sexta-feira, 3 de janeiro de 2020

Orações

Orações Quando eu era pequena, muito antes de entender de onde vinham os bebês, me apresentaram a Deus e – o que quer que significasse essa palavra para mim aos seis anos de idade- compreendi instantaneamente que havia algo de mágico nas palavras pronunciadas de uma certa maneira, uma depois da outra. Que poder era aquele de conectar pessoas a alguma substância invisível que, sem explicação alguma, atendia pedidos, curava a dor e trazia esperança. Foi nessa mesma época em que aprendi que o nome correto era “orações” e fui apresentada a algumas delas pelas minhas avós. Sim, eu tinha três avós em uma casa – minha avó vivia com as duas cunhadas - e, uma depois da outra, me ensinaram a rezar o terço, o Pai Nosso e a Ave Maria. A partir de então era com um novo ritual, todos os dias antes de dormir que eu me despedia do dia vivido, me deitava na cama da minha avó – os lençóis brancos com o eterno perfume de sabonete e sol, que ela lavava à mão – e recitava: “com Deus me deito, com Deus me levanto, por obra e Graça do Espirito Santo”. E eu nem mesmo sabia o que era o Espirito Santo, mas me parecia importante e fazia sentido para minha avó, então continuei por muito tempo até que entendi que as palavras realmente tinham um poder indefinido de diminuir a angústia, refrear o medo e dar esperança. Minhas tias me trouxeram uma série de outras crenças, nem todas da igreja católica e aprendi que algumas ervas tinham o mesmo poder de palavras, assim como as mãos, dispostas em posição de cura. Mas sempre conservei as primeiras palavras aprendidas à beira da cama: “rogai por nós, agora e na hora de nossa morte” e assim me sentia protegida. Aos poucos entendi que a fé poderia se manifestar de diferentes maneiras, nem todas através da palavra escrita. Pude perceber que o homem tem nomes distintos para coisas bem parecidas e que bem poucos entendem que palavras diferentes não determinam menos fé. Muito ao contrário. Também consegui entender que o sagrado por vezes se encontra nos lugares mais inesperados, como no meio de um abraço, em mãos que tocam e curam, em um pôr do sol. E descobri que sim, havia uma grande magia nas palavras da minha vó, costurada ao longo dos anos no tempo de todos os dias em pontos bem apertados, que me protegiam e me protegem até hoje. E que não estava necessariamente na oração, mas no afeto com que ela me guardava e guarda até hoje... O tempo passou e conheci muitas outras orações poderosas, nenhuma tão bela quanto a de São Francisco. Porque falar de comunhão, fé e igualdade social em uma oração tão curta deve ser realmente obra divina. Conheci muitas igrejas, templos e terreiros de religiões variadas, chorei com missas cantadas em altares monumentais. Mais do que isso. Pude atestar a inescapável presença do sagrado, em acontecimentos banais e palavras que se tornaram magia para mim, pelo tanto de afeto que conservavam. Até que um dia tive que aprender a recitar minhas orações sem ter minha avó do lado e a entender que o sagrado pode ter um nome bem conhecido para te proteger e guardar. E jamais deixei de acreditar no poder das orações: “ livrar-me de todo mal, amém”.

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