terça-feira, 15 de janeiro de 2019

Queen e eu

O ano era 1992. Uma segunda-feira comum, especialmente para quem, como eu, ainda estava na escola. Naquele dia, porém, 20 de abril, havia algo diferente. A transmissão do Freddie Mercury Tribute Concert pela TV Bandeirantes, concerto para homenagear o cantor e líder do Queen, morto em 24 de novembro de 1991. Meu aniversário, aliás e infelizmente, data fatídica para perder o vocalista amor da sua vida toda. Ouvi a notícia sobre a morte de Mercury enquanto anotava a programação diária do Disk MTV, tarefa diária, bem como comentar as performances das bandas que eu amava, todas devidamente expostas em pôsteres nas paredes do meu quarto. Morria com ele meu sonho de ver um show do Queen ao vivo após perceber, ouvir falar, da mais incrível, fantástica, extraordinária performance da banda no Rock in Rio 1985. Eu tinha seis anos, mas já conhecia a voz inacreditável que levava músicas como Radio gaga e I want to break free. Ambas faziam sentido de uma forma inexplicável para mim e eu literalmente não fazia ideia do que queria dizer nenhuma das letras. Era apenas uma voz e ela me tomava completamente. Eu simplesmente precisava estar em um lugar onde essa música tocasse ao vivo, o que quer que fosse um show de rock com milhares de pessoas reunidas, mãos para o alto, em palmas ritmadas. Freddie Mercury era exatamente isso. O mergulho na profundidade musical de suas cordas vocais, na absoluta entrega do cantor e no imperativo de seguir cada um de seus comandos ao público. Em 1992 eu respirava música, mais precisamente a música que saia da transmissão da MTV ou do meu inseparável Walkman (favor consultar o Google, senhores, para saber do que se trata) do cheiro grunge dos adolescentes batedores de cabeça, flanela e cabelos ao vento, da absoluta solidão em preto e branco do Metallica, da rebeldia melódica do incontrolável e requebrante Axl Rose, sempre em busca da sua “cidade-paraíso”. Pouco me importava, à época, as drogas, as confusões, a atmosfera sombria que as mídias normalmente constroem à guisa de produto em torno dos astros de rock. Eu consumia, devorava, cada uma das revistas, dos pôsteres, da vida de todos eles, todos menos um, Freddie Mercury. Ao ouvir Queen, era a música que me consumia, em cada um dos acordes. Não por acaso a primeira escuta de Bohemian Rhapsody provocou um efeito devastador. Como era possível que aquele homem pudesse unir o lírico ao rock em uma obra inigualável, eu não podia compreender e acredito que nem hoje eu possivelmente conseguiria. À época, eu obviamente não poderia precisar a importância da obra, considerada a música mais executada do século XX . Posso dizer que fui responsável por parte considerável das execuções, pois não foram poucas as vezes em que me rendi ao refrão inescapável, ao coro absoluto e poderoso de Roger, Bryan, John e, claro, Freddie. Imaginem o frenesi quando, na divulgação do line up do Tributo a Freddie Mercury, ser Axl “my darling” Rose (o campeão absoluto de pôsteres no meu quarto) o responsável pela execução de Bohemian Rhapsody. Era consenso de que nem mesmo a melhor e mais preparada das gargantas poderia substituir Mercury com sucesso. Talvez por isso, o tributo tenha sido tão bem-sucedido, na minha opinião. Mais do que tudo, o show foi um marco da absoluta falta que Freddie faria ao mundo. Assisti ao show todo na casa de uma grande amiga, inseparáveis que éramos, na paixão musical, na audiência ao Disk MTV (um programa de televisão que computava votos aos melhores videoclipes) e no amor a Freddie Mercury. Costumávamos nos ligar (sim, crianças, aquela velha função dos telefones) e comentar os programas Disk MTV, Top Ten Europe e Top 20 EUA (ou assim me lembro dos nomes), além de anotar em nossas agendas os shows, clipes, execuções e ranking das bandas. Foi na casa dela em que ouvi pela primeira vez o álbum GNR Lies e tive nas mãos o premiado Apettite for Destruction, ambos do Guns ‘n Roses. E se uma coisa pode formar um ser humano ou, ao menos, fazê-lo feliz, é partilhar músicas com outras pessoas, particularmente se essa pessoa for sua melhor amiga na adolescência, aquele único ser que podia, sem dúvida, folhear cada linha da sua agenda e sabia de cor os nomes de todas as suas paixões, etapa memorável da minha vida. A quantidade de noites inesquecíveis que passei vendo shows e clipes, chorando por namorados perdidos, cozinhando nossas gororobas preferidas e rindo das nossas desventuras merecia um livro. A primeira vez em que provei uma bebida alcoólica também, um prosaico gole de licor de chocolate, nosso brinde à morte de Freddie, diga-se de passagem. Afinal, tínhamos espírito e corpos adolescentes, na ansiedade de nossas primeiras escolhas autônomas, de nossos primeiros ídolos, da formação de nosso senso crítico e das primeiras experiências inesquecíveis. O dia 20 de abril não foi diferente. Ao longo do show, Axl, Bowie, Extreme, Metallica passaram pelo palco do Wembley Stadium, enquanto nós, duas adolescentes brasileiras, chorávamos e riamos, criticando cada um dos cantores. Nenhum era maior do que o vocalista do Queen, para nós. O tempo se encarregou de reforçar essa opinião. Vi o senhor Freddie Mercury atravessar o palco com uma cantora lírica, entoar os mais pesados do rock n rolls e esvoaçar, deslumbrante, por entre os espelhos e escadarias de um palácio. Ao longo dos anos, chorei ao ouvir a performance do Live Aid 85, Wembley 86 e das performances do Queen no Rock in Rio, que só fui conhecer ao vivo muito tempo depois. Nenhum cantor, nenhuma performance poderia ser mais poderosa do que o Queen, embalando o êxtase de 250 mil pessoas, mãos para o alto, lágrimas nos olhos, ao som de Love of my life. Também eu estive ali, mesmo que em sonhos, ouvindo cada uma das músicas que amei ao longo da vida. Nenhuma música seria uma trilha sonora tão precisa quanto Under Pressure ou I want to break free, para meus anseios de liberdade. Nenhuma definição melhor do que os versos de Crazy little thing called love para explicar minha vida sentimental ou I want it all para explicar a necessidade de voar, ganhar o mundo, “spread my wings (esticar minhas asas). Ainda hoje, aos 40 anos, todas as vezes que ouvi Bohemian Rhapsody fui tomada por uma necessidade de levantar, cantar e dançar, a plenos pulmões e em todas, absolutamente todas as vezes a performance foi maior do que a vergonha, assim como Bryan, John, Roger e Freddie queriam, imagino eu. Não seria diferente em minha festa surpresa, quando fui presenteada com um momento realmente bom, ao som de Don´t stop me now, onde viajamos todos na velocidade da luz, pedindo apenas que ninguém nos parasse, ainda e sempre ao som de Queen. E hoje, após ver o filme, Bohemian Rhapsody e a performance incrível, extraordinária de Rami Malek, não sei quanto a vocês, mas eu estou “burnin' through the sky, yeah, two hundred degrees”. Thank you Freddie, Thank you for all.

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