quinta-feira, 24 de outubro de 2019
silêncios
Ontem me lembrei de quando eu era pequena e passava uma temporada em Santa, que naquela época tinha um ritmo bem diferente do de hoje... Não faz tanto tempo assim e as coisas todas eram reguladas pelo soar do bonde, de hora em hora.Aos domingos, de duas em duas horas...Naquele tempo a casa da minha vó ficava de frente para o Catumbi e o Túnel Santa Bárbara e eu gostava de ficar na janela da varanda admirando os carros que passavam... Criança tem que brincar, era o pensamento geral e eu costumeiramente era mandada procurar o que fazer, um amigo,uma brincadeira.Ficar só ,sem nada para fazer não era coisa que se fizesse... Mas eu gostava mesmo era do silêncio, das horas perdidas na contemplação do mundo, onde os ecos das palavras e das pessoas faziam mais sentido. Para mim, era como mergulhar na piscina, de olhos abertos e de repente sentir que o silêncio ia tomando o peito, como se uma substância viscosa e quente, me abraçasse por dentro, diminuindo a dor e me fazendo pertencer a algo. De fato,eu sempre pertenci ao silêncio e sempre busquei, em todos os meus dias, um instante em que pudesse abrir essa porta e me colocar ali, em contato comigo. Deus sabe quantas coisas me disseram sobre o silêncio,tantas que em algum momento ficar sozinha era minha maior tortura. Eu simplesmente não dava mais conta de todas as palavras que me surgiam e precisava desesperadamente de alguém que legitimasse tudo que eu sentia.Eu já não me sentia capaz de me ouvir e temia o instante de mergulhar. Quem sabe eu pudesse perder o pé, quem sabe o que poderia acontecer?
No compasso do tempo muitas e muitas vezes perdi o pé, sem que a vida desse conta de me explicar o porquê das coisas....E nunca mais ouvi a voz da minha vó, me surpreendendo de novo na janela contemplando a vida e me dizendo:vai minha filha,vai brincar...
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