sábado, 21 de março de 2009

Manifesto do indio




Ah, se soubéramos antes quando da entrada da frota em águas brasileiras, ao vislumbrar a primeira nau, que seriamos invadidos por tal corja de ladrões que exterminariam nossa natureza, teríamos tomado o poder, pintado nossos rostos em ritual de guerra e invadido as ruas, a queimar as casas dos pacatos colonos, conclamando-os a juntarem-se à turba que se dirigia à praia e receberíamos os viajantes à bala.
Se soubéramos da chegada desses negociadores de gente, teríamos transpassado a todos como se caça fossem e uma vez expulsos tomaríamos da terra que por direito nos pertencia, unindo-a de uma só vez em estado indígena, agrupando em tribos das mais diversas, em suas cores e penas, em vez desses povos, esse arremedo de gente com cheiro de maresia, embolorados de tantos meses em porão de navio e a decidirem pôr sob estado de cativeiro os nativos que aqui encontraram.
Mas antes, foram recebidos com festa e como donos da casa e de seu quintal fizeram o chão que aqui pisaram, tomando com suas mãos ávidas tudo que lhes chegou ao alcance, inclusive e principalmente nossa liberdade.
Construíram suas casas pelas mãos dos escravos e geraram filhos alimentados por negras, esmagando sob o tacão de suas botas, a população que aqui já vivia. Fugimos, corremos aos matos, escondemo-nos no leito dos rios, aguardando que voltassem atrás em seus sonhos faraônicos e interrompessem a sanha de abrir a fogo nossas rochas e arrancar de lá todo o metal que havia, erigindo altas construções onde velassem seus mortos e clamassem por seu Deus.
Aos nossos filhos, calaram as vozes, invadindo-os com histórias fantásticas que lhes trouxeram pesadelos e lhes proibiram de chamar seus deuses, porque fizeram-lhes acreditar que não existiam.
Pedimos aos céus que levassem os viajantes, mas eles se multiplicaram, trouxeram suas mulheres, pariram seus filhos, criaram suas cidades e invadiram nossas florestas. Passaram-se séculos. Aos negros, vindos de terras longínquas, romperam a pele sob o impacto de seus chicotes e quando já não tinham mais forças, jogaram-lhes às ruas, dizendo-lhes que eram livres.
Os homens que aqui se criaram, pareciam não reconhecer este lugar como seu. Venderam sua terra, queimaram suas arvores, secaram seus rios. Construíram uma civilização. De nós, restamos poucos, ainda teimosamente resistindo, em pequenas porções de solo, onde nos amontoamos.
De longe, enxergamos seus avanços. Segregam-se em tribos, matam-se uns aos outros sem motivo aparente, tomam a pulso qualquer riqueza que lhes chega aos olhos. Nada podemos fazer. Não somos ouvidos, vivemos à margem de solo que é nosso. Nossas mulheres ainda geram filhos, mas já não vemos na terra modo de fazê-los crescer. Vivem encantados pelo que ouvem longinquamente, de máquina engenhosa que exibe imagens e sons que não conseguimos entender.
Somos nós que precisamos pedir-lhes que nos ensine a ser dono da terra, a derrubar, queimar e matar-nos uns aos outros. Seremos assim considerados como parte do país. Ah,se antes soubéramos...

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