
Relicário
Antes fora eterno, mas e agora?
Saberia compreender a intensidade do não vivido, agora que morto?
Por todos os lados fragmentos do relicário quebrado onde jazem perspectivas,
ainda repletas de sangue que insiste em pulsar.
Não seria a vida mais do que uma contemplação,
janela fechada onde me debato em dores, os punhos fechados a golpear o vazio?
Antes o conforto do não saber me dava a certeza de que um dia haveria o sim,
palavra mágica que a passo de sua pronúncia abriria todos os poros,
romperia as estradas, a perpetuar-se em versos ecoando pelo ar.
La fora o tempo, escoando em frases dúbias, breves,
nos intervalos dos silêncio e quanta verdade encerrava!
Era o sopro de vida que me adentrava o peito,
os olhos fechados para enxergar no eterno
a silhueta da imagem que fazia tua. Antes fora.
O que te quis deixar era mais do que jamais pude ser.
Era o afeto costurado na certeza do sentir,independente de qualquer coisa,
era a mão que acolhe, o peito que conforta,a boca que cala.
Era teu ar que eu quisera antes,antes de mim mesma.
Mas fostes pelo medo, pelo caminho das grandes certezas,
pela pintura de quadros fantásticos, embevecido pela visão de altivos castelos a erguerem-se ao longe.
Fostes menos do que pensava,mas ainda assim eras tu.
Perdido,fugidio,incerto,incoerente,mas tu.
Tudo além me era supérfluo.E do mundo nada mais esperava.
Mas passastes ao largo,e fiquei no caminho,pedaço de mim mesma,
acreditando que a dor que me causastes faria com que voltasse teu rosto novamente.
Engano.
Não é o silêncio de tua boca mas a ausência de teu sentir que me fazes oca,posto que te guardavas como a mim mesma.
Gritei teu nome, agarrei-me às imagens que guardava de tuas promessas,
joguei-me ao vento,nada adiantou.A dor ainda estava lá.
Então foi um dia,no intervalo de um sorriso que o silêncio fez-se voz e pude enfim ouvir a mim mesma,em sons que me diziam:és tu.
Toda essa calma,esse murmurar de palavras,esse sentir infinito,
essa voz que berra,és tu.
Busquei-me em mim e cheguei até o fundo de nosso antigo relicário,
onde tuas fotos permaneciam ao chão e meu corpo jazia morto,
conservado em fragmentos de tempo.
Então pude entender:Era ali que me encontrava,todo o tempo.
Protegi-me da dor,dentro de mim mesma,levando comigo a promessa de ti.
Mas tu não eras aquele que me acompanhava,era o próprio envoltório que me asfixiara,e que eu ainda tinha seguro nas mãos,por medo de me expor ao vento enquanto este me fustigava cruelmente,dia após dia.
Tomei de meu corpo, lavei meu rosto, sequei minhas lágrimas.
No chão,ainda marcas de anos de pranto,ou seriam dias?
O tempo perdeu a importância.
E súbito o sol,batendo em cheio em meus olhos,ainda da janela onde se pôe.
Enfim chega a noite e a dor ainda persiste.
Mas já sou capaz de erguer a cabeça e contemplar-me no espelho.
Amanhã,já não tenho certeza.Sei que serei eu, apenas.
Entregue à incerteza de um sorriso ou perdida entre o constante e o nada ,
já não posso precisar.
Sei que enfim já sou capaz de ouvir meu próprio silêncio
e tu te fostes com tuas andanças,para longe.
Deixarei por ora,guardados por aqui,os restos de nosso relicário.
La fora, me espera o sol.
Nenhum comentário:
Postar um comentário