quinta-feira, 15 de junho de 2017

O café

Lembro quando olhava pela janela, procurando me libertar...O sol me causava dores, porque o calor e a vida estavam muito longe de mim...O som das teclas, batendo interruptamente no teclado me provocava náuseas...E o frio constante que chegava até os ossos. Eu me levantava, ia até o café ,buscava sentir o ar e o azul que cintilavam das janelas de vidro, mas estava tudo lá fora...O líquido escuro, frio, que saía da máquina expressa não me acordava, me entorpecia mais.E eu ali, presa aos 480 minutos que separavam vida e morte...E então, um dia decidi: precisava sair dali. Ou morreria. Eu queria a liberdade dos gestos, a coerência dos meus sentimentos e nada disso combinava com o cinza e vinho que organizavam meu dia. Foram longos anos de espera, preenchendo o silêncio com músicas e sons, para não enlouquecer. Era o conhecimento- eu acreditava- a porta que me levaria além. Era preciso buscar um caminho, cavar um túnel, para me aproximar de tudo aquilo que eu era... E então, subitamente,eu vi. Senti o calor de uma nesga de sol e o vento frio do outono no meu rosto. Era isso. A libertação. Caminhei rapidamente, sem olhar pra trás e agarrei a primeira mão que se estendeu. Enquanto eu me deliciava com a liberdade momentânea das horas, percebi que havia um contínuo tique-taque ainda nos meus ouvidos....Mas ,se não havia relógio, onde poderia estar o controle? Demorei segundos para perceber. Ele estava dentro de mim...As mãos que me amparavam me seguravam em compromissos, laços, tarefas intermináveis e não me restava tempo para ser....E os anos passavam. Sobre a mesa o mesmo caderno em branco, esperando para ser escrito. E a liberdade, lá fora esperando pra ser vivida. Um dia, entre um artigo e uma leitura, o gesto súbito e a xícara de café virou sobre o teclado...o líquido quente, amargo, tomou rapidamente as teclas, inutilizando o trabalho de meses...O escorrer do café me parecia libertador, contudo. Era como se, de repente, as grades de ferro dos meus pulsos se soltassem. Estava livre....Enlouquecida, extasiada, virei o restante de café no teclado. Fechei o laptop...Não me importei com a mensagem: “você deseja salvar o trabalho”? Não. Eu não desejava. Tudo que eu queria era a página em branco. E o dia lá fora. E ele não podia esperar mais. A tarde de outono já começava a cair...Rapidamente, peguei o caderno, no qual, inacreditavelmente não havia uma gota de café e saí, batendo a porta. No meio da mesa, os grilhões continuavam ali, em estado de espera...Mas era cá fora que a vida me esperava, sem razão, metodologia ou recorte. Apenas poesia e era tudo...

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