segunda-feira, 9 de março de 2020

#8M

Peço perdão por recusar tuas flores e metáforas.Por seguir em silêncio enquanto discursas sobre homenagens e conciliação. Mas é que,em meio o burburinho contínuo das felicitações e mensagens, nossos corpos ainda queimam.Ainda há por toda parte uma infinidade de marcas em nossos seios e nossos ombros doem do peso excessivo carregado por tanto tempo. Por todo canto corpos sem vida, jovens, velhas, algumas ainda meninas, cuja infância não conseguiu deter o avanço de tuas pernas, de teus olhos, mãos e sexo. De teu irracional desejo de ter...E foi com sangue que elas pagaram o crime de serem, irremediavelmente, mulheres. Por mais tentemos, mas é impossível perdoar. Porque as mesmas mãos que hoje me tocam, seguram meus pulsos, prendem minhas pernas, alcançam meus cabelos quando tento me mover, rasgaram a carne de tantas outras, tantos dias de não terminar e ainda ouço gritos, sufocados pelos sons de todos os dias. E ainda sinto suas mãos sobre a minha boca, quanto tento gritar..Daqui, de onde estou, ainda sinto a força desmedida no golpe que fez meus joelhos tombarem.Que me fez querer morrer..Me perdoe se recuso teu sorriso, se me esquivo ao seu toque, se meu peito pula de terror,ao adivinhar os seus passos, no corredor? Porque não há ponto que costure aos roupas,pele, sonhos, uma vez rasgados, e não há caminho de volta quando se morre sem defesa ou perdão. Quantas vezes não morremos, um dia depois do outro, escondendo nossos corpos, silenciando nossas vozes, em uma débil tentativa de sobreviver? E enquanto eu sangrava, ainda podia ouvir o eco de vozes ,mulheres,homens, crianças,apontando meu corpo,meu rosto, minhas mãos e pernas, determinando aqui e ali tudo aquilo que extrapola o padrão preciso do que devo e posso ser? Olhos que escrutinam meu útero e ventre, réguas que medem meu sentir, palavras que atravessam minha pele determinando minhas emoções e meu prazer? Só o que eu queria era poder ser forte para seguir nua, sem armas ou defesas, ousando exibir meu corpo como uma bandeira,em desafio,livre, sem marcas, sem medo?Mas a verdade é que sob a pele o corpo ainda sangra e se ouso mergulhar, vez por outra em um fragmento qualquer de poesia, será pela urgência do seguir e a necessidade do silêncio e não mais pela busca do sonho,posto que, aos que tem o feminino impresso no corpo e na alma, não é dada a chance de sonhar,apenas de resistir.

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