quinta-feira, 28 de dezembro de 2017

Aviso! Essa não é uma crítica sobre o filme Rei do Show

Sobre ser artista, sobre ser herói E viver à margem de qualquer modelo e padrão pré-estabelecido. Sobre fatiar em pedaços a alma diariamente e ofertar aos bocados a quem passa na rua Entre fragmentos de tempo, no intervalo das ruas, preencher cada centímetro do rosto de tinta e sonhos e postar- se ali, em desafio, diante da multidão... Sobre viver sem pele, sangue e carne expostos e aprender a caminhar por entre os carros, desviando das motos, sob a luz dos faróis. É conseguir encontrar encantamento na simples contemplação das engrenagens do mundo e buscar o verso em imagens, sons, gestos, que as exprimam com exatidão. Sobre ser tomado pela mais inevitável emoção, pela ânsia de dizer, de dizer sempre e muito e demasiadamente de si e do mundo. Com urgência e algum método. Passo que se dá na coragem do existir, alheio aos olhos de reprovação, à busca de respostas, ao funcionalismo barato de grande parte dos passantes, aos rostos que riem sem rir, às mãos que apontam. Pobres diabos. Como poderiam entender o que vai diante dos olhos, se bem pouco sabem dos que lhes vai pelo coração? Se não são capazes de efetuar nenhum gesto que já não tenha sido testado e aprovado com alguma função cuidadosamente destinada a produzir algo. Se não tm coragem de arriscar um passo sem parecerem ridículos, como poderiam ser capazes de viagem a tão distante local? Bem aventurados sejam os pobres de alma, porque não sabem o precipício que se esconde entre o peito e as costelas, quando se mergulha dentro de si. Melhor mesmo é não olhar, fixar a atenção nos ponteiros do relógio, buscar as notícias mais urgentes da TV, perder-se no último boletim econômico.Deixar a poeira entrar e contar os anos, em títulos e bens. Manter-se em terreno seguro. Fora daí, o caos e o perigo das grandes viagens, as intermináveis, que rompem o sujeito de dentro para fora, atravessam-no definitivamente, bagunçando tudo pelo caminho. Melhor mesmo é ficar onde está. Ofício laborioso e atroz esse de ser artista, lugar mais sem propósito, perigoso e sem préstimo,embora cotidiano e comum a quem sabe ver, através do qual não se é nada, de nunca poder ser nada e de ter, ainda assim, na pele, nas mãos e nos olhos, todos os sonhos do mundo e nos pés a única vontade de voar alto, cada vez mais alto até fundir-se ao infinito, em poesia e tempestade.

Trilha sonora para o texto: Audição para The Greatest Showman

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