quarta-feira, 17 de junho de 2020

Aos 17 de junho.

Depositou um cálice de vinho na mesa escura, de madeira cansada, no curto espaço entre os dois. -Irene, a que estamos comemorando?Francisco perguntou. À sorte de estarmos vivos, disse Irene, os olhos postos na janela, de onde fluía uma luz difusa, atravessando o dia.Pegou a bebida, sorveu-a de um gole e então, falou para dentro de si: Há dias em que apenas seguimos e é necessário silenciar, para observar tudo o que não foi. Em dias como esse,dessa luz cinzenta que atravessa as alma, nossos mortos fazem fila para nos visitar e mesmo que o sol brilhe lá fora aqui dentro faz frio. Eu às vezes sinto que todos os anos,nessa mesma data, não haverá um dia em que não me lembre que uma vez, à tarde, eu tive esperança.Hoje, se já ouço novas canções,não consigo me livrar da sensação de que tudo, as paredes, as almas, as vozes, está permeado de uma intransponível atmosfera de silêncio e tempestade - porque a chuva sempre virá. Se hoje sorrio, não posso fugir da irremediável tristeza que se segue à alegria.Porque na verdade, é a consciência de que tudo, mesmos nós,perecemos e não há amor ou coragem que se se sobreponha ao tempo. Este é o mais implacável dos vilões. Dizendo isso, Irene se calou e Francisco percebeu o movimento dos ombros,sutil, como se chorasse. Pensou um instante, enfim decidiu-se: em silêncio segurou a mão de irene,temendo que o repelisse.Como não o fez, ele arriscou: Tudo que disseste eu não poderia refutar.Não posso arrancar do seu peito as dores vividas ou a brutal luta com o tempo.O que posso te dar é isso, essas mãos nas suas,minhas dores insuperadas e meus medos, meus instantes de esperança e alguma poesia.Tudo que posso é voltar meus olhos para teus mortos, para respeitá-los. Posso te dar só o silêncio que precisas para que retornes,se puderes.O que posso te dar é o amor que ainda tenho e minha esperança, não de que venceremos a batalha do tempo mas que, no intervalo entre o dia e a noite, existiremos juntos,com poesia e coragem. Irene não respondeu,mas Francisco sentiu que apertava sua mão com força e foi assim que a noite os alcançou.

Nenhum comentário: