sexta-feira, 12 de janeiro de 2018

Sobre os fabulous 40, que ainda não chegaram

Sobre ter 30 anos e atingir a plenitude, de quem mesmo?Corpos malhados, cabelos tratados, unhas e pele em dia.O trabalho e a família, bem, obrigada.As primeiras desilusões sérias, as primeiras amarras definitivas (ou pelo menos, nós assim achamos)..E a perfeição, para quem mesmo? O objetivo, não poderia ser outro, senão receber o olhar admirado, profundo, desnudante, do outro, esse sujeito que muitas vezes, não sabe absolutamente nada sobre nós, mas nos rasga a pele, penetra a carne, faz o sangue fluir nas veias quando se digna a nos desvendar, nem que seja um pouco, entre entropia e conflito. E quando a entrega se faz presente, na fímbria do maravilhoso, que plenitude atingida, que sensação de poder, como nos amamos e bastamos ao mundo, apenas pelo toque do olhar que nos é alheio.Apenas porque somos amados. Enquanto nos perdemos entre o eu e o nós, os anos passam e então, a um piscar de olhos, estamos a um passo do temidos “enta’...Ah! Os quarenta. A pausa necessária, o momento do silêncio, de caminhar até o espelho e encarar, uma a uma, as primeiras rugas, do rosto e do coração. Na tempestade cotidiana, quase nunca nos damos conta do tempo que passou. Mas é aqui, quando o calendário se impõe, que a reflexão se faz prioridade. Quantos passos dados, quantos tropeços? O que ficou, das causas perdidas, das palavras não ditas, dos abraços não dados? Enquanto me questiono, analiso a imagem no espelho. Percorro os detalhes, dos dias e horas passados, as frases ouvidas, muitas, com marcas ainda no corpo, as cicatrizes aparentes. Na espera dos braços, do colo, do toque, as mudanças, muitas delas, passaram despercebidas...Sobraram os sonhos, na batalha diária, ante a angústia de continuar respirando, só mais um dia. Sobraram as memórias, da longa espera, dos dias de sol, das lágrimas escorridas, no cansaço da procura. E o que restou? Restou o sorriso, no rosto, ainda e sempre, mãos estendidas, não mais em relação ao outro. Agora, em direção a mim mesma. Pela primeira vez, o olhar não se oferece ao alheio, mas se aprofunda larga, vertiginosamente em direção ao próprio peito... Onde esteve essa mulher, esses anos todos, enquanto ouvia o tique-taque incessante do relógio, na pressa de ser? O que falar sobre esse corpo, já tão castigado, entre idas e vindas, máscaras repostas continuamente, na urgência de se defender. Hoje não. Pela primeira vez o rosto nu, diante dos meus olhos e a beleza incorrigível do ser, apenas para si. Pela primeira vez, as curvas me parecem exatas, a pele,por um breve momento, na medida do que é. Pela primeira vez, as cicatrizes não me alarmam. Ao contrário. Me a justam na precisão daquilo que vivi. As paixões desmedidas, a coragem irresponsável e os nãos, todos eles, principalmente os ditos por mim. Sim, eu, formada no impulso e na paixão, os disse, surpreendentemente, na ânsia do vivido, na urgência do encontro. Pela primeira vez eles não me doem além do necessário. Fazem parte daquilo que sou. Mas essa mulher, ali, no espelho, a expressão, entre assustada e curiosa, os ombros caídos, o cabelo desgrenhado, mas os olhos, esses me olham, por um longo tempo. Nos encaramos. O que fica dela aqui, no cotidiano das horas, na necessidade do distanciamento, na interface com o outro? Será que dali, de onde o outro me olha, é possível ver que essa mulher grita e sangra e ferve, a intervalos cada vez menos regulares? Estaria a máscara bem ajustada, para que não seja possível enxergar, a fragilidade de cada palavra, o tanto de sonhos que ainda escorre das mãos ou estaria eu, supremo pesadelo, inteiramente despida diante da multidão?Saberiam eles o quanto ainda é capaz de se oferecer por inteiro, a cada palavra, de mergulhar de peito aberto, sem medida e sem remédio? Ao menos diante de mim, eu não me escondo mais. Ao contrário. Me encaro, despudoramente, em meio ao caos. Por hora teu cinismo estará guardado.Ao menos para teu uso. Já sei onde sou fraude e onde sou real. E já sou capaz de sorrir. Quantas batalhas,senhora,todas perdidas. Mas tu não te perdeste, é o pensamento que me vem à cabeça. Mas hoje só hoje, não sou capaz de escrever e me deixar tomar pelas frases se ajustando aos poucos, gritando no ouvido, formando o tão conhecido bolo no meio do peito, prendendo a respiração. Só por hoje a porta está fechada ao outro, ou ao menos a seu olhar . Só por hoje só o meu olhar importa e me encaro e aceito, exatamente na medida que sou. Talvez seja essa a sabedoria dos quarenta, agora mais do que nunca aguardados. Para que esse mergulho, essa descoberta, não se canse nunca de acontecer. Enquanto me olho, e desvendo aos bocados, ali,no fundo do espelho, há uma mulher, silenciosa, que, sem um gesto, me observa e , no canto dos lábios, deixa transparecer, aos poucos, a curva sinuosa de um sorriso.

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