domingo, 8 de janeiro de 2017

Edelweiss

A primeira vez que nossos olhos, tão acostumados ao calor e à luz dos trópicos, se deparam com as montanhas geladas da Áustria, causa impressão a curva de água que desce pela terra, em meio à neve e, no caminho, vai germinando as sementes que encontra. Entre elas está a Edelweiss, não por acaso a rara flor dos Alpes, eternizada na canção de mesmo nome, que emociona plateias até hoje em The Sound of Music (ou A noviça rebelde, para nós) ... Se olharmos com atenção, a Edelweiss é uma bela metáfora para o exercício (e o risco) de se expor diante do outro. Assim como a água gelada dos alpes percorre um caminho desconhecido até chegar às sementes, arriscando-se a não germinar e perder-se nos caminhos das florestas austríacas, toda palavra, o gesto, os olhos, arriscam-se a não encontrar nada quando buscam o contato com outros olhos, ou outras mãos. Perder-se no outro é mergulhar no silencioso desconhecido, empreender uma jornada cuja duração não poderemos precisar. A cada passo uma palavra contrária, um descuido e, talvez, a desconexão ou a indiferença. Quase como um sistema delicado de engrenagens, o encontro com o olhar do outro e a imersão nesse universo imprevisível funcionam de modo similar a uma delicada caixa de música, onde, não se sabe bem porque ou como, a um comando determinado de peças metálicas, em algum momento, o encanto se faz e a música surge, na palma de nossas mãos. Escrevo isso porque, na (des) organização dos enfeites de natal descubro uma pequena caixa de música, presente dos meus pais durante uma visita à cidade suíça de Lucerna. Após um dia inteiro de andanças, os dois me chamaram ao seu quarto e me depositaram um pequeno pacote nas mãos. Abri e me deparei com uma caixinha de música e, após breve dificuldade (ok, não tão breve assim) consegui manipular as engrenagens. Foi quando ouvi os primeiros acordes da canção Edelweiss, que me encantara desde a infância, apaixonada que sempre fui pelas aventuras da família Von Trapp. Naquele momento mergulhei profundamente nas minhas memórias e emoções de infância, tendo diante dos meus olhos os personagens que povoavam minha cabeça. A jovem leitora, os meninos, a filha mais velha e o belo casal formado por Plummer e Andrews e o Laendler, a dança típica que é executada pelos dois atores, lá pelas tantas dos filmes. Naquela caixa de música escondia-se uma parte da história da cidade, que eu tornava minha também, pela experiência de receber o objeto dos meus pais. Cientes da minha paixão, pai e mãe conseguiram resgatar nas minhas emoções, em segundos, uma parte considerável da minha infância e me conectar àquele lugar, tornando-o parte da minha memória. Enquanto a música toca, volto ao percurso nas montanhas geladas dos alpes austríacos, no deslumbramento dos rios cor de agua marinha, dos picos de neve e das arvores desconhecidas. De tudo que vi, nada ficou mais forte na memória, entretanto, do que o momento em que finalmente ouvi as notas de Edelweiss em uma pequena caixa de música que agora, à guisa de epílogo, tenho exatamente aqui, na palma da minha mão.

Edelweiss em Sound of Music https://www.youtube.com/watch?v=mMuTDdWXbNo

Nenhum comentário: