segunda-feira, 9 de julho de 2018

Memória

Eu fui criada em uma família em que os almoços, desde a geração da minha avó, duravam horas. Depois da comida, vinha o prato principal, que eram as histórias da gente e de antes da gente, muitas repetidas infinitamente, repassadas por muitas vozes, cheias de detalhes novos, reinventadas a cada encontro. Eu me lembro de sentar perto dos adultos, pra tentar captar aquelas narrativas, ouvir os risos, a espera, o narrador da vez e os risos que vinham no final.Para mim, era como um número de circo, fantástico, desses que a gente não ousa interromper..E eu observava sempre as mesmas histórias, repassadas como um cálice de vinho que se sorve aos poucos..A gente grande bebia um pouco de memória e passava ao outro,que bebia também e assim cada um ia tomando um pouco mais, até que, no final,todos tinham experimentado um pedacinho daquela emoção.Boa ou ruim, nada era deixado de lado..Ria-se e chorava-se com a mesma vontade.Eu me lembro de ficar ali, do lado deles, ouvindo histórias de gente que tinha ido e observar os rostos, as vezes no frouxo de riso, outras contendo o choro,mas sem parar nunca de contar...O tempo passou e aos poucos eu fui me sentando cada vez mais perto, tomando meu lugar na roda, sem deixar nunca de me sentir ali,observando também..E aí chegou o tempo em que a memória era minha, em que me cabia contar, para diminuir a saudade e trazer pra perto tanta gente que eu amo e que já não está mais por aqui. Então foi aí que eu vi que ,bocadinho por bocadinho,cada história diminuía um pouco a dor, fazia com que se preenchesse a saudade com um tanto de presenca..E eu aprendi que a gente não deixa nunca de visitar as pessoas que ama,nem elas deixam de aparecer. A cada vez que nos juntamos para desfiar a trama das nossas horas compartilhadas, para contar um tanto de risos e mais um bocado de lágrimas, a gente vê abrir sem sentir a porta da memória e escapar pra dentro um monte de gente que ainda devia estar por aqui e assim, como mágica, no meio da roda, entre a emoção e o espanto, aparece sem avisar para dar um alento no peito e um pouco de coragem pra gente seguir..E a gente,seque - que jeito? -para vida de todo dia. Mas ali no rosto fica , silencioso, por um tempo indefinido, um sorriso discreto, meio dolorido, com gosto de saudade

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