quarta-feira, 26 de dezembro de 2018

O café

Era um prédio na Rua do Ouvidor, onde as terças-feiras havia o baile dos idosos e os operários da fábrica todos os dias tomavam café. Cinco minutos e já partiam para o cartão de ponto, a manivela implacável computando horas e minutos na vida de cada um. Naquele dia partiram todos, menos um. Ao mexer o café, algo o alcançou, do outro lado da rua, para onde jamais havia olhado. Um movimento rápido, em uma construção aparentemente abandonada. Por entre as grades de ferro, retorcidas pelo tempo e a falta de uso, um vulto, uma luz diferente – seria um gato, um morador de rua? – Capturou a atenção do operário. Oito horas, de nove às seis, com uma folga semanal, exatamente às terças-feiras, quando comparecia ao baile exatamente na mesma rua onde costumava fazer o desjejum. Todos os movimentos em um mesmo circuito de tempo e espaço. Aquele dia, contudo, o movimento breve entre as grades o fez caminhar em direção inesperada. O café ficou na mesa, junto às moedas. O operário, Pedro era o nome, atravessou a rua. O prédio era centenário. Na fachada, quatro colunas de mármore sustentavam a custo a marquise, com uma longa rachadura em uma das bordas. Ao canto, uma janela de vidro, quebrada e uma faixa amarela, impedindo a passagem. Ali na porta do prédio, no entanto, não havia nada que o impedisse de entrar. As pessoas, quase todas, seguiam seu caminho. Pedro decidia-se se entrava ou não, quando um ruído de metal, tal e qual engrenagens girando, o assustou. Mas seria possível que houvesse alguma coisa funcionando ali? Olhou em volta. Ninguém parecia notar, nem Pedro, nem o Prédio. Decidiu-se. Ultrapassou a faixa de contenção, empurrou a grade, que cedeu facilmente em suas mãos, abrindo uma passagem. Pedro passou a cabeça, os ombros e entrou no grande saguão. Sobre o piso, um resto de tapete, de veludo vermelho. Aqui e ali moveis velhos, cadeiras empilhadas e vários metros de tecido em um rolo comprido, feito lona de caminhão, além de uma infinidade de caixas espalhadas, ocupando cada centímetro. Caminhou até uma delas, abriu a tampa e encontrou fotos e papeis, notas de compra e ingressos rasgados. Esquecido do horário, Pedro circulou entre as caixas, examinando seu conteúdo. Em cada caixa, fragmentos de histórias, imagens de um Rio de Janeiro de bondes e trilhos, de uma Cinelândia recém-inaugurada, chapéus e ternos cruzando as novíssimas avenidas. Ali dentro a atmosfera de mofo e poeira dominava o espaço como uma coisa viva, preservando os objetos em uma aura fantasmagórica. Pedro abriu uma caixa grande, esquecida sobre o balcão carcomido de cupins e de lá tirou vários canudos compridos, cada um contendo ilustrações de filmes antigos. Reconheceu o cartaz de um romance cuja história ouvira quando criança. Na trama a heroína, noiva do jovem cientista, desaparecera às vésperas do casamento, deixando a família consumida pela tristeza. O noivo, inconsolável, passara o restante dos seus dias no hotel onde aconteceria o casamento, esperando pela noiva que nunca voltou. A única coisa encontrada, muitos anos depois, foram os restos mortais do cientista, inacreditavelmente conservados, ainda sentado sobre uma cadeira, em frente a um velho projetor de imagens. Pedro ainda podia recordar a cena final, a sala em penumbra absoluta, a não ser pela luz do projetor, reproduzindo uma paisagem sombria de nuvens cinzentas e as aguas negras do mar. A memória ainda provocava calafrios. Perdido nesses pensamentos ele percebeu que, conforme caminhava para o interior do prédio, o barulho de engrenagens aumentava, parecendo vir do segundo andar. Seguiu até as escadas, experimentou o primeiro degrau. A madeira, envelhecida e úmida, fez um ruído grave. Apoiou-se no corrimão de mármore, esverdeado, surpreendentemente liso e brilhante, como se tivesse acabado de ser encerado. No patamar da escada, um vitral empoeirado de uma silhueta de mulher deixava entrar um facho de luz. Pedro venceu o segundo lance de escadas e chegou até o andar de cima. Alina penumbra, apenas as silhuetas dos objetos podiam ser vistas. Do corredor comprido vinha o mesmo som de engrenagens, parecendo ir além das pesadas cortinas no final do salão. O que exatamente Pedro ainda fazia naquele prédio ele não poderia responder. Talvez a curiosidade sobre o lugar. Mesmo tão abandonado, parecia conter uma espécie de engrenagem interna, como um velho relógio de parede. Imóvel, empoeirado, aguardando algo que o fizesse mover-se. Em que momento avançar na escuridão pareceu ser a única saída possível, em meio à infinidade de horas vazias que compunham o cotidiano? Seria tão mais fácil terminar o café, adentrar a fábrica, marcar o ponto de todos os dias, intermináveis, mas seguros, um igual ao outro? Houve, contudo, no intervalo entre os ponteiros do relógio de ponto um acontecimento qualquer, banal, um passo em falso e já um universo completamente novo se descortinava diante dos olhos. E já se sentia diferente do que fora no minuto anterior. O homem centrado em cada tarefa diária, no exercício cotidiano da sobrevivência, guardando apenas uma breve pausa para o respiro no café de todos os dias, subitamente perdera o prumo. Hesitara. E na hesitação residia uma vida inteira ainda por viver. Finalmente chegou até o final do corredor. Entrou, sentindo a atmosfera gelada do lugar. Parecia uma espécie de salão, com várias fileiras de cadeiras dispostas, tendo ao fundo um palco. Ao contrário do restante do prédio, o palco era iluminado por uma imagem, vinda do alto. Pedro reconheceu, o semblante iluminando-se diante da cena: um filme antigo, em preto e branco. Em meio à atmosfera isolada, onde o vento ondulava a vegetação de pequenas flores amarelas ao redor, um oceano de águas azuis, quase negras, intransponíveis. No cume da colina, um farol e ali, uma mulher. A câmera registrava suas mãos fechadas sobre o peito, os cabelos desalinhados, os olhos por entre lágrimas, de um choro profuso, enquanto Pedro, hipnotizado, observava sua agonia. Súbito a câmera afastou-se, como quem não quer interferir na cena. Isolou-se na confortável posição de plano geral. Como se adivinhasse, Pedro abriu a boca, inutilmente tentando gritar, mas a voz não saiu. O corpo leve da mulher voou por sobre as pedras, cortou as nuvens, sumiu nas águas escuras do mar. E o filme terminou. Enquanto os créditos se desenrolavam, Pedro, assustado, percebeu que não estava sozinho na sala. Havia um vulto, silencioso, sentado na primeira fila de cadeiras. Como se uma corrente elétrica atingisse seu corpo, Pedro sentiu as pernas paralisarem, os pelos da nuca eriçados. Pensou em sair correndo, pedir desculpas, voltar a seu café, ainda sobre a mesa. Mas assim como sabia que o passo à frente era a única saída possível, entendeu que, de alguma forma, precisava prosseguir. Avançou com delicadeza, para não assustar. A cada passo o pânico bloqueava sua garganta, atingia a boca do estomago. No final do corredor de cadeiras, entrou na fileira de trás de onde estava o vulto. O filme começava novamente na tela. Pedro então olhou para o ocupante da fileira da frente. Sentada à sua frente, uma mulher, às mãos postas sobre o peito, os cabelos em desalinho, sem parecer registrar a presença de mais alguém. Olhava diretamente para a tela, que projetava sua luz em seu rosto. Num impulso, Pedro ergueu-se, atravessou a fileira, sentou-se ao lado dela. A mulher não pareceu notá-lo. Ao contrário. Sem tirar os olhos da tela, deixava correr pelo rosto lágrimas grossas. Num segundo reconheceu-a: É você, a mulher no filme! A voz, rasgando o profundo silêncio do lugar, atravessou a penumbra, atravessou a mulher em cheio. O rosto adquiriu uma expressão carregada. Fechando os olhos, a mulher assentiu. Então, erguendo-se, caminhou até o final da sala e saiu. Pedro seguiu-a, mas, ao chegar até o corredor, ela já desaparecera. Procurou em vão por cada canto do prédio, mas a única coisa que encontrou foi um velho álbum de fotos. Demorou-se em uma em que a mulher, ainda jovem, posava diante do hall de entrada, usando um belo vestido. Passou pela grade, voltou à rua. Ninguém parecia ter notado sua aventura. Até mesmo o café seguia na mesa. A xícara branca, sobre a mesa, atingiu-o como um raio para o retorno ao cotidiano e o dia perdido de trabalho. Pedro voltou ao ponto de ônibus e esperou. O percurso até em casa nunca foi tão longo. A casa nunca fora tão silenciosa. Deitado sobre o lençol ele não conseguia dormir. Como pudera suspender o ordenamento natural dos acontecimentos? Perder o dia de trabalho, a certeza das pequenas coisas, o café amargo sobre a mesa? Em um passo, colocara em risco uma gama interminável de sons e imagens do cotidiano e penetrara sua própria escuridão. Ali, cada passo levara a um mergulho em um silencio perturbador, onde nenhum caminho era seguro e a enormidade de cada instante oprimia o peito dolorosamente. Há quanto tempo não tomava uma decisão sem se preocupar com o que viria a seguir. O café, o ônibus, os cartões de ponto pareciam tão banais visto desse novo ângulo, enquanto adentrava um universo novo de inesperado e perguntas não respondidas. Pedro levantou, sem conseguir pegar no sono e foi até a mesa da cozinha, onde o velho álbum de fotos permanecia. Virou novamente cada página, procurando respostas. Havia fotos de um pequeno bebe, agitando os punhos para o obturador, diante de sua família sorridente. Mais umas páginas e o bebe aparentemente crescia, sentava-se sobre uma banqueta e posava novamente. Nas páginas seguintes, uma menina morena, de pele pálida, ia pouco a pouco, em cada clique, diminuindo seu sorriso, se tornando mais séria. Na última página havia apenas uma leve ruga dos olhos que, contudo, pareciam brilhar. Virando pagina a pagina era possível acessar cada momento da vida e adivinhar os instantes de silencio, entre a imagem e o cotidiano, em cada clique do obturador. Quantas palavras teriam sido silenciadas, quantos instantes ficaram gravados na retina, quantas vezes os punhos se fecharam de ódio ou de prazer? Em poucas páginas, toda uma vida passava diante dos olhos, como um filme exibido diante de uma sala vazia, sem interesse para mais ninguém. Em que momento seria preciso pular, fugir à prisão de instantes intermináveis, adentrar a sala escura de suas memorias, atingir os desejos mais obscuros e enfrentar a dor do não vivido? Quem estaria ali na plateia para ver? A madrugada avançou. Os primeiros raios de sol encontraram o despertador, que tocava na cabeceira. Pedro levantou-se de um salto, atrasado, mal conseguindo trovar e roupa e alcançar o ônibus, que já ia na esquina. Desceu na mesma rua, pediu o mesmo café, aguardou. Na cabeça o cartão de ponto, computando todos os minutos da sua vida, um a um, esvaindo diante de um interminável silencio. O café ficou sobre a mesa. O garçom tentou, inutilmente chama-lo. Já corria em disparada para o outro lado da rua. Pedro não ouviu. Já adentrava o mesmo buraco da grade e seguia pelo mesmo corredor, subindo as escadas em desabalada carreira. Atingiu o segundo andar. Transpassou a cortina. A mesma velha sala de projeção. Ali não havia ninguém. Sentou-se na primeira fila e olhou para a tela. O mesmo mar Negra as mesmas nuvens espessas. O mesmo vento na vegetação. Contudo, há um homem na beira do precipício, com as mesmas mãos ao peito, chorando silenciosamente. Enquanto a câmera se aproxima, Pedro, sentado na sala escura, contém a custo um grito: É sua a imagem do homem, diante do precipício. A câmera começa a se afastar. Pedro sabe que esse é o momento, tantas vezes visto, inevitável. Ele não pode impedir. Vê o close no mar escuro, os próprios passos em aproximação vertiginosa em direção ao abismo. Sente o final se aproximando, o coração em descompasso. Conseguirá sobreviver? Quais são a chance de viver quando quando se abre mão da sobrevivência banal, mas segura, garantida pela regulação sutil de cada instante de vida? Ou seria de morte? A única certeza de Pedro é que não há resposta possível. Ele vê em desespero a câmera se afastar, se prepara para chegar ao final. É quando há um súbito corte. Um par de mãos que tocam a vegetação ondulante e pés que se dirigem ao precipício. A câmera baixa, para acompanhar os passos. Chega até o ponto onde Pedro aguarda, olhando fixamente o mar. Há alguém que entra no canto esquerdo do plano, sem escondido pela grama alta do lugar. Uma mulher, os pés alcançando o lugar onde Pedro está. Homem e mulher sem se olhar. Apenas lado a lado contemplando a imensidão do mar escuro, intransponível. Ambos choram, sem, contudo, se olharem. Em um segundo, homem e mulher mergulham juntos, diante da tela, cortam as nuvens cinzentas, mergulham no mar infinito. Atônito, Pedro sente a presença, adivinha antes mesmo de voltar o rosto. Na velha sala de projeção, sentada ao seu lado, a mulher, sentada silenciosamente ao seu lado, olhos pregados na tela, um leve sorriso na curva do rosto.

sexta-feira, 23 de novembro de 2018

4.0

Nem isto nem aquilo Nem tanto ao sabor do vento Tão pouco em trajetória milimetricamente calculada. Nem tanto de sabedoria inafiançável tão pouco de inesperado. Ainda resta um tanto de alma a ser desvendada enquanto o corpo permanece em movimento contínuo tentando alcançar o céu.. Nem isto nem aquilo. Ainda cabe a poeira nas cartas guardadas no guarda-roupa mas o peito já se resguardada amiúde.E se o sorriso permanece no rosto ,em mudo convite, lá em cima resta a lua, inalcançável. ...Então dança, moça,por sobre a chuva..Molha teu corpo com todos os dias que ainda te restam e arrisca ter sempre um quê de esperança,como em desafio....Pula todas as poças, ri de todas as regras, só não te esquece que, no fim de tudo, seu único lugar intransponível é bem aí ,dentro de si e ama como se tua vida dependesse de cada instante de paixão... teu corpo.tuas regras mteu tempo...

sábado, 3 de novembro de 2018

Cartas a Helena II

Tenho a impressão de que passaram muitos anos desde que você nasceu... talvez porque o tempo, por aqui, tenha caminhado ao contrário. Sei que você ainda não conseguirá compreender, mas o fato é que, em poucos dias, tivemos uma eleição violenta, de todas as formas que uma coisa pode ser violenta e ainda hoje, uma semana depois, ainda tento encontrar explicação para tudo que vivemos. Em muitos níveis, nos tornamos uma sociedade mais cruel e perversa e temos medo do que ainda virá. A tristeza ainda habita em cada um de nós, e acredito que muitos vão demorar anos e talvez décadas para entender o que houve. Sei que você vai estranhar minha insistência em falar de política, isso quando você começa a descobrir o mundo.... Helena, o mundo é maravilhoso, mas dentro de tudo que há, preciso te dizer, Há os homens e as formas como se organizam para viver...E preciso te dizer também que há uns que acreditam terem mais razão do que outros e mais motivos para viver. Da mesma forma que você aprenderá a ver as emoções das pessoas e sua capacidade de conviverem, de criarem meios de se tornarem eternos, há aqueles que só sabem odiar, querida helena e infelizmente não podemos evitar que as encontre. O conselho que te dou é que saiba dosar uma pitada de coragem e um punhado de sabedoria para não se perder em disputas desnecessárias a quem só terá o ódio dentro de si... que tuas lutas sejam apenas para garantir que possas ser e que os demais também possam ser. E nesse espaço cabe toda uma vida... Estou confusa hoje e sei e entendo que levará muitos anos para que entenda minhas palavras. Mas se me comunico hoje é porque falo com tua essência, percebo que também irá se engajar no respeito a tudo que é humano e na afirmação da vida. Uma vida como a tua, absolutamente única e linda. Fruto de duas pessoas também engajadas no respeito e na afirmação de tudo que é belo e humano, teus pais...Daqui de onde estou vejo teu rosto refletir o amor que têm por você e vejo já no seu rostinho o início de um reconhecimento, de um afeto profundo, entre ocre e eles. E que lugar privilegiado esse meu, de poder assistir à construção do amor mais profundo, esse teu e de teus pais. E se posso te dizer uma coisa para que guarde com você, como um relicário, aberto quando o coração precisa de alento, é que teu pai tem amor profundo por tipo tua causa, cresceram e crescem a cada dia... E acalentam e amam e fazem planos...como cabe aos pais…enquanto eles tecem o afeto mais desmedido, você cresce a olhos vistos e seguimos todos, por entre tudo que acontece nesse país onde vivemos...

sexta-feira, 26 de outubro de 2018

Cartas a Helena

Faz hoje três semanas que você chegou. E eu, que já me achava com os pés esticados, prontos para o voo, voltei meus olhos na sua direção e me perdi no tempo entre você, sua mãe e eu. Enquanto o mundo lá fora gira cada vez mais rápido, você cresce a olhos vistos. Já te vejo sustentar o pescoço, firmemente, como uma criança mais velha e por vezes nos encarar a todos, com a curiosidade de um recém-chegado. Estamos todos encantados com você, pequena Helena e eu me sinto a tal ponto apaixonada que chego a sentir uma dor física, cada vez que estou distante. Talvez sejam os 40 anos, que completo em menos de um mês...E, enquanto a vida me empurra em direção à maturidade, me vejo observar, encantada, teu crescimento, a cada dia. Teu pai e tua mãe parecem ter anos de experiência, tal a destreza com que te cuidam…Enquanto isso eu sigo, tentando ajudar aqui e ali, me perdendo nos teus pequenos gestos, acompanhando a direção do teu olhar, que se faz mais firme a cada dia e já te prepara para descobrir o mundo. Por aqui seguimos tentando sobreviver ao caos político. Não entrarei em detalhes, porque sei que ainda não é tempo de você saber dessas coisas... ainda há muito que ver e saber antes de tomar pé das vicissitudes do país. Por hora, fica com este relato de tua avó: os dias andam cinzentos, as pessoas, cabisbaixas. Estamos, nós progressistas, a um passo de enfrentarmos uma derrota eleitoral. Não pensa nisso. Pois há de passar. Por hora saiba que muitos se opõem; agora mesmo há estudantes nas ruas e pessoas com faixas e cartazes, brigando pelo direito à livre manifestação. Helena, na ânsia de proteger a liberdade, muitos foram às ruas, plantaram mesas e cadeiras, oferecem bolo e café e seguem a conversar, tentar mudar opiniões, sem briga. Sem ódio. Espero que tu cresças e ainda possa ver, nas esquinas da cidade, as praças ocupadas por gente que ainda tem esperança. Espero que você possa ter esperança e que conserve a coragem de acreditar na liberdade. Por hora essa é a única herança que te posso deixar...

sexta-feira, 5 de outubro de 2018

Eu escolho a vida

Eu vejo crescer em mim o medo de um iminente regime fascista com a mesma força que me invade a alma o encantamento de ver a minha vida e a minha história se enredarem em um minúsculo e miraculoso ser que tem meus olhos e os olhos da minha família.sao duas pulsões distintas.vida e morte..medo do provavel mergulho em um tempo de intolerância e luta e a esperança em ventos de afeto, traduzidos por minha própria carne reproduzida diante dos meus olhos..por hora, cedo ao impulso de mergulhar nesse amor profundo incondicional,que me faz enxergar cores e nuances e sentir o peito cheio de ar novamente..me perdoem os que preferem o ódio..hoje eu escolho a vida.

segunda-feira, 24 de setembro de 2018

Sobre todos os azuis do mundo

Sobre ser dois, gerar um ser que vai gerar outro ser e por esse viés,ser em conjunto e ser mais...sobre todos os instantes de espera, enquanto outra pessoa se forma dentro de nós...e ver crescer dia a dia o amor que se esperou,em carne, sangue e afeto...Ainda são recentes as memórias dos braços estendidos em busca de colo e já há um novo colo em novas e infinitas demandas...E a nossa história,lida nos livros,na beira da cama,ainda não terminou de ser contada.Ainda estamos aqui ,página a página, diariamente,com as mãos entrelaçadas pelo cotidiano,pelas horas de lágrimas e risos.Hoje ambas olhamos o mesmo ventre,de ângulos distintos,mas com amor igualmente profundo .Incondicional.. Lembra quando a gente ia de mãos dadas,admirar as pinturas na parede?Lembra quando te vi misturar tuas primeiras tintas,em teus inúmeros tons de azul?Hoje teu azul se expandiu , coloriu seu mundo e de quebra também atingiu o meu...Somos duas,somos três,somos muitas esperando o dia do primeiro choro,do primeiro olhar.E sei que teu amor pelo mundo que já é gigante,só ficará maior.. Como é possível que eu tenha gerado alguém como você,feita de sensibilidade e cores,mas também de curiosidade e precisão?De onde estou,os olhos ainda molhados de teu último pranto, teço em silêncio mais uma trama de nossas horas,com mais uma mulher que se apresenta ao mundo,para existir igualmente em azul e sonhos... Abençoada seja Helena... Abençoados sejamos nós que agradecemos a vinda dela..E sigamos,por entre as horas de afeto, infinitamente...

sábado, 15 de setembro de 2018

Sobre o peso das coisas

Em toda dor, em toda angústia, lembra de quem tu és.Lembra da estrada na tua frente, lembra que o único peso que deve carregar é aquele dos seus próprios ombros...Lembra do vento no rosto, esquece as lágrimas, a raiva e todo mal que te fizeram..Guarda a tristeza em lugar seguro, porque ainda há de fazer rimas com ela.Lembra que não és teus títulos, teus trabalhos, tuas obrigações, tua muda espera pelo afeto alheio..És muito maior do que isso.Aí dentro reside algo que ainda não foi tocado,material denso e imponderável de poesia, que as horas incertas do cotidiano e toda tua culpa e todo teu medo não permitiram acessar. Chega.Ja é hora.Lança-te ao mar, sem destino certo e busca finalmente o caminho que sempre soube ser o teu.Ousa.Leva apenas o peso das tuas mãos e a força dos teus sonhos....voa...

segunda-feira, 27 de agosto de 2018

Histórias à beira do rio- 2

Diz-se do medo que quem tem,que não mergulhe no Rio. Tive medo... Tremor nas pernas.Mão suadas. Peito em desalinho...Pensei em fugir.Mas o pôr de sol convidava. O leito do Rio era um espelho e o barco jaáesperava. Entrei. E as margens abriram-se para os olhos, douradas, silenciosas, enquanto a proa cortava as águas. Senti as ondas, o vento no rosto.O movimento suave .De uma margem à outra. Cheguei. Mergulhei meus pés na lama barrenta .Caminhei em terra, aeia e grama. Conheci a vegetação suave, dessas que resistem ao calor incessante dos trópicos...Continuei....A cada passo, o medo, a necessidade de voltar...Mas os pés não obedeceram.E seguiram até chegar ali, no meio do mato, em meio à terra. A curva do rio se erguia. De um lado o pôr do sol.Do outro, a lua crescente, refletida nas águas escuras.Sem pensar, mergulhei no rio. Senti o medo dissolver conforme a água me tomava...e assim,no momento que minhas mãos tocaram a água, com um movimento suave, senti sair dos dedos o anel, escorregando como se mão humana a puxasse, para sumir no infinito escuro e frio, como um tributo...em silêncio, concordei.


Histórias da beira do rio- 1



Era um vilarejo,na curva do rio... onde um dia o silêncio chegou... Nas ruas vazias, por sobre o muro das casas, enquanto se coava o café.. Ninguem sabe ao certo quando, enquanto muitos dormiam a sesta, na hora que o sol comecava a se pôr.. De repente, não havia mais música e os ponteiros do relógio paralisaram no mesmo lugar.. A moça na janela esperava em vão a carta que não chegou. A velha senhora, sentada na frente da casa, pitava seu cachimbo... Ninguém sabe quando os sinos da igreja pararam de tocar. As mães foram para a rua procurar as crianças. A roupa secou no varal, sem que ninguém fosse recolher. O vendedor de doces chegou até a praça e encontrou um jornal velho, de muitos anos, amassado ao lado do banco. Enquanto o medo crescia, as avós trancavam seus netos nos quartos e as professoras fechavam as portas da escola..O padre, benzendo-se, ajoelhou-se no chão e começou uma novena.E foi ali que o prefeito o encontrou, para comunicar que o relógio da prefeitura havia parado. Os funcionários foram dispensados de suas funções e mandados de volta para suas casas...Ajoelharam os dois, em muda oração,enquanto o silêncio se fazia cada vez maior...Já eram muitas as portas e janelas fechadas e ali adiante a vendedora de acarajé recolheu seu tabuleiro, deitando ao chão o conteúdo de suas panelas... No bar da esquina só restou o bêbado, dormindo sobre a mesa, enquanto o garcom fugia de bicicleta, deixando a pia aberta a escorrer a água por sobre o balcão...Todos buscavam a razão do silêncio, agora retumbante e infalível, atravessando as horas do dia, impondo-se a cada um. Dentro do peito a incerteza da espera, o medo do inesperado fizeram muita gente chorar....O velho banqueiro,aposentado, trancou as economias num cofre e enterrou num quintal...A viúva da esquina, prevendo um desastre,deitou sobre suas joias, embaixo do travesseiro.Portas e janelas fechadas, cada um cuidava de seu medo..Nem notaram quando, impondo-se ao silêncio, um homem magro, de chapéu na cabeça, atravessou devagar as ruas, em sua bicicleta..Parou na praça, caminhou até o centro, ali estendeu seu lencol em um varal..Tirou da garupa uma banqueta e uma maleta. Depositou no chão...De lá tirou um espelho e algumas tintas...Correu ao rio, mirou-se..Pintou o rosto....Voltou à praça e então, sem esperar convite, tirou do bolso uma pequena gaita e comecou a tocar... De início ninguem se apercebeu.Foi a velha senhora que, espantada, abriu a boca e deixou seu cachimbo cair....Ouvindo aquilo, a moça, que estava em casa correu para janela e viu o homem, que continuava a tocar.Sem demora, ela abriu a porta, correu ao jardim, colheu uma flor vermelha e foi para o meio da praça escutar.. Animado, o homem que tocava comecou a dançar ao redor da moça,que acompanhava a melodia com palmas,ainda timidas. Ali perto as crianças ouviram os dois e saíram de casa, pulando a janela, para espiar. Ao verem o homem e a moça que dancavam, fizeram uma roda ao redor do dois....Correu o garcom, veio a viúva, chegou-se o bêbado,já dançando no meio da rua.Fez-se barulho na frente da igreja e a porta se abriu....Cheegaram o padre e o prefeito. se viram em meio ao povo, correndo das casas, girando na praça, em palmas e risos..No meio de tudo a moça e sua rosa, giravam também, enquanto a gaita tocava...O vento chegou, a noite veio e o povo não parara de dançar... Em dada hora a vendedora de acarajé caminhou até a esquina e ali montou sua banca,apreciando a cantoria.ninguém notou quando foi,mas em algum momento os sinos recomecaram a tocar....E vieram os pescadores, da beira do rio, para admirar as moças que, sem parar de dancçr, puxavam pro centro da roda cada pessoa que vinha espiar..chegou a viúva, ergueu-se de sua cadeira, pediu licença aos dancarinos, tomou a rosa dos cabelos da moça, pendurou atras da orelha e, amarrando as saia,pôs-se tambem a dancar.A tarde caiu, veio o vento da noite, ninguem notou que era hora de dormir.....Passou-se um dia, mais dois e tres, uma semana inteira e ainda não havia quem voltasse para casa....O prefeito,precavido, decretou feriado de três dias, trancou a prefeitura e correu também a dancar....E a rosa, que passara de mão em mão, acabara ali, no leito do rio, levada pela correnteza até a outra margem onde o velho senhor,morador da tapera, veio a recolher depois...Ainda úmida,quase despetalada, foi replantada então, na frente da casa..Dizem que ainda hoje, quem chega, pode ouvir, se chegar bem perto, o som da gaita, na curva do Rio, em meio ao vento que bate ao pôr do sol...

quarta-feira, 1 de agosto de 2018

Siena






Mesmo nos dias mais cinzentos,
Te recorda das cores dos girassóis se erguendo em direção a luz..
O chão claro de pedra ancestral nas ruas sinuosas de paredes estreitas..
Por sobre as pequenas lojas,lembra do cheiro doce dos grandes merengues em exposição nas vitrines..
E as pessoas sentadas nas calçadas, dividindo espaço com as bicicletas e vespas coloridas.
Lembra de teu passo lento, caminhando sem rumo até a Grande Plaza de Marte, do chão de mosaisos desgastados pelo tempo e das pizzarias amareladas com grandes toalhas brancas ao redor.
Lembra do teu corpo estendido no chão por entre os pés alheios,com a única obrigação de contemplar a lua e existir,em surpresa e êxtase.
Nos teus dias mais escuros e tristes lembra do deslumbramento do sol de Siena e do amor no teu peito,tão impossível quanto certo... Tão distante quanto profundo, fazendo teus passos mais lentos e teu olhar mais luminoso. Lembra da música que te vinha à memória e do som de palavras que não foram ditas mas que enchiam teu peito de esperança..
Recorda de cada palavra dita,de cada imagem vista e que um dia,em um fragmento de tempo prosseguiste apenas e somente para existir ali,por entre os não ditos, sob o sol da Toscana..

segunda-feira, 9 de julho de 2018

Memória

Eu fui criada em uma família em que os almoços, desde a geração da minha avó, duravam horas. Depois da comida, vinha o prato principal, que eram as histórias da gente e de antes da gente, muitas repetidas infinitamente, repassadas por muitas vozes, cheias de detalhes novos, reinventadas a cada encontro. Eu me lembro de sentar perto dos adultos, pra tentar captar aquelas narrativas, ouvir os risos, a espera, o narrador da vez e os risos que vinham no final.Para mim, era como um número de circo, fantástico, desses que a gente não ousa interromper..E eu observava sempre as mesmas histórias, repassadas como um cálice de vinho que se sorve aos poucos..A gente grande bebia um pouco de memória e passava ao outro,que bebia também e assim cada um ia tomando um pouco mais, até que, no final,todos tinham experimentado um pedacinho daquela emoção.Boa ou ruim, nada era deixado de lado..Ria-se e chorava-se com a mesma vontade.Eu me lembro de ficar ali, do lado deles, ouvindo histórias de gente que tinha ido e observar os rostos, as vezes no frouxo de riso, outras contendo o choro,mas sem parar nunca de contar...O tempo passou e aos poucos eu fui me sentando cada vez mais perto, tomando meu lugar na roda, sem deixar nunca de me sentir ali,observando também..E aí chegou o tempo em que a memória era minha, em que me cabia contar, para diminuir a saudade e trazer pra perto tanta gente que eu amo e que já não está mais por aqui. Então foi aí que eu vi que ,bocadinho por bocadinho,cada história diminuía um pouco a dor, fazia com que se preenchesse a saudade com um tanto de presenca..E eu aprendi que a gente não deixa nunca de visitar as pessoas que ama,nem elas deixam de aparecer. A cada vez que nos juntamos para desfiar a trama das nossas horas compartilhadas, para contar um tanto de risos e mais um bocado de lágrimas, a gente vê abrir sem sentir a porta da memória e escapar pra dentro um monte de gente que ainda devia estar por aqui e assim, como mágica, no meio da roda, entre a emoção e o espanto, aparece sem avisar para dar um alento no peito e um pouco de coragem pra gente seguir..E a gente,seque - que jeito? -para vida de todo dia. Mas ali no rosto fica , silencioso, por um tempo indefinido, um sorriso discreto, meio dolorido, com gosto de saudade

terça-feira, 3 de julho de 2018

Cidade dos Anjos

Que todo afeto seja canto
que todo gesto seja reza
Que todo amor seja corpo
Que todo sim seja mergulho..
Que todo instante seja o último..
Que todo toque seja dois...
Porque quando os olhos fecham e onde ir não importa.
quando o peito se enche de ar como se fosse a primeira vez ..
nem uma palavra será capaz de explicar..
O instante em que o silêncio se faz ..e os braços se erguem para ir além
para subir mais alto.para ser, mais e intensamente.
Eu.Você.Nós.
trilha
https://www.youtube.com/watch?v=QaeALaGlLKs

segunda-feira, 25 de junho de 2018

Pelo outono que já passou

Pelo outono que já passou
E ainda restam um tanto de vermelhos e amarelos para registrar
Nem bem senti o vento frio e o calor perene dessa cidade
já convida à rua
E o café feito ainda não esfriou.
Ainda naã,eu digo,só mais um pouco. Mais alguns dias de reclusão e espera.
Que o pensar, assim como o sentir, ainda carecem de ordem.E ainda hã muito de Tons e Vinicius para ouvir
Só mais um pouco,mais alguns dias e receberemos juntos o inacreditável aumentar do termômetro..contrariando todas as regras.
Em vão jazem empilhados na mesa todas as Clarices e Josés e Manoeis...Do outro lado,magnânima, acinzentada, a indefectítvel pilha cientiíica das obrigações grita....
-já é hora...bastar de sonhar..
Mas ali ao fundo a paleta de cores aguarda, no papel em branco, o tempo exato de existir e dizer com urgência,
tudo aquilo que os métodos não conseguem abarcar..

terça-feira, 15 de maio de 2018

Aviso aos navegantes

A todos aqueles que estão nesse barco, atravessando a tempestade .a todos aqueles que tem acordado no meio da noite com o som continuo do relógio,em voltas intermináveis. E que se perguntam :qual o sentido de tudo afinal?no balançar das ondas quantos mais restarão?a cada dia mais corpos caem nas águas negras do esquecimento.uma a uma as memórias vão se desmanchando ante a ação do vento,sem conseguir contudo romper a camada espessa de poeira sobre os móveis.em vão batera às portas.ninguem abrirá.. deverá continuar sua trajetória na mais completa solidao.agora já sabe qur nao eh certo que consiga alcançar o final do túnel . nem tampouco de que haverá um final.mas precisa continuar.... seguira em silêncio ouvindo os ecos das conversas alheias, gargalhadas exageradas, sussurros e lamentos.nao os ouça.estao todos muito atras de você, construindo em areia seus castelos de pequenas certezas.prossegue.em algum momento as paredes nuas e frias do corredor te levarão a uma unica porta por onde só tu pode passar . atravessa-a.ali caminhará até a parede e então ao contemplar o espelho chegara entao ao final de tudo.ou seria apenas o princípio?

terça-feira, 8 de maio de 2018

Pedras.Muros.Portas.Certezas. Quando tudo que ela queria era ser pena voando no ar, pés esticados e mãos tentando alcançar o infinito... Palavras.Frases.Fórmulas. Para quê tudo isso, se a vontade era apenas girar o corpo em movimentos precisos,arriscar um passo e voar? Tantos anos, tantas páginas viradas, titulos, aprovações, currículos, obrigações?Enquanto isso,no fundo do armário os sonhos, presos entre as teias de aranha, sem utilidade aparente. Enquanto isso o corpo curvado entre os livros,inúmeros e a vontade de voar.E o tempo do relógio a bater sempre no mesmo ponto.Enquanto escreve initerruptamente, ela sente as vérterbas da coluna dolorosamente dobrada, latejando os sonhos que nunca viveu..Será que ainda há tempo?O esforço a cada dia é maior, as lágrimas não cessam de cair e a cada momento a pilha de textos só faz aumentar. E se ela soubesse que dentro do armário ainda há a mesma caixa fechada esperando o dia certo de ser aberta? Ali no fundo, as mesmas sapatilhas cor de rosa, guardadas toda a vida para o dia seguinte. Enquanto isso tudo espera e a vida não cessa de perguntar:até quando?

sexta-feira, 13 de abril de 2018

um dia,como muitos outros

Trilha sonora:https://youtu.be/Bn3_2nz7VRI

Era um menino e uma menina. Viviam no mesmo bairro
Estudavam na mesma escola
Como muitos outros.
E como muitos
, tinham amigos,jogavam no recreio E detestavam matemática
Um dia, como muitos outros dias
A menina sorriu como sorria muitas vezes.
foi a primeira vez que o menino viu.
e a única vez da qual ele se lembra
O menino e a menina sorriram um para o outro,na volta pra casa.
e por muitos outros dias,estivessem juntos ou separados.eles sorriam um para o outro.e um dia a menina percebeu que tinha um sorriso que era só dela.
O tempo passou como sempre acaba passando e no sorriso de cada um eles esqueceram de sorrir um para o outro.
o menino sumiu .a menina chorou.
E por muito tempo so houve silêncio ao redor.
Um dia o menino olhou pra trás e viu que fazia muito tempo que não sorria .olhou a menina ,que já nao o olhava mais.
ele esperou.entao um dia fechou os olhos ficou em silêncio e estendeu as mãos.
Por algum tempo nada aconteceu e então quando ele menos esperava, sentiu duas mãos segurando as suas e não precisou abrir os olhos para saber quem era.
e desde então o menino e a menina passaram a sorrir e a chorar juntos todos os dias,como tem que ser todos os dias, quando temos sorrisos que não são só nossos e mãos que não permanecem sozinhas por muito tempo .
assim, quando eles menos esperavam a vida fez uma pausa, apresentou um desvio, gelou o coração dos dois.
menino e menina com medo.
sem lembrar de sorrir.assim foi por algum tempo.ate que um dia,como são muitos dias,ele viu que ela sorria e ele sem perceber, não pôde deixar de sorrir.
menino e menina,que já não eram mais dois.passaram a ser três, para sorrir e para chorar,como são muitas vezes as histórias que começam com um sorriso e que permanecem,quase sempre,com mãos estendidas,pelo tempo que for . Trilha sonora:https://youtu.be/Bn3_2nz7VRI

segunda-feira, 2 de abril de 2018

Helena,vem ver o mundo

Helena,tão bela,ainda não conhece o mundo

Não sabe de todas as guerras

Desconhece os murmúrios de dor

Ignora o sofrimento humano

Não ouve as mães que choram por seus filhos, o sangue no asfalto,

os feios carros pretos,subindo incessantemente as ladeiras

Helena não vê o rosto do homem, que acorda sobressaltado,pensando no emprego que perdeu.Ali do lado do berço, o segundo filho dorme e o terceiro espera para nascer

. Helena não sabe o gosto amargo das esquinas dessa cidade, onde o ódio e a intolerância matam.no grito ou na bala, qualquer projeto de liberdade. Helena não sabe nada.

Só sabe que quer vir.

Quer ouvir o latidos dos cães, a preguiça dos gatos no chão,

sentir a brisa fresca de outono,caminhar na areia branca da praia, mergulhar no mar azul.

Helena quer girassóis nos cabelos,

quer ouvir as canções dos homens,

quer inventar sua própria poesia.

Enquanto escrevo, Helena chegou na janela, olhou lá de cima e cismou que era hora de vir aos homens.

Enquanto dormimos ela prepara sua chegada, silenciosamente, trazendo as cores de uma nova estação.

E eu,que há muito não sonhava, hoje espero seus braços e seus olhos nos meus..

Dorme Helena, enquanto é tempo,

para na hora certa acordarmos para a sua poesia,no tempo certo de tudo..

E então, quando houver ódio e a vida mostrar o não, tu pegarás minha mão e me levará até a janela,para mostrar tudo que ainda pode ser





quarta-feira, 28 de fevereiro de 2018

Suddenly

De repente não havia mais quarto, as paredes escuras afastadas como mágica, no meio da noite. Da luz azulada do monitor, que dava contornos frios aos móveis, emanava uma espécie de brilho difuso, permeando cada superfície de uma textura única. De repente, cada acorde da música que insistia em tocar, se estendia em uma pausa infinita. Nas mãos o telefone, perdido entre os dedos, enquanto os olhos, fechados, absorviam cada segundo. Uma palavra. Seu nome. E o tempo já não era mais o mesmo. De repente, ao ouvir a voz que chamava, era como se descobrisse que era sua a espera também. Enquanto isso, as tintas descascadas, os quadros dispostos na parede, adquiriam um tom de azul peculiar. Era a luz da lua que entrava no quarto. E era como se cada parafuso, cada pedaço de metal das esquadrias, vibrasse, assim como ela .Chegou à janela. Nos prédios à frente, as luzes da tv coloriam a paisagem de pontos luminosos. Rostos, paisagens, instantaneamente misturados ao asfalto da rua.De repente sentiu-se parte de uma grande tela onde as tintas mesclavam-se em matizes distintas de luz e sombra, escrevendo fragmentos de tempo e espaço em tons de amarelo e azul. Sentia que mergulhava em um oceano profundo de sensações, como um banho morno depois da chuva, tirando da pele todo resquício de cotidiano ainda existente. Sentiu como se fosse parte de um grande musical, onde os elementos de cena, a um toque do diretor, começassem a funcionar, em um cadenciado balé de rostos e mãos. De repente via a rua como um grande palco iluminado pela luz da luz. E o peito se enchia de encantamento, como se assistisse a um filme. As pessoas sentadas no bar, o instante do brinde, os risos e as mãos e copos erguidos... A bicicleta cruzando a esquina, com dois grandes embrulhos amarrados. O letreiro da farmácia de frente. A senhora voltando para casa, com uma pequena bolsa de mão, o casaco fino e o olhar cansado. Até mesmo o velho, que se demorava na escada da padaria, contando dinheiro, enquanto alimentava seu cão. A um só tempo todos os personagens adquiriam uma cadência única e ritmada e seus gestos pareciam fluir em uníssono, com uma grande orquestra. Enquanto isso, o cachorro se desprendeu de seu dono, atravessou a rua, desviando do ônibus, apavorando os passantes, subindo na mesa e abocanhando os restos da refeição do jornaleiro, sentado na última mesa do bar. Ali, da janela, não pode conter as lágrimas, quando o velho senhor, correu a buscar o cachorro e acabou parando para tomar uma cerveja com seu novo amigo, recém conhecido. De repente, os dois velhos sentados e o cachorro, e o encontro e o afeto só eram possíveis porque ali, na escuridão do seu quarto alguém, a 3000 quilômetros de distância, telefonara pela primeira vez para ela e chamara seu nome. Aquela voz, pela primeira vez ouvida e mil vezes reconhecida, na pele, nos ossos e na memória, atravessara o tempo do não, quebrara as paredes da dúvida e estendera as mãos. Buscara ela. Somente ela. No intervalo do medo, ao antecipar-se à dor, invadira cada espaço seu. E ela já não se reconhecia mais ou ao mundo ao seu redor, como se tudo de recente ocupasse exatamente o lugar que deveria. Como se a luz e as cores e as formas sempre devessem estar ali, compondo imagens e sugerindo poemas, oferecendo histórias e tramas e antevendo trilhas sonoras possíveis, absolutamente outros porque ela certamente era e eternamente seria absolutamente outra a partir de então. O telefone nas mãos não esperava mais a resposta. A confirmação do nome. O sim já fora dado. Em instantes o silêncio invadira a vida, rompera o relógio, oferecia outra geografia e a única circunstância concreta de todo o encontro era o sorriso silencioso que restava nos rostos, de cada lado da linha telefônica. Que importava se não havia corpo, se não havia rosto, se a matemática e o calendário eram outros? Em cada lado do peito, de repente, o silêncio era a única resposta possível.
Trilha sonora para o texto https://www.youtube.com/watch?v=2BOjtM7iqzA

terça-feira, 20 de fevereiro de 2018

Prece

Que todo riso seja prece
Que toda palma estendida seja convite
Que todo braço seja apoio
Que todo silêncio seja compreensão
que toda canção seja abraço
Que toda tarde seja amena
que toda voz seja mansa
que toda lágrima seja enquanto
que todo grito seja riso
que todo olhar seja além
que toda esperança seja nossa

domingo, 18 de fevereiro de 2018

vivam!

O eu profundo e instável, rasgado entre os papeis espalhados na mesa.Ah! Eu quero o ser pequeno e frágil, que se move entre as máscaras penduradas na parede, que sangra e sente, no intervalo das horas...Nada de meias verdades, de discursos retumbantes, eu quero o intenso intervalo de silêncio que pesa no peito como ferro em brasa. Enquanto o caos habita, ponho ao chão, uma a uma, minhas certezas, lanço os quadros na parede, livros abertos, fotos, objetos decorativos, em uma pilha que já se faz alta, no meio da sala. É preciso pôr fogo a tudo que confere estabilidade ao cotidiano,é preciso navegar no escuro para tocar a face do real, que se esconde no espaço entre dois olhares, onde as mãos se estendem e o coração pulsa. De súbito me enojam as pequenas verdades, os gestos de comedido afeto, as expressões de alegria superficial. O que busco vai alimentar-se na dor mais profunda da alma, na pele vermelha de dor, mas absolutamente encharcada de sentidos, múltiplos e transitórios, posto que reais, em seu infinito fragmento de espaço e tempo...Não me tragam respostas, eu quero as perguntas, todas elas, lançadas ao rosto, com dor e fúria...Desse ser, humano e tenso, que se desfaz em poesia e busca infinitamente,ignorando as máscaras, os jogos, as fugas..Eu quero a coragem do caminhar ante o silêncio, o gesto sutil de despir-se dos medos, grandes e pequenos, a dor absoluta de saber-se só...O peso de não receber recompensas, apenas a intuição de estar no caminho certo,mesmo que por breves intantes...As canções breves e sem sentido, a dança absurda em meio à multidão. A angústia profunda do existir. O desafio diário de ser. A brusca procura do nós...Para fora todos os personagens, para fora as ações comedidas, rompam a pele, deixem cair a lágrima. Soltem da garganta do desmedido e absurdo grito. Vivam!