domingo, 16 de abril de 2017

Há uma casa à venda em Tiradentes

Há uma casa à venda em Tiradentes...De repente os contornos de um atelier me veem a cabeça.O chão de madeira,gasto,sujo,acordando para a vida lá fora no movimento da porta, que traz a luz aos poucos,iluminando os parcos moveis que restam ali..Há uma casa à venda na rua de pedras,de paredes largas,brancas,nuas,cortadas pelo limo que escorre do teto,criando um caminho próprio em meio à poeira armazenada ali..Enquanto meus olhos tentam adivinhar cada detalhe, a janela range na ânsia de ser aberta e empurrar para fora os anos de espera e silêncio..Há uma casa à venda em Tiradentes onde o sino da igreja,pontualmente às seis da tarde,imprime um componente de melancolia em cada cômodo...No canto da sala talvez resista um lavatório de pedra,rachado no meio,esperando ainda a agua fria para ajudar a comecar o dia...Encostada na parede,uma vassoura de palha,meio destruída,coberta de todo o pó que não se conseguiu varrer.Quando foi a última vez que essas paredes viram a luz,que as janelas se abriram,que a a porta rangeu e deixou entrar um tanto de vento?De onde olho vejo a casa ali,sólida,inerte,à espera.Também eu espero o momento atravessar a rua,de tocar a parede fria,de pedra,sentir a madeira carcomida pelo tempo em meus dedos e empurrar a porta,que,obviamente,me empurrará de volta,oferecendo a resistência dos anos ao meu desejo de entrar..Lutamos por alguns segundos e então consigo movê-la lentamente.O ar frio do interior da casa bate no meu rosto como um convite e ao primeiro passo já ouço o assoalho de madeira protestar,como se não quisesse que o tempo prosseguisse,como se pedisse que tudo permanecesse no mesmo lugar...Me movo lentamente, em respeito as histórias que adivinho em cada canto.Descubro ali, exatamente onde imaginei, a vassoura e o lavatório..Vou à janela,experimento-a.Ela se deixa abrir com facilidade,como se já estivesse esperando por mim.No momento em que abro cada uma, a luz do sol invade instantaneamente a sala me oferece os contornos de mesa e cadeira igualmente abandonadas..Sobre a mesa resta um único pincel,quebrado e seco..Vou até ele,prendo-o nas mãos.Fecho os olhos.Vejo um borrão luminoso, imagino baldes de tinta,telas,pinceis,invadindo a casa e expulsando o mofo das paredes...Em instantes preencho cada canto da sala com cores,lavando o limo das portas com a água do meu lavatório...Caminho pela casa e sinto o cheiro suave do café feito no fogão de pedra,perto de uma janela baixa,onde  os galhos de árvore,que penetram a casa,deixam folhas pelo chão...Aqui e ali tudo respira. Enquanto os pinceis se acumulam pela mesa da sala tento em vão varrer o pó do chão e descubro que ele ainda está ali,entranhando nas novas tintas,no cheiro do café,na água limpa e fria do lavatório.Somos ambos de um mesmo instante,de silêncio e som,luz e sombra,perpetuados pelo simples gesto de dar um passo à frente e mergulhar  nas engrenagens do tempo.Há uma casa à venda em uma rua de pedra em Tiradentes e suas paredes e portas agora fazem definitivamente parte de mim

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