quarta-feira, 13 de fevereiro de 2019
Sincretismos
Fui criada como todos os brasileiros (ou a maioria deles) em uma família onde o batizado era feijão com arroz,todo mundo tinha um pezinho no terreiro e outro no esoterismo..Como criança alérgica que fui, os patuás, misturinhas,ervas medicinais, pomadas e ungüentos sempre dividiram espaço com as caixas de antiflamatórios e analgésicos tradicionais, uns e outros usados com parcimônia pela minha mãe... Remédio mesmo era a barra de chocolate ao lado da vacina semanal, das que doíam, no braço e os olhos fechados para enganar a dor.Remédio mesmo era e é a reza da minha vó, feita com o terço e a receita embolada entre as mãos. E nunca deixamos de nos desejar boa noite, ao ouvir no rádio a Ave Maria..E de frequentar a igreja católica, às segundas-feiras, para rezar pelas almas... Cresci conhecendo muitas das celebrações e rituais da umbanda,as festas de crianças e suas cores e ruídos inacreditáveis, os cantos dos quais ainda me recordo e o cheiro de ervas misturado as velas..Já na escola me lembro de ver a imagem de Oxum, na representatividade da dança folclórica,rasgando o palco em ouro e amarelo e me emocionando até a alma. Eu já arriscava meus passos no carimbo e maxixe, mas foi no espelho de Oxum que deixei a minha alma e me prometi que um aprenderia essa mesma dança,bela entre as mais belas...A mesma reza dos orixás era a Reza da igreja e talvez por ter crescido sem uma religião definida eu tenha aprendido a respeitar todas..Ainda adolescente conheci o kardecismo e a religião messiânica ,que me aproximaram da ciência do toque,do sentir o outro e me fizeram crer em energia,das que a gente transmite entre si...A cura então não estava mais somente na palavra, mas na incrível capacidade do humano se tornar coletivo, criar um mesmo espaço de existência ao erguer suas mãos em direção a alguém. Talvez por isso, antes mesmo de entender o que seria um estado laico eu compreendia a instância do sagrado na vida de cada um eu tenha aprendido ainda em criança o momento certo do silêncio e do sujeito transcender, qualquer que fosse o objeto de sua adoração...Ao logo da vida conheci ateus mais progressistas que o mais erudito e aplicado dos religiosos e descobri que no ser em comum ou seja,em sociedade, não pode haver espaço para somente uma forma religiosa. Se aprendemos a respeitar todas, estamos dando mais espaço para a possibilidade de convivência do que ao afirmarmos que uma ou outra verdade deve ou não ser seguida. Porque verdades não podem nem devem ser seguidas, como os sujeitos, que nascem, apenas e somente para transcender
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