Conviver talvez seja a mais difícil das artes.
Pois relacionar-se significa admitir o outro, descer do pedestal construído por nós mesmos
e deixar que entrem no nosso espaço.Significa submeter-se a análise alheia e , quem sabe ,à critica.Significa arriscar.
Correm-se riscos todos os dias.Arriscamos palpites , novos projetos , dinheiro...
Difícil mesmo é arriscar falar a verdade.É arriscar-se perante o outro.
Porque na verdade nos fragilizamos, estamos inteiros, nus.Porque a verdade nos coloca como simples mortais, suscetíveis ao fracasso ou ao sucesso.
E que inquietante é a dúvida, o “se”.Há quem use a dúvida como instrumento de aprisionamento e na duvida não permitimos que o outro nos conheça plenamente.Sem conhecer a verdade , tudo é possível, de melhor e pior e o não ainda é só uma hipótese.Difícil é ouvir a verdade, mais ainda falar.
Mas a verdade liberta.Porque retira nossas máscaras.Porque mostra os fatos como eles são.
Arriscar uma paixão, uma palavra, um gesto ,é arriscar rejeição.Por isso tantos amores platônicos.
Muito mais fácil permanecer na contemplação , e então deixar que o outro pense o que quiser de nós.Por meio de omissões ou meias verdades, podemos dar a entender uma infinidade de coisas , por isso é tão importante a comunicação não verbal.
Através dela, com um pouco de sensibilidade , pode-se tentar decifrar um pouco do outro , esse desconhecido, e buscar um entendimento.
Há quem jamais ouse atravessar a fronteira entre a duvida e a verdade e prefira o nada , a arriscar o fracasso.
Mas somente a verdade é capaz de transformar o “se” em algo concreto.E somente dessa forma é possível ser livre.
Somente quando conseguimos romper essa barreira do medo, nos tornamos humanos e permitimos ao outro nos conhecer e ,quem sabe, nos amar.Não só o amor romântico, mas o amor como um todo, sendo este tão abrangente e por assim mesmo, livre.
Fala-se muito de paixão , mas o amor é o único que não aprisiona o objeto amado.Porque o amor ama o outro, não a imagem construída dele.Porque o amor permite, aceita ,compreende o outro na sua totalidade.Porque o amor não precisa de fatos, pois é feito de certezas.A paixão aprisiona e fragiliza.O amor liberta.A paixão não espera , o amor sim.
A paixão acaba, o amor se transforma, sem deixar de ser ele mesmo.A paixão mitifica.O amor desconstrói.A paixão é estúpida,o amor é racional.
Somente quando nos for possível entender nossas relações importantes como relações de amor, será possível buscar soluções racionais para o eterno problema do conviver.
Somente quando aceitarmos o amor , não como um contrato indissolúvel , mas como uma característica humana, involuntário e , principalmente, plural, será possível que finalmente nos façamos entender pelo outro e vice-versa.
Entender a química da atração , do sexo e da complexidade humana e não achar que o amor é capaz de transformar o outro em escravo, fazendo –o cativo de seus desejos.Entender a infinitude das relações, sem que aja necessidade de compromissos formais, de estabelecer regras, para a legitimação do amor.
E , principalmente entender o quão necessário é arriscar-se, porque só na desconstrução de si mesmo para o outro é possível entender-se e evoluir, dentro da condição humana.
texto publicado originalmente no blog Vida Carioca-2006.
Nenhum comentário:
Postar um comentário