terça-feira, 16 de junho de 2015

Sob os olhos dos outros ou: o que voce vai ser quando crescer?

Acordando de um sonho em que eu era chef de cozinha (quem me conhece, sabe que essa não seria uma opção muito legal. Pros outros) e logo me lembrei de um texto por aqui em que um menino pedia aos pais uma festa de aniversário em que o tema era a coleta de lixo e os garis. A reportagem denota grande ar de surpresa na escolha da criança, principalmente por parte dos garis, convidados VIP da festa. Como era possível em que um mundo com tantas representações mais nobres para heróis(como os populares médico,bombeiro,etc.) esse garoto escolhesse, preferisse, tivesse prazer em estar cercado por quem executa o dito “mais humilde”(assim mesmo , com mil aspas) dos serviços? E então me veio à cabeça uma série de fragmentos de discursos sobre escolhas profissionais ouvidas desde minha primeira infância. Não por acaso, sou filha de médicos e obviamente ouvi de muita gente (menos dos próprios, graças a Deus) por que diabos não escolhia o mesmo caminho dos meus pais?Não me encantava salvar o mundo através do meu conhecimento e de minhas mãos?Sim, me encantava. Sempre tive um orgulho desmedido de vê-los chegar muitas vezes usando os clássicos jalecos brancos, envolvidos em tarefas cotidianas em que a vida de muita gente estava sob o foco de suas decisões ou cuidando de grande parte de família. Apenas sempre percebi, desde os primeiros anos de idade, que intervir materialmente no corpo alheio não era para mim. Meu material sempre foi o simbólico. Fora o pavor de sangue, lógico, havia outra causa que me convocava, desde as primeiras histórias contadas pela minha mãe: a luta para combater a injustiça. Não por acaso ela sempre punha músicas de Caetano, Chico e Milton e me contava através delas uma infinidade de estórias sobre a história brasileira.. Sempre me pareceu bárbaro que houvesse um tempo em que não se pudesse cantar, não se pudesse falar e, supremo castigo, não se pudesse pensar. Estava criado o vínculo que fez com que desde muito pequena eu buscasse respostas às infinitas questões sociais que nos cercam e escolhesse, ainda que inconsciente, meu caminho profissional. Não foram poucas às vezes em que ouvi que deveria ser engenheira (porque fizera segundo grau técnico no CEFET), ou médica (porque meus pais eram médicos), ou mesmo advogada, para lutar pelas injustiças sociais. Não foram raras também situações em que minhas escolhas foram rechaçadas por incautos, pelo expediente de que ciências humanas não seria um modo digno (financeiramente falando) de sobreviver. “-Mas você não quer ser medica?”, diziam, perplexos... Não, não queria. E era plenamente apoiada pelos meus pais.Quando o assunto descambava pra arte então, tornava-se pior. Porque infelizmente, dada à conjuntura econômico-político-social-ideológica-preconceituosa nacional, ser artista, ops, fazer arte é hobby, reservado para uns poucos escolhidos, financeiramente saudáveis, com efeito. Para o restante, sobram as profissões com “algum futuro”. É impossível não lembrar da quantidade de vezes em que se falou que uma ou outra carreira estava morta, superada, (caso dos cineastas na Era Collor), da arquitetura ou do jornalismo na atualidade. Nesse cenário, reproduzem-se infinitamente os discursos, paternos principalmente, sobre o caminho que a pobre criança vai trilhar profissionalmente. Já assisti, chocada, crianças de seis e oito anos serem confrontadas com “vestibulinhos” (que conseguem ser ainda mais estúpidos que os vestibulares normais) e cobradas como adultos pela sua performance. Mais do que isso. Sob a desculpa de ajudar, muitos criticam as opções dos filhos, incitando-os a escolherem algo que “dê dinheiro”, fugindo da arte e do magistério como o “diabo foge da cruz”. O resultado são profissionais frustrados, encerrados em seus escritórios-consultórios-fábricas sem terem acesso ao indescritível prazer de fazer aquilo que se gosta, esperando pelas férias para poder vivenciar um cotidiano mais saudável e sonhar com a aposentadoria para, finalmente, voltar aos hobbies que tanto os fazem felizes. Conjuntura econômica influencia?Perfeitamente. Porém, sobretudo há representações que são cotidianamente coladas aos discursos do outro e que podem acabar, dependendo da sensibilidade alheia, gerando frustrações e infelicidade. Afinal, quem nunca ouviu falar daquele fulano, ou daquela fulana que largou tudo e foi rodar o mundo em um barco, em uma bicicleta, vendendo flores na praça ou coco na praia? Difícil esquecer nesse caso de uma conversa que tive com um vendedor de cocos que trabalhava perto do MAC (Niterói). AO me entregar o coco ele me disse (sorrisão no rosto): tenho o melhor emprego do mundo. Apontando para a magnífica praia de Boa Viagem ele continuou:- olha o meu escritório, olha minha paisagem diária. “Quando chego a casa, minha esposa nem consegue me aborrecer”, concluiu, me dando uma lição pra toda vida. Seu emprego não só lhe dava prazer,mas fornecia o necessário para que pudesse viver.Dava prazer e paz de espírito.E quantos de nós podem se orgulhar de trabalhar com paz de espírito?Muitas vezes transferimos para nossos filhos e crianças próximas as neuroses que ouvimos durante a vida, incitando-os a abandonar supostos “hobbies” por falta de retorno financeiro ou reconhecimento público. E criamos adultos infelizes. Pior:estimulamos os pequenos a competirem, enfrentando concursos desde muito pequenos, ensinando-os por tabela que precisam se destacar, serem vencedores, para sobreviverem.Esquecemos que, em algum lugar remoto, dormem as bailarinas, pintores, astronautas, artistas de circo, caminhoneiros que quisemos ser e alguém (sempre bem intencionado. #soqn) ou nós mesmos desconstruiu a marteladas de “bom senso” e “praticidade” em nome de um status, um nome, uma placa a exibir ao mundo. Não recordamos que primeiras bailarinas, artistas de sucesso, cientistas ou qualquer profissional feliz com suas escolhas enfrentou provações, derrotas, portas fechadas e narizes torcidos. Não queremos que nosso filhos sofram. E os condenamos a uma infelicidade pior, porque cotidiana, amparada em uma série de pequenas satisfações que nos afastam de nossa essência, daquilo que somos e queremos fazer. Sobram os discursos sobre concursos, empregos, realizações materiais dos rebentos, exibidos em prosa e verso por pais orgulhosos, que se desmanchariam talvez se, em vez de perguntarmos o que fazem seus filhos,perguntássemos:estão felizes?d verdade?Vejo ao meu redor poucas pessoas realmente felizes com suas escolhas, seu cotidiano e sua vida profissional. Fora todos os percalços e dificuldades pelas quais todos nós passamos, sempre há o momento de mudar de vida e, torrnando-se surdo a qualquer rotulo ou julgamento alheio, seguir o caminho que nos faz felizes. Infelizmente, aos 18 anos, quando começamos a amadurecer um bocadinho para escolher, somos confrontados com um sistema de acesso ao ensino superior cruel, injusto e que em nada prova nossas capacidades. E precisamos sobreviver. Ninguém nos conta do imenso intervalo que haverá entre as 8h(início do expediente) e as 9h do mesmo dia de trabalho, onde todo o cansaço,o desânimo e a frustração de nossas escolhas baterão à nossa porta e teremos vontade de sair correndo.Naquele momento, ainda que empoderados do melhor contra-cheque, estamos sós. É nesse momento de silêncio que precisamos ouvir aquilo que somos e termos a coragem de fazer escolhas. A meta não deve ser uma cobertura duplex ou um carro do ano (ainda que isso faça feliz um bocado de gente), mas o sentimento de fazer um bom trabalho, coerente com o que somos e acreditamos, em uma rotina onde o tempo não pese em nossas costas, ele simplesmente passe. Um trabalho onde o cotidiano não nos golpeie no estômago quando pensamos o que poderíamos ter sido. Sempre estamos sendo. Sempre é tempo de ser outras coisas.Que possamos ter em mente como meta o sorriso do vendedor de cocos de Niterói em toda sua sabedoria e digamos um sonoro NÃO a todo aquele que pretender julgar nossas escolhas profissionais.Que saibamos que a meta tem que ser , impreterivelmente, a felicidade como realidade cotidiana e que levemos esse ensinamento a nossos filhos, dando-lhes autonomia para buscarem de algum modo aquela deliciosa e rara sensação de estar no lugar certo, fazendo o que se gosta, sendo o que se é.

Nenhum comentário: