sábado, 10 de agosto de 2019

Goiaba vermelha

Minha vó dizia que a melhor goiaba era a a vermelha.Das que faziam o melhor doce .Ela mesma ia escolher na feira,no freguês que cortava pedaços da fruta verde se abrindo em polpa vermelha, suculenta,pra senhora de olhar exigente e sorriso fácil provar."-Doce pros meus netos"...ela dizia,1kg ou mais de goiaba na sacola de listras.Doce bom, vermelho, forte,mexendo no fogo da panela de alumínio antiga de tampa vermelha, no fogão da cozinha de paredes de pedra,ainda em Santa Teresa....Na peneira,as sementes separavam da fruta,a casca virava doce,ia direto ao pote, os pedaços da casca caramelados,em meio às flores de cravo,"pra dar gosto",ela dizia..O que sobrava da operação virava geleia, das que se comia com biscoito no pote de tampa verde e que se tomava com café.Eu,que não tomava café,assistia os adultos rodearem o bule e as xícaras de vidro, que passara de geração em geração e hoje enfeitava a mesa dos domingos,no pós-almoço .Eu rezava também pelo milagre mais ou menos rotineiro da transformação da geleia de goiaba no rocambole.A massa enrolada em pano de prato umedecido e polvilhado de açúcar..Sempre me pareceu que em algum momento a massa ia se partir, mas ela sempre conseguia dar jeito de fazer dar certo, no tempo exato das coisas...Cabiam muitas coisas no girar da massa amarela, no mexer da colher de geleia,a fumaça subindo devagar pelo fogão,penetrando a casa..Cabia o afeto doce, profundo,do colo e das mãos,cada dia mais velhas, cozinhando e costurando aqui e ali as tramas da família.. Cabia o abraço das tardes da minha infância e a certeza de que,entre as páginas do meus livros, era só espichar o rosto e você estaria sempre ali.. E era só esperar mais um pouco pra ver as frutas em pedaços virarem geleia vermelha e translúcida, acumulando em potes sobre a mesa.Basta fechar os olhos e a sua imagem ainda está ali,no fogão,na mesa,na mesma toalha que eu te vi estender por toda a minha vida.. O cheiro de geleia, contudo,ficou entre as folhas do calendário e já faz um tempo que procuro e espero, nas panelas vazias,nos potes acumulados nas prateleiras,o momento em que você vai cruzar o corredor da cozinha e me dizer: -prova, minha filha, acabei de fazer....

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