segunda-feira, 13 de fevereiro de 2017

Não é sobre o turbante.

Como muitos brasileiros, fui criada em uma família em que o sincretismo sempre vigorou, seja na obediência a certos preceitos do catolicismo, seja no respeito e na experimentação de mil outras formas religiosas. Ainda assim, mesmo em sendo a matriz católica uma das minhas principais referências, sempre tive problemas com a imagem da cruz...Para mim, a ideia daquele pedaço de madeira sempre foi associada ao ato de tortura que o originou, me dando náuseas a cada vez que o vejo...Ainda assim, com o tempo compreendi que, para muita gente, a cruz é um símbolo de redenção, de fé, materializando o corpo de Cristo ao alcance da mão. Não é que, a partir daquele momento, a cruz passasse a ter outro sentido para mim. Não posso abrir mão de enxergar cada corpo que foi supliciado ali, as mãos e braços abertos, a absurda agonia, mas, em algumas situações, consigo entender que há outros sentidos além do meu. Falo isso para exemplificar que, em um mundo permeado de imagens e símbolos o confronto de ideias não pode ser o motivo para a definição de não-lugares, para a deslegitimação de olhares ou o silenciamento de perspectivas distintas. Já de há muito que sabemos ser a perspectiva uma pré-condição do ato de compreender o mundo...E se cada um tem seu ponto de vista como podemos conviver, em meio a tantas representações distintas? Aí entra em cena a comunicação, o espaço “entre”, que quase nunca habitamos, preocupados que estamos em colarmos etiquetas e mascaras à nossos rostos, para sermos amados, admirados e associados ao conjunto de ideias que nos é próximo. Mas e se falamos sempre aos que nos dizem sim, como é possível convivermos? Uma sugestão fácil de falar é difícil de executar é procurar ouvir o outro.Ouvir,não no sentido de colocar-se em posição superior, mas em caráter de igualdade. Taí o grande problema.Se somos tão legais, progressistas, inteligentes, politizados, como é possível que sejamos iguais a quem não se dá o trabalho de pensar no que diz?Pois é. Ás vezes estamos em contextos e recortes absolutamente distintos e igualmente dignos de escuta...Evoluir como ser humano é não cobrar humildade do outro, mas ser humilde, não cobrar que o outro te ouça sem primeiro saber ouvir e reconhecer que há visões de mundo outras.. Falo isso para dizer que, em 99,9% dos textos lidos sobre o episódio do turbante,so li reproduções de discursos de opressão..Em poucos e louváveis exemplos, percebi a problematização de um ato de conflito de comunicação.Duas pessoas que divergem sobre um objeto, que tem significados distintos para cada pessoa.. Em vez de estimular o ponto de escuta, nos erguemos, com raiva, para apontar o dedo para a legitimidade de fala de cada uma, sem nos dar conta de que faltou escuta...Dos dois lados.Será que a representação do objeto de cada uma é igual?Decerto que não.Será que a outra sabia da representação da primeira? Com certeza,não..O que de mais importante poderia ser dito é que os desconhecimentos pudessem ser resolvidos no diálogo e cada pessoa pudesse seguir seu caminho com o peso da percepção do outro e infinitamente maior como pessoa...Não seria melhor se a moça que portava o turbante soubesse o peso que tem aquele objeto,os anos de histórias ,muitas vezes silenciadas por narrativas de opressão e seguisse seu caminho com mais consciência?Não seria melhor se,em vez de defender seu inquestionável lugar de fala, a outra pessoa, a que detem o conhecimento sobre o peso histórico do objeto, compartilhassse seu arcabouço simbólico com a outra e seguissem as duas, quem sabe de turbante,quem sabe não? Em vez disso ficamos aqui, debatendo legitimidades e a comunicação não se faz .Me faz lembrar Edgar Morin quando dizer que a educação deve formar para a compreensão do outro,ou em suas palavras.. Lembremo-nos de que nenhuma técnica de comunicação, o telefone à Internet, traz por si mesmo a compreensão. A compreensão não pode ser quantificada. Educar para compreender a matemática ou uma disciplina determinada é uma coisa; educar para a compreensão humana é outra. Nela encontra-se a missão propriamente espiritual da educação: ensinar a compreensão entre as pessoas como condição e garantia da solidariedade intelectual e moral da humanidade (MORIN, 2000, p.93). Nosso acesso às mídias ou ao conhecimento não nos faz menos intolerantes. São nossas escolhas que fazem. E, dessa forma, ouvir é o ato mais revolucionário que poderemos empreender.

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