Nu.…
Se estamos suficientemente distraídos,o instante do encontro nos fragiliza também e nos convoca a estender as mãos para tocar o outro,percebê-lo em seu caráter único…
Na maioria das vezes porém,estamos preocupados preparando nossos discursos,nossas roupas e maquiagens mais perfeitas,para sermos amados em toda nossa perfeição.
E nos esquecemos que o tempo do outro é diferente do nosso…
Quando vemos, todas as barreiras foram colocadas em seus devidos lugares e as máscaras reposicionadas no lugar original…
E o tempo,como senhor da vida, sentado a um canto calmamente a ajustar suas engrenagens para amanhã ou para nunca mais….
É quando,súbito, ouvimos o doloroso barulho das horas, corremos até o outro e, em desespero o sacudimos, buscamos arrancar-lhe da pele todas as suas armaduras novamente..
Gritamos em vão.
Nossas lágrimas não lhe farão mossa.
A dor da certeza - que nos rompe o peito dilacera a carne e os ossos e nos faz desejar a morte - é imune a qualquer ação…Não passará.Rompeu-se o encanto do silêncio e a descoberta do nós….
Estamos de novo sozinhos..
Em vão bateremos à porta, lançaremos nossos corpos em outras direções…
Não será suficiente.
O instante em que o outro se abre a seu contato permanecerá latente na maior e mais cruel armadilha do tempo:a memória…
Através dela,a cada momento os ponteiros do relógio nos lembrarão do que não foi e do que não fizemos…
E então,tomados do mais profundo desespero, quando a dor já se fizer amiga e nos permitir respirar,em um breve instante de distração, pode ser que aconteça,um dia qualquer, ouvirmos de novo o silêncio, por sobre todos os demais sons e voltarmos nossos olhos ao canto esquecido de nossas lembranças.
E pode ser que encontremos uma outra mão estendida, que será sempre outra mesmo que seja a mesma de tempos atrás..
O tempo se encarregou de mudar os códigos de defesa e transformar as máscaras…
Logo, mais atentos e ainda machucados pelo tempo de espera,pode ser que consigamos novamente o milagre do encontro….
Pode ser que, emocionados pelo retorno da possibilidade,fiquemos o resto da vida contemplando aquela aparição.
Tudo pode suceder...
O que mais nos restaria fazer, feitos de carne e sonhos que somos,além de buscar o intangível, inexplicável instante imponderável do sim?
É preciso manter a alma desnuda, frágil, exposta,para permitir-se vivenciar tal experiência e tal ação torna absolutamente inviável a vida prática tal qual a conhecemos…
Mas como negar-se,como fugir, visto que, na imensidão do encontro está o componente fundamental que nos faz humanos?
A essa pergunta,o tempo, embora saiba a resposta,apenas sorri, superior…
E prossegue,perene, a ajustar indefinidamente o compasso de seus ponteiros..
Enquanto isso, aqui, da mesma janela onde observo,ouvem-se passos no corredor…Largo a caneta,caminho até a porta e ouço,incrédula e dolorosamente,o inevitável silêncio que se impõe por sobre as engrenagens do relógio,convidando,novamente ao ˜se˜...

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