domingo, 21 de janeiro de 2018

Da busca procura da poesia.

Acordei com vontade de poesia. Não me adiantavam o café, o leite, a organização confortável dos móveis, no mesmo lugar onde eu deixara ontem à noite. Eu queria o correr livre das palavras, o fluxo saindo do peito, as rimas que me impelissem cada vez mais para frente. Mas ali, no meio da sala, só encontrei mais do mesmo. Sobre a estante, a poeira fina do tempo de todo dia, no sofá, o desarranjo das almofadas. Tudo no mesmo lugar. Mas eu? Ainda em busca de algo que me fizesse respirar. Corri à estante. Vasculhei os livros. Pessoa? Barros? Drummond? De quem seriam as palavras que me salvariam, me garantindo só mais um dia? Naquele momento, nenhuma frase me bastou. Eu queria o verso que me arrebatasse, me tirasse do lugar, que me dissesse que haveria mais alguma coisa além do almoço de domingo, das contas no móvel da sala, da justa organização de corpos e sentimentos ao longo das horas. O que eu buscava era o desequilíbrio, a pele arrancada em um único gesto, a carne trêmula e pulsante, as mãos estendidas, o peito tentando a todo custo voltar a respirar.. Qual seria o texto, a palavra, capaz de retirar o o invólucro de normalidade com que amarramos os dias e me jogar de voltar no ambiente sutil e silencioso do caos? Tinha que ser ela, Clarice. Abri os livros percorri as folhas. Macabéa. Ana. Lori. Ulisses. Nada aconteceu. Talvez a angústia dela não fosse a minha, talvez as palavras já tivessem produzido seu efeito no tempo necessário. Desesperei. Se nem em Clarice encontraria alento, onde mais procurar? Foi então que vi. Olhei para o lado, no canto da mesa. Branca, Inerte. Vazia. Irresístivel. A folha de papel. Caminhei até ela. Busquei o lápis, e sentei. Em algum canto da sala, entre Vinicius e Drummond, na última prateleira da estante, me pareceu ouvir, abafada, uma risada sutil. Éramos eu, o silêncio e ainda e sempre a busca procura da poesia.

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