domingo, 8 de março de 2015

Sobre a filosofia beijinho no ombro

No dia das mulheres... Sobre a filosofia beijinho no ombro Tenho a sorte de conviver com mulheres maravilhosas. Seja através do que leio ou do que vejo, daqui de onde olho mulheres fazem coisas fantásticas: entram e aos poucos crescem em carreiras antes consideradas masculinas, saem de casamentos em que não eram totalmente felizes e seguem solteiras, desafiam padrões morais e buscam sua felicidade em modelos de relacionamentos de todos os tipos, optam por não ter filhos mesmo com a GRANDE pressão da sociedade, usam seu corpo como bem entendem e sua sexualidade como têm vontade. De alguma forma caminhamos aos poucos para o século XXI. Mas e nós mulheres, entre nós? Segundo estudos das ciências sociais e humanas e apoiado ao longo do tempo pelo senso comum a configuração do mundo pela lógica feminina (ainda no tempo dos Sumérios e até que o Cristianismo fosse definitivamente instaurado no mundo) fazia crer no equilíbrio entre todas as forças (humanas e da natureza) pela ótica uterina, do Sagrado Feminino. Ser mulher, nessa época, era ser uma sacerdotisa em potencial, em contato com os sutis movimentos do mundo, posto que fosse do útero que vinha toda a vida... E de nossas mãos vinham por vezes o remédio que cura, os pensamentos que ensinam e a ideia de que éramos todas irmãs.. O tempo passou e sob as engrenagens históricas muita água rolou por debaixo da ponte. Fizeram-nos pecado e ignorância. Nos recolhemos às casas e às nossas famílias por tanto tempo que só há algumas dezenas de anos voltamos a sair, ainda confusas sobre nosso papel na sociedade, se de mães ou trabalhadoras. Lá fora, tudo estava diferente. Dissseram-nos que devíamos crescer por nós mesmas e guardar respeito por sobre o nosso corpo,pois qualquer coisa que nos sucedesse seria nossa culpa.E nossa sabedoria, fato incontestável provado pela ideia de que ainda éramos nós que gerávamos a vida? Pra muitos, éramos uma parte, não o todo da criação, justamente a parte torta, suja, que deveria pagar a pena de der tido a curiosidade de experimentar o novo, no caso, a “maçã”. Fôramos desacreditadas e nossas mãos femininas, antes próximas, foram separadas, posto que, se éramos responsáveis pelo grande pecado da humanidade, devíamos nos envergonhar daquilo que antes nos enobrecia. Viramos inimigas. Tornou-se costume dizer que não se podia confiar em mulheres, que tínhamos inveja, raiva,mágoa umas das outras, e que uma vez juntas podíamos roubar vidas,maridos,dinheiro. Acreditamos. Passamos a olhar nossos corpos e nossas vidas com desconfiança e a tecer julgamentos pelo comportamento da outra, como se fôssemos todas condenadas a não reproduzir o pecado original que nos fizera cair em desgraça. Vieram os apelidos: piranha, puta, galinha, destruidora de lares, sem vergonha. Sob o peso dessas palavras muitas de nós foram criadas, levando nos corpos o medo de darmos vazão a nossas vontades e pormos em risco a honra de nossas famílias e comunidades. Fiscalizávamos nossos corpos, nossas roupas,nossos rostos....A cada exagero ou exposição éramos publicamente execradas pelas outras, como se cada gesto pudesse reproduzir nas outras uma ideia de desrespeito, que não poderíamos de modo algum permitir Curiosamente continuamos sendo as mesmas: parindo nossos filhos, acumulando sabedoria, formando nossas famílias. A duras penas, penetramos nos centros de saber, ocupamos postos de trabalho, tornamo-nos respeitáveis. Continuamos sofrendo o fardo de nossos corpos e toda a violência de sermos o que queríamos ser: mães ou mulheres que abortam trabalhadoras ou donas de casa, putas ou santas, lésbicas, virgens, infiéis, ateias, gordas ou magras, feias ou bonitas. Era incrível a quantidade de etiquetas que penduramos em nossa pele. Continuamos a vigiar nossos hábitos entre nós, principalmente os sexuais. Afinal, tínhamos que nos dar ao respeito. Mas o tempo passou mais uma vez e sob o manto sagrado da moral contemporânea, nossas mãos começam aos poucos a se entrelaçarem novamente. Convocamos movimentos nas ruas, lutamos pelo aborto, decidimos criar nossos filhos ou não ter filhos, já expomos aos poucos nossos corpos e ousamos retirar, ainda que timidamente às vezes, algumas etiquetas antes pregadas na pele. Ainda há algumas que criam seus filhos para respeitar somente as virgens, ou as que não despem e usam seus corpos como querem. Que julgam os amores alheios pela idade e pelo dinheiro. Que condenam a infidelidade da outra como se fosse a sua própria. Entretanto, um novo cenário aos poucos se configura. Sim, buscamos prazer e conhecimento, respeito e equiparidade. Porém ainda nos dizem que somos inimigas e que devemos vigiar uma à outra e ter cuidado com a inveja alheia. Ainda nos fazem crer que nosso envelhecimento deve ser escondido sob camadas de tinta e que precisamos ser criadas para gerir nossa casa e família, mais do que nossa vida. Ainda acreditamos muitas vezes nisso. Contudo, bem lá no fundo persiste o componente de irmandade, a conexão uterina que não nos faz inimigas, recalcadas, invejosas, mas nos faz irmãs. Somos mães, filhas, amigas que enfrentam os mesmos riscos todos os dias. Percorremos as mesmas ruas com índices de estupro na casa dos 22% a cada 100 mil habitantes, somente dos casos denunciados. Somos 16% dos casos de violência contra LGBT. Conhecemos os mesmos companheiros que nos expõem em vídeos e fotos, ou que se gabam de terem nos levado para cama, isso quando todos sabemos que em sexo consensual ambos vão por suas próprias pernas à cama, ou a qualquer lugar. Nossos corpos, expostos, guardados, apedrejados,mutilados,feridos em abortos clandestinos são os mesmos,temos a mesma essência ainda que sob nuances particulares a cada uma. Enfrentamos as mesmas barreiras profissionais e pessoais, choramos pelas mesmas dores. Não somos inimigas, somos e deveremos ser sempre irmãs, seja no dia das mulheres ou em qualquer outro dia.Estamos, como sempre estivemos, expostas da mesma maneira, independente da cultura ou da condição social. Somos diariamente violentadas pelas mesmas forças.Não nos cabe nos protegermos do recalque uma das outras, mas umas às outras, com nossas mãos fortemente entrelaçadas, pela condição fundamental que nos une:somos mulheres. Bom dia pra nós.. http://magiaerazao.blogspot.com.br/2015/03/sobre-filosofia-beijinho-no-ombro.html

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